quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Monstruário

À sombra do Flamboyant
teus dedos me tocam
ainda

E a possibilidade de passares

à inexistência
me assombra ainda mais

Que a impossibilidade

do toque dos teus dedos
sob o Flamboyant de tempos atrás



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ciclo

Acontece assim, de repente. Como se fosse um outro dia qualquer, as cores da paleta da vida ficam lindas novamente. E o Sol ainda é o mesmo Sol, e aparece entre nuvens nesses dias frios de inverno. Mas só é inverno aqui fora.

Dentro há uma nova onda de calor que sobe por dentro de mim como lava, buscando as frestas entre os minerais na área da chaminé para encontrar a luz e o exterior, explodindo violentamente, destruindo e bagunçando camadas e camadas de rochas sedimentadas sobre o antigo vulcão.

Quem olhasse de longe veria somente uma bela montanha, verdejando na manhã suave e cálida, e ninguém suspeitaria que ela já havia sido uma cuspidora de fogo. Isso tinha sido antes, num passado tão distante que ninguém imaginou as cócegas no ventre da montanha, a massa pastosa e ígnea se insinuando lá no fundo... e como ela queria sair.

E nesse dia, sem muita pressa, Polianna acordou dentro de mim bocejando preguiçosa, e sonhando acordada me perguntou se dessa vez era para sempre, esse calor, essa fúria. Essa certeza. Nesses dias me resta sorrir para ela, de soslaio, e desdenhar de sua ingenuidade, de seu otimismo irritante. No fundo, bem lá no fundo, eu preferia que pelo menos dessa vez ela estivesse certa. Mas viver é decepção, erupção vulcânica é fenômeno geológico. E dia de verão é luxo para quem vive em terras tão austrais.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Dos acontecimentos ao lançamento

Olá, pessoas.

Sim, eu sei, eu sei: esse bloguinho anda muito abandonado, e só tenho a mim mesma para culpar por isso. Eu, eu mesma, e o lançamento.

As coisas aconteceram meio sem querer, como quase tudo na minha vida. O Guilherme me chamou lá na editora para conversarmos um pouco, e me fez uma proposta de publicação do conteúdo do blog. Eu gostei da conversa, mas custei a me decidir, sabe? Eu desconfio de tudo, sou quase mineira... Só que ele insistiu. E então eu voltei lá e assinei o contrato.

Voltei para casa e comecei a separar e organizar uma seleção dos textos. Foi difícil revisitar alguns deles. Outros, me receberam de braços abertos. No fim, dei ao livro o meu melhor. E agora quem quiser vai poder pôr na estante o meu livro de papel, "como um troféu, no meio da bugiganga"...

Então, essa sequência de acontecimentos deságua no lançamento, e o propósito deste post é convidá-los todos, meus leitores amigos. Terça-feira 18/06, espero vocês no Drink Café. E não se fala mais nisso... :D


Enquanto isso, nem custa nada vocês darem um pulinho no Facebook para curtir a página do blog: https://www.facebook.com/DipshitMayo

E, para acompanhar o convite, um petisco: por tempo limitado, aqui, neste post, a íntegra do conto que dá nome ao livro. Com vocês, Ezildinha e suas Ingenuidades!

Ingenuidades


Sempre acreditara ser aquele tipo de mulher de quem os homens fazem gato e sapato. Jamais em toda sua vida soubera dizer não a quem quer que fosse, quanto mais a um homem por quem sentisse amor. E desta forma, seguiu sendo pilhada por toda a sua existência: ora o marido, ora o filho, ora o chefe, todos, sem exceção, conseguiram dela tudo o que desejaram.
Era assim que ela enxergava o mundo, e talvez sua mãe tivesse alguma culpa, por ter ela mesma sido sempre submissa e subordinada ao marido, seu padrasto. Ela nunca soubera que mulheres pudessem ser fortes, donas de si, ter desejos próprios e até mesmo decidir o que fazer da sua vida.
Havia chegado o dia do casamento de seu único filho, Adalberto - conhecido por todos como Júnior, uma vez que fora nomeado como seu pai. Ela achava de uma falta de imaginação sem precedentes, nomear crianças como a seus pais, mas não pudera dizer que não ao marido, e chamara ao menino Jr toda a vida, a única insubordinação de que fora capaz. Estava vestida, penteada e maquiada de forma impecável, e via refletida no espelho uma bela mulher, jovem para seus 53 anos. Estava emocionadíssima, e esperava o momento de entrar na igreja com o filho, enquanto a família de sua nora corria de um lado para o outro, todos extremamente nervosos. Imaginou ser essa a atribuição da mãe da noiva, esse preocupar-se excessivo. Olhava curiosa toda aquela aflição reinante, mas desistira de oferecer-lhes alguma ajuda. Para Dona Yolanda, mãe da Narinha, era quase uma competição entre elas, para descobrir quem era a melhor mãe, e ela já lamentava por seu filho, genro daquele trator humano! Ria-se de tudo internamente, porque sabia que, apesar de toda a histeria, eram todas muito boas pessoas, e seu netinho ou netinha seria muito feliz por viver no meio de todos eles. Estava assim, absorta em seus pensamentos, quando ouviu a voz de Adalberto, o pai, chamando-a:
- Ezilda, venha cá, mulher! Está fazendo o quê aí?
- Já vou, meu bem!
- Por que você estava ali, criatura? - Adalberto lhe perguntou, exaltado. Ele sempre ficava indignado quando ela ficava à toa. Era quase uma afronta a ele, era como ela percebia, se ela ficasse sem o que fazer, nem que fosse por cinco minutos.
- Ora, Beto! Haja paciência... Você não viu que eu ofereci ajuda a D. Yolanda? Ela insistiu que não precisava, então, fiquei olhando.
- Ora, mulher... Acha-se logo o que fazer! Vai lá ver se o Betinho não está precisando de alguma coisa, vai.
Ela apenas meneou a cabeça, e foi ter com o filho. Para o marido ela era como uma emissária, a quem ele enviava onde queria, para fins de sua representação. Nunca pensava nisso, mas achava muito chato ter que servi-lo todas as vezes, com um sorriso no rosto. E ele, o que teria que dar-lhe em troca por tanta dedicação? Ah, isso ela bem sabia: todas aquelas amantes, o filho da Outra que ele se recusara a registrar, a quem ela reconhecera e amadrinhara desde pequerrucho, o risco de bancarrota por suas dívidas de jogo, e um sem número de eventos em que se metera. Essa era a paga que ela merecia...
Percebendo a nuvem escura que se colocava sobre seus olhos enquanto lembrava desdes incidentes, sacudiu a cabeça como quem espantava um mosquito inconveniente e sorriu para o Jr. Seu filhote estava lindo, um homem feito com olhos de menino... apavorado! Ela ficou alarmada imediatamente, e correu em sua direção, solícita.
- O que houve, Jr?
- Mamãe, eu acho que a Narinha desistiu do casamento.
- Agora, meu filho? Na hora de cerimônia?
- É, mãe, agora, agorinha! - retrucou Jr exasperado. Eu escutei o que não devia, D. Yolanda aos berros com ela no telefone, dizendo que parasse com a criancice, saísse daquele quarto e viesse já - mas eu ouvi ela dizendo que não viria, que não queria nem me ver, que o nosso filho teria pai, mas ela não queria marido de jeito nenhum. É o fim, mamãe. Ela não quer viver comigo. Ela prefere ficar sozinha a viver comigo...
Ezilda abraçou o filho, enquanto tentava inutilmente compreender o que ele dissera. "O que ele quis dizer com não quer casar comigo? Então Narinha enlouqueceu? Será possível uma mulher ter um filho sem pai, por Deus?" Esses pensamentos passavam rapidamente por sua cabeça, ela ficou zonza e não soube a princípio que juízo fazer do que lhe fora dito. Limitou-se a olhar seu filho nos olhos e garantir que tudo daria certo. Alguma coisa estava acontecendo na sua cabeça, mas não daria atenção àquilo naquele momento. Foi até onde estava D. Yolanda e disse:
- Querida, eu preciso falar com a Narinha.
- Está tudo sob controle, Ezilda, eu lhe asseguro. - Então Ezilda foi mais assertiva.
- Yolanda, meu amor, eu vou falar com a Narinha agora, ok? Onde ela está?
Dona Yolanda parecia petrificada, e como nunca tinha visto "Ezildinha" falar daquela maneira, aquiesceu. Deu um suspiro profundo, e dando de ombros, ofereceu-se para acompanhá-la até o quarto da casa de festas onde a noiva estava se arrumando. Por todo o caminho foi oferecendo explicações, entre muxoxos, justificando que esses jovens eram assim, inconsequentes, que essas coisas de medo eram assim mesmo, que no final tudo daria certo, mas Ezilda não estava escutando. Ela sabia o que tinha que dizer a quase-futura-ex-nora, e o faria. Quando chegaram na porta do quarto, Yolanda fez que ia bater na porta para chamar a filha, mas Ezilda cortou seu gesto, imperativa.
- Eu assumo daqui, obrigada, Yolanda. Vai dar tudo certo, de alguma forma. - Diante do silêncio perplexo da outra, Ezilda bateu na porta, anunciando-se:
- Narinha, sou eu, Ezilda. Vou entrar, querida. - ela não estava ali para brincadeiras, era a felicidade do filho e do neto que estavam em jogo, e não ouviria nenhuma negativa da noiva. Virou a maçaneta e entrou no quarto, decidida. Encontrou a menina jogada sobre a cama, os cabelos desalinhados, a maquiagem borrada, em prantos. Abraçou a Nara e permitiu que a pobrezinha terminasse de se lamentar em seu ombro. Entre soluços, ela desabafou:
- Dona Ezilda, a senhora me perdoa? Será que seu Adalberto vai me perdoar também? Ah, dona Ezilda, eu não sei mais de nada, eu não sei o que fazer! A senhora já imaginou o que vai acontecer quando o Júnior perceber a merda que fez e me abandonar? - e dito isso, desabou novamente em lágrimas. Ezilda sorriu e apertou a menina em seus braços. "Quanta bobagem a gente pensa quando está grávida..."
- Minha filha... você atinou na quantidade de asneiras que você me disse nesse minutinho desde que eu entrei aqui? - e continuou, sob o olhar atônito de Nara - Minha criança, o Jr é completamente apaixonado por você! Você acha que ele não se casaria com você se não fosse pela gravidez? Ora, Narinha... deixe de ingenuidade, esses são outros tempos! Meu filho casaria com você de qualquer maneira. Talvez não tão logo, talvez mais um ano, ou dois - mas tenho certeza de que, no coração dele, você é a escolhida! Para que tantas inseguranças, meu anjinho? Você ama o meu filho?
- Ai, dona Ezilda... a senhora sabe que eu sou louca pelo Júnior.
- E você duvida no seu coração que possa ser feliz com ele, ou que ele possa ser feliz do seu lado?
- Não, minha sogra! Eu não posso imaginar a minha vida sem o Júnior...
- Eu sei disso, minha filha. Ninguém se casa com um homem que se chame Adalberto sem ter certeza absoluta de que é isso que deseja. Agora, vamos dar um jeitinho em você, e eu te garanto que quando você chegar naquele salão ele nem vai se lembrar que você está esperando criança!

A menina sorriu, meio envergonhada, e permitiu que a sogra lhe penteasse os cabelos, refizesse sua maquiagem e ajeitasse o véu e o vestido. Quando Ezilda deixou aquele quarto, Narinha estava pronta para dizer sim ao Jr, e até Yolanda, embora não gostasse de dar-se por vencida, estava agradecida àquela mulher intrometida que salvara a situação. Ezilda foi até seu filho, deixou que ele tomasse seu braço e a conduzisse ao altar montado no meio do salão, para tomar seu lugar ao lado de Adalberto, o pai. A cerimônia foi lindíssima, os noivos muito emocionados, o filho feliz como nunca tinha visto, a nora radiante, toda a felicidade do casal transbordando sobre os convidados. Ezilda não se lembrava de ter presenciado um casamento mais bonito - nem mesmo o seu. Até que ela fixou o olhar na fileira do fundo, e sentiu um arrepio subir-lhe a espinha. Sentada ali, assistindo a cerimônia, estava a Outra - a amante do marido, mãe de seu afilhado! Ela olhou novamente, não sem antes piscar, num esforço para certificar-se de que era real. O rapazote, irmão de Jr, estava agora com dezesseis anos, e era a cópia esculpida de seu pai, o marido dela. Ela gostava muito do Anselmo, mas vê-lo ali, no casamento do Jr, e ainda por cima acompanhado de sua mãe, aquilo foi um pouco demais para ela. Coisa do marido, tinha certeza. E nunca uma decisão dele pareceu-lhe tão audaciosa!
Aquela zonzeira que ela experimentara antes, quando o filho lhe falou da desistência da noiva, aqueles pensamentos que não concatenavam, agora formavam uma imagem muito clara em sua mente. Ela entendeu num relance porque tinha ficado tão incomodada com a ideia louca da Nara. "Eu tenho escolha", ela pensou, e viu tudo claramente. Todas aquelas humilhações que sofrera, nunca mais. O medo do abandono, nunca mais. A dor da perda iminente, nunca mais.
A festa se desenrolou suave e deslumbrante, todos dançando e se divertindo até a madrugada. Ela mesma foi pessoalmente cumprimentar o afilhado e sua mãe, sorrindo e muito cordial. O próprio Anselmo lembrou-se depois que sua madrinha nunca tinha sido tão gentil com sua mãe antes, e o marido ficou encantado, imaginando todos os possíveis desdobramentos positivos dessa nova atitude de Ezilda para consigo. Quando os esposos resolveram deixar a festa, ela abraçou os dois ternamente, e desejou-lhes uma vida inteira de cuidados mútuos e muita gentileza. Recomendou ao filho que fosse sempre bom companheiro para a esposa, e que nunca, nunca a decepcionasse. Sorriu para a nora, abençoou a ela e ao seu ventre, onde o minúsculo embrião repousava, imperceptível, e deixou que seguissem.
Esperou até a hora em que Adalberto veio a seu encontro, depois de ter dançado quase a noite toda com a Outra, já meio alto e aos gritos.
- Ei, Ezilda, minha filha! Venha cá, vamos para casa.
- Não.
- O quê?
- Não, Adalberto. Você não vai para casa comigo.
- Como assim, mulher? O que você pensa que vai fazer, criatura?
- Eu vou ser feliz sozinha, porque com você já faz muitos anos não sou. Nem sei se fui, um dia.
- E quem te disse que você pode fazer uma coisa dessas, falar assim comigo?! Eu sou teu marido, criatura!
- Mas não é meu dono, e eu não sou obrigada a ficar do teu lado, nunca mais. Olha só, nós já criamos nosso filho, ele já é dono de seu nariz e logo será pai. Não existe motivo na face da Terra para que eu durma sequer mais uma noite ao teu lado, estrupício! Eu deixo as tuas coisas na porta da frente amanhã. - deu-lhe as costas, resoluta.
- Mas mulher, pelo amor de Deus, para onde eu vou?
- Não me interessa.
- Mas o que houve, criatura?
- Ah, Adalberto, eu descobri uma coisa hoje. E o tempo da minha ingenuidade acabou.
Ela seguiu em frente, deixando para trás um Adalberto perplexo e descrente, a Outra lívida e assustada, e Anselmo, seu afilhado, às gargalhadas.
- Ô, dinda!
- Diga, meu querido?
- A que horas eu posso passar lá na sua casa para pegar as coisas do papai, amanhã?
- Passe depois das 11h, meu filho, e almoce comigo, sim?
- Tá combinado, dinda!
E enquanto ela seguia em frente, acenando bem alto um adeusinho a Anselmo, ele virou-se para o pai e disse, assim entre dentes:
- Perdeu, playboy!


sábado, 4 de maio de 2013

Minúcias (parte 3)

Na semana seguinte ela chegou um pouco depois do horário marcado. Vinha afobada, ainda vestia a roupa de ginástica. Entrou, recebeu o indisfarçável escrutínio da secretaria de Inácio, e alguns instantes depois deixou-se cair sobre o divã de couro branco.

- Nossa, que correria! Desculpe-me o atraso.
- Tudo bem.
- Não, Inácio, não está tudo bem. Eu concordei em estar aqui, eu deveria ter avisado que me atrasaria. Mas me distraí, e quando dei por mim, já era a hora e eu estava a três quarteirões daqui.
- Veio da academia?
- Pilates. Detesto fazer exercícios, mas por algum motivo estranho adoro Pilates.
- Bom para você, exercitar-se.
- É... - Ela foi evasiva. Precisava deixar aquela conversinha de lado e fazer o que tinha ido lá fazer: contar a ele a sua história. Ele pareceu ler seus pensamentos, e deu a deixa:
- Você quer que eu te lembre onde você parou?
- Ah, não, Inácio. Eu sei perfeitamente onde parei. Eu te contei sobre o Fernando. Hoje eu vim aqui te contar sobre o Antônio Carlos... Então ela respirou fundo e começou a falar:

- Eu conheci esse rapaz, o Antônio Carlos, quando trabalhava num escritório de representações comerciais no centro da cidade, gerente administrativa. Ele era um mensageiro, muito gostoso, alto, bonito, tinha consciência do efeito que causava e gostava de exercer esse seu poder sobre as mulheres. Comigo não foi diferente. Na época eu já era casada, tinha uns cinco anos, e ainda não tinha filhos. E ele sempre chegava sorridente, me perguntava como tinha sido o fim de semana, o que eu ia fazer no final do expediente... como a resposta era sempre a mesma - "eu vou prá casa, o meu marido e eu vamos jantar e ver um filme" - ele dizia que duvidava muito que eu fosse uma mulher caseira. Era um flerte casual, e ele não parecia ter uma agenda.

- O que você quer dizer com isso? Agenda?
- Ah! Existem homens que traçam um objetivo, do tipo: eu vou fazer isso, aí eu falo aquilo, e dependendo do que ela disser eu caio dentro! Esses tem agenda. O Toni não tinha agenda: era um oportunista. Ele ia esperar a ocasião favorável acontecer. E eu resolvi que ia fazer acontecer o mais rápido possível - eu estava morrendo de curiosidade!
Então, uma tarde, no horário do almoço, o escritório estava vazio, eu pedi que ele fosse até a minha sala antes de sair para almoçar, porque eu tinha uma correspondência urgente para ele entregar. Ele entendeu perfeitamente - os canalhas sempre entendem - e esperou que todos saíssem para ir até mim. Quando ele entrou na sala já estava claro como água o que ia acontecer. Ele disse alguma gracinha sobre o vestido que eu estava usando, eu perguntei se era problema para ele, ele retrucou que não, não mesmo. E se aproximou como um predador, e me atacou. Ele me beijou com força, e me tirou o fôlego, e a cada beijo era um pedaço do meu corpo que ele despia, e quando eu dei por mim, estava deitada sobre a mesa, e ele entre as minhas pernas. Eu gozei intensamente naquela vez, acho que a mistura de emoções era única: o medo de alguém chegar, o tesão enorme que ele me provocava, a força com que ele me subjulgava. Sei lá, são tantos detalhes que me vem a mente quando penso nele...
Depois daquilo, ele começou a brincar comigo. Me agarrava pelos corredores e me ignorava em público, só respondendo a mim quando o assunto era trabalho. Ele se divertia às minhas custas, e isso me deixava confusa, e eu fiquei perdida. Eu não sabia o que pensar, cheguei a achar que estava apaixonada demais, e que se ele ficasse com outra pessoa eu enlouqueceria. E era isso que ele queria, depois percebi.
Sabe, com o Toni o affair era uma questão de poder. Ele queria subjulgar uma pessoa importante, que estava numa posição hierárquica acima dele. E, se possível, garantir um pezinho de meia. Ele não me pedia nada diretamente, mas deixava escapar que tinha gostado disso ou daquilo, e eu me peguei comprando uma corrente de platina caríssima para ele, corada como uma adolescente. Enquanto o atendente a embrulhava para mim, ele comentou que era um presente de muito bom gosto, e que meu marido ia gostar muito.
Aquilo foi como um balde de água fria sobre mim. Ele viu a aliança no meu dedo, e imaginou que o presente era para ele! Aquilo me deixou transtornada, e eu liguei para o escritório, avisei que não voltaria naquela tarde, dei uma desculpa. Comprei uma lingerie nova, uma garrafa de Veuve Clicquot de boa safra, e fui para casa. Preparei um jantar delicioso, me arrumei e fiquei esperando o Leonardo. A gente teve uma noite incrível, ele adorou o presente - mas gostou mais ainda do champagne e do resto. Depois que ele dormiu, eu levantei, entrei no chuveiro, e chorei. Chorei muito, deixei que a água do chuveiro lavasse todo o sofrimento. E me senti forte o suficiente para ir ao trabalho no dia seguinte acabar com tudo.

- Você o demitiu?
- Demiti-lo? Não. Eu pedi demissão. Para mim sempre haveria novas possibilidades de trabalho, mas para ele... Bem, eu tenho formação superior, experiência profissional, boas referências. E saí de lá para uma posição melhor numa rede de supermercados. Eu não poderia continuar trabalhando naquela sala, não depois de tudo o que aconteceu ali...
- E você aprendeu com ele, Tereza?
- Ah, não... Sabe, poder se exerce de maneiras diferentes, por motivos diferentes. O que para o Toni era uma maneira de se sentir poderoso e dominante, para outros era o desejo de admiração, a necessidade de se provar, de alimentar a auto estima, de ser o grande amante, o forte, o especial... E, para cada necessidade básica do ego de um homem eu levei um tombo. Só dói menos hoje em dia, que já estou escolada. E mesmo assim, ainda me acontece. É inacreditável até para mim que eu ainda possa cair nessa armadilha. Mas é como é.
- Ele não parece ter sido tão importante para você...
- Viu só, Inácio? Você está julgando. Eu tinha te avisado que iria acontecer. Há um distanciamento emocional porque essa fórmula de relacionamento é ruim. Falar desse tipo de experiência é ruim, porque não é uma relação entre iguais. Esse homem, o Antônio Carlos, não me vê como uma sua igual: ele se vê como melhor do que ele, e precisa me subjulgar, de uma forma ou de outra. E não pode haver felicidade ou boas lembranças neste tipo de história. Mas não significa que tenha sido menos importante, ou menos intenso. Eu sempre me pergunto: e se o atendente da joalheria não tivesse feito aquele comentário? E se?
- Desculpe-me Tereza, eu... - Ela cortou o pedido de desculpas, seca:
- Não se desculpe. Perceba: eu me expus ao teu julgamento, como estarei exposta ao dos que lerem o teu livro, mas o fiz voluntariamente. É por minha vontade que estou aqui - e já sabia que isso aconteceria. - Respirou fundo e concluiu:
- "E se" é a pior das perguntas, é uma prisão disfarçada de possibilidade. Na verdade, é uma impossibilidade que te aprisiona no passado onde ela era possível. E eu aprendi a viver no hoje. Não há cadeias onde eu passei.
- Entendo. De qualquer maneira, essa é uma fórmula diferente. Você se esquece deles? Dos Antônio Carlos?
- Às vezes sim - é quando caio na mesma armadilha uma segunda vez que me lembro. Mas do Toni eu nunca esqueci. Foi logo depois dele que eu engravidei pela primeira vez. No final das contas, ele me ajudou a olhar para dentro do meu casamento e a dar o próximo passo: frutificar.

O silêncio caiu entre eles, e para Inácio era um silêncio opressivo. Era claro que ele sabia que a estava julgando, mas ele não imaginava que ela fosse perceber sua manipulação tão rapidamente. Ela era uma mulher muito inteligente, e ele estava cansado daquele diálogo.

Ela olhava para ele enquanto o silêncio gritava em seus ouvidos. Ela estava tranquila, mas sentia raiva quando se lembrava do Toni. Ela tinha sido louca por ele, mas não sabia pensar nele com carinho. Era raiva o que ela sentia, e ela sabia porquê.

- Sabe, Inácio, existem dois tipos de relacionamento: os bons e os ruins. Os bons sempre dão certo, mesmo quando terminam. Os ruins sempre dão errado, mesmo quando duram toda a vida.
- Obrigado, Tereza. Podemos continuar semana que vem?
- Claro, Inácio.

Ela se levantou e estendeu a mão direita para ele. Ele apertou sua mão com firmeza, e ela saiu da sala. Ele pegou o gravador e começou a tomar notas a respeito da sessão. Repetiu literalmente suas últimas palavras: "existem dois tipos de relacionamento: os bons e os ruins. Os bons sempre dão certo, mesmo quando terminam. Os ruins sempre dão errado, mesmo quando duram toda a vida." E desligou o gravador, pegou uma caderneta com o nome dela na capa, e passou a anotar no papel. Precisaria elaborar bem a conversa...


(to be continued)


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Minúcias (parte 2)

"Eu só sei dizer que chovia, que naquele dia a noite caiu sobre a cidade às três horas da tarde, e que em questão de minutos estava tudo alagado, e não dava mais para sair do laboratório. Eu fiquei ali, vendo os meus colegas resolverem ir embora, um por um. Fiquei com medo, sei lá por quê. O meu marido, então namorado, estava fora da cidade, trabalhando num projeto novo, e devia estar de volta em duas semanas. Eu liguei para ele, contando a situação, e ele concordou que a melhor opção era ficar onde estava - seca e em segurança. Só me fez prometer que ia trancar tudo, e se despediu.
De repente eu fiquei sozinha. Completamente sozinha. E me deu medo. Da janela, a situação parecia não ter mudado. Tudo cheio. E eu meio que entrei em pânico. Ali, sozinha, presa numa sala minúscula e repleta de fósseis... Então eu peguei as chaves e algum dinheiro, deixei a mochila no laboratório e saí para descobrir se alguém ainda tinha ficado na faculdade, e se dava para tentar ir para casa. E esbarrei nele na papelaria. Literalmente esbarrei. Eu peguei um livro qualquer numa prateleira da loja, e o estava folheando e andando em direção ao caixa quando esbarrei nele. O pedido de desculpas mútuo foi substituído por um sorriso meio sem jeito. E logo ele quis saber se eu ia tentar ir para casa, emendando que tinha um grupo de alunos que ia ficar no refeitório durante a noite. Eu disse que tinha onde ficar e agradeci, e ele perguntou se eu ficaria bem, sozinha. Ele tinha um jeito especial de olhar, era como se ele realmente visse você, ele podia olhar através de mim. E eu fiquei sem palavras."
Ela fez uma pausa comprida. Inspirou profundamente e deixou o perfume da chuva tomar conta dos seus sentidos. Era difícil falar daquilo, mas ela lembrava de todos os pequenos detalhes daquela noite: o cheiro do hálito dele, o gosto do beijo, o tamborilar da chuva na janela do laboratório, o calor do desejo e o peso das suas mãos sobre o corpo dela. Era emocionante poder falar daquele episódio abertamente a alguém genuinamente interessado no que ela tinha para contar. Tentou se concentrar de novo. Ela precisava terminar o que tinha começado.
"Ele só sorriu e me perguntou se eu queria comer alguma coisa. Diante da minha negativa, se ofereceu para me acompanhar até a minha sala. Eu comecei a agradecer e de repente aceitei sua oferta. Eu já tinha recusado tantos convites dele naquela noite que fiquei constrangida em negar mais aquilo. Ou talvez, em algum canto da minha cabeça, eu já estivesse revolvida. Não tenho certeza.
Caminhamos até o prédio onde a minha sala ficava. Conversamos todo o tempo, e como a gente tinha assunto! Ele fez questão de me levar até o terceiro andar. Subimos de escada - o prédio estava sem energia - e ele já ia se despedir quando eu ofereci um café. Sempre tinha café naquele lugar. E ele aceitou na mesma hora.
As coisas ficam confusas nesse ponto, e eu não sei dizer como foi que tudo começou, mas me lembro de todos os detalhes do que aconteceu ali. Acredito que esse não seja o objetivo da sua pesquisa, então vou omitir isso. O importante para mim é que, apesar de ter acontecido há tantos anos, é mais significativo contar isso aqui do que o meu último romance. Há um padrão, entende? Os affairs se repetem, seguem fórmulas. Eles podem vir em cor e tamanho diferente, mas são fórmulas. Eu sempre dou nomes aos meus compostos. Essa é a fórmula Fernando: acontece meio sem querer, cresce rapidamente e exige tomada de decisão. Sempre acaba do mesmo jeito: eu sofro porque não quero abrir mão, mas sei que é preciso, e nunca mais o vejo. Eventualmente fico sabendo dele por algum conhecido. Ele sempre está muito bem e aparentemente nem se lembra que eu existo. Eu nunca me esqueço dele.
Desse jeito só me aconteceu duas vezes. E eu nunca me esqueci de nenhum dos dois, mas também não sou cruel ou cretina a ponto de procurá-los. Eu sei que poderia machucar - ou ser machucada. Em qualquer dos dois casos é sofrimento desnecessário, porque não há solução para a questão.
Terminou três meses depois, ele me dizendo que se eu terminasse o meu namoro estaríamos casados em seis meses - e, se não o fizesse, jamais o veria novamente. Eu morri um pouco por dentro, mas não vi a opção que ele me mostrou. Eu não vi. Para mim não era possível dar as costas ao meu namorado. A minha lealdade estava em outro lugar. E ele se foi."
Ela sentou na chaise em frente à mesa de Inácio. Estava cansada. Contar aquele história tinha drenado suas energias. Ele achou melhor deixar as perguntas para outra oportunidade.
-Vamos parar por hoje.
-Eu agradeço, Dr. Inácio. Acho que relembrar tudo isso sobrecarregou meu sistema... Você tem alguma pergunta? - Ele percebeu um certo receio na voz dela.
-Você teme as perguntas.
-Não, doutor. O julgamento das pessoas me incomoda, só isso.
-Eu não estou aqui para julgá-la, Teresa.
-Ah, não - mas vai fazê-lo. É da natureza humana, julgar. - Ele não retrucou.
-Então eu prometo guardar meu julgamento para mim.
-Talvez não seja uma boa ideia essa sua pesquisa, afinal. Estou me expondo a esse julgamento à enésima potência.
-Você quer desistir? Eu não quero pressioná-la, mas essa tua teoria das fórmulas me interessou muito. Queria entender como você percebe a dinâmica dos affairs, como você se referiu às relações extraconjugais. Mas você está livre para resolver o que quer fazer com isso.
-Nem são muitas as minhas fórmulas. Eu acho que nós repetimos fórmulas em nossos relacionamentos, e que elas são um reflexo de nossas personalidades e experiências. Comigo acontece sempre de três maneiras bem diferentes, mas sempre as mesmas três fórmulas: Fernando, Antônio Carlos e Laerte. Te interessa mesmo saber disso?
-Sim, Teresa.
-Então... quando eu volto?
-Na próxima quinta.
-Se eu mudar de idéia, eu prometo que ligo avisando.
-Combinado - ele disse, estendendo-lhe a mão direita. Ela retribuiu sustentando seu olhar, desafiadora.
Ele a acompanhou até a porta, esperou que ela saísse e pediu que a secretária reservasse a próxima tarde de quinta para Teresa. Ignorou a careta da mulher e fechou-se no consultório. Precisava tomar notas antes que seu primeiro paciente da noite chegasse.
Já na calçada, ela olhou a chuva que agora caía pesada. Sorriu, deixou a proteção da marquise, e a chuva a abraçou. A água estava fria. Em segundos ela estava encharcada, e ainda assim seguiu pela chuva, sem dar importância a isso.

(to be continued...)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Minúcias (parte1)

(Esse conto eu comecei a escrever em 2011, e eu até sabia como ia terminar. Por algum motivo, a ideia me deixou. Agora deu vontade de concluir a história de Tereza, então vou republicar um capítulo por dia, e recomeçar de onde parei. Espero que ela descubra seus motivos...)



E então já era quinta-feira e ela tocou a campainha da sala faltando três minutos para a hora marcada. Uma mulher de meia idade, cabelos grisalhos presos na altura da nuca num coque displicente, abriu a porta e a recebeu com uma careta de desaprovação. Ela riu de volta, desdenhosa. Enquanto esperava, ficou analisando a secretaria do Dr. Inácio: maquiagem carregada, um vestido surrado que um dia já tinha sido azul marinho, unhas muito longas pintadas em um tom de azul metálico, escarpins cinza chumbo. Ela era detalhista, e não via nisso mal algum. Alguém uma vez lhe dissera que Deus estava nos detalhes - e ela passou a entender como um elogio quando as pessoas mencionavam essa sua característica. Mas sabia que era no mínimo rude quando escrutinava alguém daquela maneira. Só não sabia como evitá-lo.

Logo a porta do consultório se abriu e Inácio apareceu na porta. Ele sorriu para ela e pediu que entrasse. Ela devolveu-lhe o sorriso, levantou-se, meneou a cabeça para a mulher entrou na sala contígua. Era muito diferente da antessala diminuta. Era ampla e muito bem decorada, mobiliada com bom gosto e sem afetação. Cada objeto ali parecia ter sido adquirido em anos de viagens pelo mundo, e o resultado era um mosaico de referências a respeito daquele homem que tanto a intrigava. Ele a havia abordado há duas semanas, no seu café favorito, enquanto ela saboreava um espresso curto olhando a chuva. Ela adorava a chuva, e ele fez um comentário certeiro a respeito de como o perfume da chuva ali era especialmente fresco. Ela explicou que a proximidade da floresta era responsável por tal efeito, e a conversa fluiu entre eles. E então ele lhe disse que era antropólogo e psicólogo, e que estava escrevendo um livro sobre infidelidade - e perguntou se ela não queria participar do projeto com seu depoimento. Aquela pergunta feita assim, à queima-roupa, surpreendeu-lhe de tal forma que ela apenas aquiesceu. Ele então entregou a ela um cartão, com o endereço e o telefone daquele consultório. Pediu que ela ligasse e marcasse um apontamento com sua secretária, e lá estava ela, diante dele, pronta para despejar sua história. Mas antes ela precisava saber... Como?

- O quê?

-Desculpe. Acho que pensei em voz alta, Dr. Inácio. Eu sei porque você me pediu para vir até aqui. Isso eu entendi perfeitamente. Mas gostaria muito de saber como foi que percebeu que eu poderia oferecer-lhe algum relato, que eu faço parte da sua amostra - como?

-Há uma qualidade indelével, uma espécie de marca, nas pessoas capazes de amar, Tereza. Eu posso explicar o que vi em você, mas prefiro que você me conte sua história primeiro. Temo que revelar esse detalhe antes do teu depoimento possa interferir negativamente no teu relato. Seria pedir demais que você me contasse o que quiser primeiro, e guardasse a curiosidade para o final?

-Acho que posso aguentar mais um pouco para saber, se isso for uma promessa.

Ele sorriu e concordou com a cabeça, enquanto se sentava atrás da mesa de jacarandá recém polida e encerada (incrível como ela não conseguia se desligar dos detalhes).

-Quanto tempo nós temos?

-Você não deve se preocupar com isso, Tereza. Eu não recebo duas pessoas para o projeto num mesmo dia, e geralmente atendo aos meus pacientes pela manhã ou à noite. Reservei o período da tarde para esse projeto, então sinta-se à vontade para levar o tempo que for necessário.

-E te incomoda se eu não ficar sentada? É que eu elaboro melhor enquanto me movimento...

-Tudo bem.

-Posso olhar os teus objetos, tocá-los? Eles me atraem a atenção.

-Claro.

Então ela respirou fundo, e andou em direção à janela, e a chuva começou a cair quase simultaneamente. Ela encostou no parapeito e ficou olhando a chuva em silêncio. Inspirou profundamente o perfume no ar, e seus olhos se encheram de melancolia. Ela sabia que aquela experiência era no mínimo inusitada. Só não sabia onde poderia levá-la. E ela começou a falar:

"A primeira vez que traí chovia, como hoje. Não foi algo planejado. Simplesmente aconteceu. É engraçado falar disso agora, tantos anos passados... É uma lembrança tão doce que nem parece real. Eu sei que é real, mas nem parece. Faz tanto tempo...

Nós éramos colegas de faculdade. Mesma grade de horários, cursos diferentes, algumas matérias em comum. Nos encontrávamos pouco, sempre nos horários das aulas, e quase nunca nos falávamos. E eu sempre soube que ele seria um amante incrível. Havia alguma coisa nele que eu não sei descrever, talvez a maneira como parecia atento ao que lhe diziam, ou a forma como segurava o lápis enquanto tomava notas das aulas... Ele usava lápis, um detalhe que eu considero sedutor: a possibilidade de apagar tudo e reescrever por cima, sei lá. Você pode considerar isso uma besteira, mas eu vejo significado nas coisas mais banais. Eu sou assim, detalhista."



(to be continued...)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Dead marshes

Venha conhecer de perto o pântano profundo e malcheiroso das emoções humanas.

Pegajoso, frio, fétido. E talvez você se sinta a vontade aqui - ele é colorido com a mesma paleta pastel e insípida de tintas com que você escolheu pintar a tua vida.

(Como você deve sentir saudades do tempo em que eu coloria a tua vida com os tons brilhantes e luminosos dos crayons e hidrocores que carrego comigo, na minha bolsinha tiracolo...)


terça-feira, 23 de abril de 2013

Certeza

Eu era feliz, e sabia, quando me deixava ficar no teu abraço por alguns minutos, breves e efêmeros minutos que eu teimava sonhar seriam eternos. A vida corre, e escoa veloz para o vazio, e eu não sei de mais nada sobre você. Nem existe mais nada que me faça lembrar, ainda que vagamente, de como foi lindo nós dois.

Só a certeza que eu trago, no fundo do peito, da mente, do coração: você era eu e só eu sabia. Eu era você, e você nunca vai saber.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Cárcere privado

Gira a bailarina, rodopia decidida. Dança delicada sobre o pedestal.

A redoma de cristal sobre ela colocada é mais que um adorno, é também proteção. Seu dono cuida para que não lhe falte nada. Dá-lhe corda, para que rodopie, espana a poeira que teima em se acumular sobre a cúpula, de tempos em tempos dá um polimento especial nas plaquetinhas de identificação de seu bibelô favorito.

Mas ele não sabe, nem desconfia. Para ela, rodopiar é tortura, fazer-se delicada é doloroso.

E a redoma cristalina é sua doce e transparente prisão.

domingo, 14 de abril de 2013

Náusea (publicado originalmente em 26/06/2009)

"Merda, eu devia ter ficado em casa!"- pensou, enquanto tirava o sutiã apertado e o vestido preto. Estava chegando de um dia infernal. Na verdade, se houvesse um botão erase na vida, que só pudesse ser usado uma vez, era esse o dia que ela apagaria da sua história...

"Um velório é uma boa maneira de começar o dia..." Estava cansada física e emocionalmente, seus pés e olhos ardiam igualmente, mas só seu coração chorava agora. Não comeu nada o dia inteiro, e mesmo assim sentia náusea. E dai para frente, foi ladeira abaixo. Maldita náusea.

Depois do serviço funeral, o momento mais terrível: fecharam o caixão. Ele lá dentro, tão parte de si e tão diferente... "Ele é outro e eu" - era o que ela dizia, se lhe perguntassem. Mas e agora, e agora? "Ai, não, não, por favor, não..." Lágrimas, e a sensação que a vida tinha acabado. Não ainda.

O sepultamento. Inexplicável a dor. Seu corpo conheceria o decaimento. "Merda, seu cretino, você prometeu..." O plano de velhice juntos, mesmo que separados. " Sempre seremos amigos, peixinho dourado." Era como ele a chamava. E eram amigos sim, e foram muito mais que isso, por todos aqueles anos, desde a escola secundária.

Os anos passaram velozes e afastaram suas vidas, mas nunca estiveram a mais de um telefonema de distância um do outro. "Merda, você prometeu. Eu tenho 40 anos, merda! Onde vou achar outro você?"

Foi ao trabalho depois do enterro. Todos perguntaram se não era melhor que voltasse para casa. "Não, gente, é sério, eu estou bem, consigo trabalhar na boa..." Era mentira. Ela só pensava em Valium e Whisky, era melhor ficar ali, cercada de gente bisbilhoteira que aparecia a cada 20 minutos para comentar alguma bobagem, ou perguntar se precisava de alguma coisa. "Eu sou uma malagradecida. Eles estão tentando ser legais... Mas eu preciso morrer hoje. Na verdade, já morri. E os vermes já estão começando a devorar meus tecidos - é questão de tempo, agora." Ela sentia o cheiro da morte em seu corpo. Estava apodrecendo, não havia como escapar da escuridão daquele caixão - as paredes se fecharam sobre seu corpo, mas era ele - e não ela.

No fim do expediente alguns colegas convidaram para um Happy hour. Ela pensou que não havia nada de mal naquilo - e ela precisava de um drink desesperadamente. E encheu a cara, literalmente. Tudo, mas principalmente a tequila - seu calcanhar de Aquiles. Um alcoólatra nunca toma mais de uma dose. E não se lembrava de quantas tequilas...

Alguém a trouxe para casa - amanhã isso seria mais um motivo de preocupação entre os colegas no trabalho. Ela não ligava, naquele instante não importava. E ela não pensava muito em what ifs...

O porteiro da noite era um cara calado, alto, forte, sexy. Ela resolveu comê-lo ali, quando notou seu olhar para ela. E não precisou dizer nada: beijou o homem voluptuosamente, o beijo que era para a outra metade de si, que desaparecera sob o chão...

O sexo insano e selvagem, sem ritmo ou cadência, trouxe mais desalento na bagagem. Ele era gostoso, beijava bem e chupava melhor ainda. Pegava forte - ela teria hematomas, com certeza. Rasgou-lhe a calcinha. E guardou no bolso. "É fetichista... Vai guardá-la junto com as calcinhas das outras, minhas vizinhas." Riu sozinha. Gozou três vezes. Foi uma ótima idéia. "Orgasmos são incrivelmente relaxantes, aposto que vou dormir em cinco minutos..." Mas para quem ela contaria essa história? O amigo, confidente, amante, tutor, agente, empresário, cliente, rolo, sócio, marido, ex-marido, marido de novo... Onde o encontraria? Será que algum dia se veriam de novo? Riu de si mesma. "Nessa maldita hora a idéia é reconfortante. Mas não há nada, ele se foi, e com ele muito de mim. Essa parte se perdeu para sempre. Voltou a ser poeira de estrelas, o meu amor..."

As lágrimas desceram caudalosas, soluçava incontidamente, a náusea, a dor de cabeça da ressaca, os gritos que abafou o dia inteiro... Tudo chegava à tona, sua alma em chamas, chagada, flagelada, meio morta... "Ai, a dor, merda! Eu quero sumir, por favor, me deixe desaparecer com você!"

Esquecimento... Não, ali não. É só assim que se fica aqui, nesse mundo infeliz - nas lembranças dos outros. Ele bem que podia escolher outro lugar para morar. Ela queria o esquecimento. Mas jamais conseguiria fazê-lo, era esquecer-se de si... "Amnésia, mal de Alzheimer... Please, hurry up!"

Náusea... Ânsia... Vômito! Antes que percebesse. Sua cama, seu chão, seu tapete. As paredes do corredor. E o chão do banheiro, antes de conseguir chegar ao vaso sanitário. "Puta merda, vou passar a madrugada limpando tudo isso". Tomou um banho gelado. Ficou muito tempo deixando a água descer por seu corpo. Vestiu o roupão e começou a faxina. Lavou lençóis, edredon e toalhas, o piso do banheiro.

Muitos panos de chão depois, a casa limpa, sentou-se no sofá e ligou a tevê. Ficou zapeando a noite inteira... Nada interessava. E vomitou a noite toda, entre lágrimas e soluços. Não podia dormir nem estar acordada. Ficaria entorpecida, até que parasse de sentir a maldita náusea...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Reformulação

Olá a todos.

Tenho pensado muito no formato deste e do meu outro blog ultimamente, sabe? Sinto como se tivesse separado duas partes de mim que só podem existir juntas. Elas precisam coexistir, para o bem ou para o mal.

Estou trabalhando numa nova ideia, e isso leva tempo (pelo menos em se tratando de mim...)

Por isso (um pouco), e por todo o resto (mostly), esse espaço está parado. Agora, no entanto, isso é um recesso oficial.

Peço, como sempre, paciência. E agradeço, mesmo sem saber se você, caro(a) leitor(a), está ou não dando pulinhos de satisfação com isso.

Um grande beijo, até a volta. Mas vou logo avisando: pode ser que fique tudo muito diferente por aqui... :*

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Cintilando

Eu me lembro da última tarde em que estivemos juntos. Caminhamos lado a lado pelas ruas do meu bairro, sem nos tocarmos, o vento em nossos rostos e o Sol às nossas costas. As ruas apinhadas, movimentadas, e nós dois ali. Éramos só nós dois, na multidão. A tua voz me contando coisas da tua vida, e eu bebendo cada palavra em silêncio, sorrindo com o canto da boca.

Você seguiu adiante e me deixou ali, na porta de casa, e meu sorriso teimoso se alastrou pelo rosto inteiro, e explodiu em milhões de faíscas e estrelas em meus olhos flamejantes. Ter estado ao teu lado aqueles poucos minutos iluminou-me inteira, e eu brilhando era o resultado inesperado. Só então eu soube.

Só não sei ainda o que fazer com isso.

As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...