sábado, 1 de maio de 2010

Mr. Postman

Nenhuma carta hoje. E não mais me surpreendo. Já houve, não faz muito, mais de uma me esperando aqui. Dele.

E agora, desde que nossos corpos se tornaram um, desde que comungamos do gozo um do outro, desde que silenciei meus temores e entreguei-me a ele, body and soul, nada.

Detesto dizer isso assim, dessa forma recalcada e infeliz, igualando meu amor a todos os outros que não ele: Homens são todos iguais...

Até meu amor, que é ardente e apaixonado, que me ama diligentemente. Até ele, que me chamou de amor antes que eu a ele, que se assumiu apaixonado, as palavras escritas. Tem de mim o melhor - e disso sabe. Recebe minhas palavras - ora rebuscadas, ora espontâneas, até chulas, quando assim cabem - e não me devolve, nem uma resposta. Às vezes sim, ridiculíssimas três frases num cartão postal. Não, não é preciso adubar chão tão fértil, pleno de amor e palavras que emoldurem seu coração - por certo pensa meu amor, quando lê minhas missivas. Pensa certo, que o amo com um amor desejoso de ofertar altar e incenso, por acreditar ser como um deus o objeto de tal afeição.

Mas também pensa errado - e nesse engano me entristece tanto... Sinto eu também o desejo de ser incensada, não pelas palavras de outrem, assim ditas como uma prece entre lábios pecadores não contritos. Desejo encontrar penitente desolado, pronto a deitar aos pés de meu altar as rosas de seu arrependimento, a dizer do âmago da alma as verdades que já não pode calar em seu coração aflito. Dizer da loucura da sua paixão, do quanto anseia desesperado pelo momento efêmero do encontro, de quão insaciável é sua gana por um beijo, de quanta sede suporta um náufrago na ilha deserta do mundo - sede de mim. Essa paixão avassaladora nunca provoquei em homem nenhum. Ou pelo menos assim penso, pois não o diriam. Homens são todos iguais!

Até o meu amor, que me disse uma vez, a língua molhando a pena, a pena marcando o papel, ser capaz de permitir-se sentir sem limites! E, no entanto, vejo com clareza todas as barreiras que construiu em torno de sua vida real. Barreiras que mantém a mim de fora, e a assepsia do lado de dentro. Enquanto eu sofro sua falta, e invento desculpas para correr à caixa do correio, exponho meu amor sem reservas aos olhos do mundo, e me cubro de pseudônimos para tocar-lhe a orla dourada do manto de Arauto... Eu, que sou Alice para o Gato, Ofélia para Hamlet, Isolda de Tristão e Desdêmona para meu enciumado Othello - que diz não querer saber o que eu faço na minha vida real. E sim, como não, sou Julieta para meu Romeu, Dulcinéia de Quixote, Matilde de Neruda e Simone de Sartre. Todas em uma só. Tão múltipla, e tão negligenciada... Homens são todos iguais(?)

Sim, já lhe disse que falo sozinha. Acabei de desdobrar hoje uma nova possibilidade: conversa comigo mesma. Inaugurei esse diário juvenil para ter com quem conversar, sem desejar resposta. E disse-lhe que preciso de reciprocidade. Pedi explicitamente que não me deixasse sem resposta. Dizem os homens que as mulheres precisam falar o que deles esperam, porque não são adivinhos. Bah! E quando se diz exatamente o que se espera, e não se recebe aquilo que pediu? Qual a desculpa, então? Será que ele percebe meu desejo de laureá-lo, enquanto só recebo frases curtas, exíguas de emoção?

Disse-me um dia que temia estar sendo só corpo e desejo, mas que também sabia que eu era capaz de entendê-lo. E sou. Em mim não há amor, afeto ou cumplicidade dissociados do desejo - este sim imperativo, porque imperador. Eu compreendo: dei-me a ele inteira, por não saber fazer de mim um presente às metades, um bufê de canapés, uma festinha regada a mini drinks e finger food. Eu sou vatapá, bobó de camarão e feijão doce. Feijoada completa regada à caipirinha de limão, couve mineira e laranja em gomos. Só sei me entregar assim. E assim fui devorada. Agora, feita a digestão... Homens são todos iguais.

Ele escreveu sim, dois postais. Num, falava que o frio em Portugal o estava castigando. No outro, pedia desculpas por sua distância de nossa correspondência animada, motivo pelo qual estamos juntos - o que em si já é uma realidade paralela, não exatamente real...

E o que fiz eu? MULHERES SÃO TODAS IGUAIS!(?)

Poderia tê-lo torturado mais um pouquinho, inventado uma desculpa plausível para minha incomunicabilidade, e observado o que ele iria fazer. Mas, e o medo de tornar-me desinteressante? E se ele me descurtisse, assim, de repente, por falta de incenso e ouro? Se o bálsamo se esgota, como ungir o ídolo? E se ele se fosse, e me deixasse agora, quando tornou-se para mim imprescindível, como o ar? Ele é ouro para mim. E não sou adepta de joguinhos. Quantas mulheres não teriam feito seus jogos, e recolhido seus prêmios - ganhando ou perdendo?

Ao invés de jogos, mais louros e bálsamo, aloés e sândalo para o meu amor. Acendi minhas velas em torno de seu pedestal, queimei meu incenso e trouxe presentes, todos feitos de mim: minhas palavras e lágrimas, meu desvelo e atenção, meu desejo mudo e incondicional. Todo o meu ser, embrulhado em papel vistoso e envolvido em fitas de cetim. Como deve parecer bela a oferenda em seu altar... Diz ele que as adora. Sim, sobe o perfume do incenso, do bálsamo e das oblações ao Panteão onde repousa o meu amado. E lhe agrada. E ele o diz. Mas não responde.

Não, ele não olha para mim como a uma sua igual - Homens são de Marte, mulheres são de Vênus.

E Vênus é Afrodite, a deusa do amor, a mais bela dentre as deusas do Olimpo, capaz de despertar amor em qualquer mortal. E Afrodite é mãe de Eros, o Cupido, garotinho terrível, que com suas flechas atormenta a vida dos homens. Que são de Marte, o deus da guerra. Que flechada é mais fatal? A do amor ou a da fúria?

Eu temo por meu frágil coração, tão dividido e tão completo: saber o que se quer not always solves the problem... Quero a loucura e a segurança. A segurança eu alcancei há anos, nessa minha vida real, ainda que não asséptica de sua presença. A loucura, só a tenho de mim - não há reciprocidade. Os muros que me separam da vida real dele são intransponíveis, por tê-los construído assim. Os meus... Bem, os meus são como uma membrana plasmática: semipermeáveis. Para mim, Wonderland is just a blink away. Para ele, ah, he needs to slide through the rabbit's hole. Em mim, o gateway é mental; nele, físico.

Hoje, só por hoje... e isso começa e se parecer com conversa de AA. Escrevo este para não escrever-lhe nada, para que sinta saudades e pense em mim por minha ausência, não pela insistência. Quero que abra a caixa postal hoje ao amanhecer e nada encontre de meu. É, nada de MEU, nada que fale de mim, nada pessoal. Nada das minhas palavras, nem de incenso, ou bálsamo, ou velas, ou oblações.

E que fique triste, ou encanado, ou bolado. Ou que sinta só falta, ainda que remota. E que se desinteresse, na ausência desse aparato mágico! Eu sinto dor física só de pensar nessa possibilidade, mas é melhor que assim seja. Não quero estar me entregando sem receber desse amor o que mais espero: adoração, tal e qual!

Homens são todos iguais - mas meu amado é melhor que os outros, todos.


(Por quê? Por que o aniversário de Wonderland se aproxima...)


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