segunda-feira, 29 de junho de 2009
Oportunidades (parte 1)
sábado, 27 de junho de 2009
Crônicas de meu pai morto - cartas à Ana Cristina (final)
(Carta segunda)
Eu penso que talvez a vida seja um equívoco. E que todos nós passemos todo o nosso tempo aqui tentando fazer as coisas certas é a prova cabal deste equívoco. O senso de propósito, por exemplo, constantemente nos afasta daquilo que desejamos ardentemente. Eu passei a sexta-feira inteira fazendo uma comida que não estava a fim de comer, fazendo sala para minha família por parte de marido e sorrindo, quando eu queria estar com você.
Se eu sei fazer uma coisa bem na vida é mentir. Ninguém percebe... É tão sutil! É mesmo uma forma de arte, e não seria ético de minha parte ocultar de você que me orgulho dessa minha característica particular. Sinto-me vaidosa. E assim sendo, todos podem confirmar que estava em ótima forma ontem, de bom humor e agradável, mas na minha mente... Devo ter esganado o meu sogro e desprezado minha sogra 1.000.000 de vezes, antes do almoço!
Agora, enquanto me sento aqui diante do note para te falar do meu amor e tentar tocar teu coração com palavras de papel digital, todos estão em paz. Só eu, turbulenta e ruidosa por dentro, sei da verdade.
A verdade é que hoje eu acordei sem vontade, para encontrar um mundo cinza. Um mundo onde só há pais no Céu - mesmo aqueles pais que partiram sem acreditar nisso - e no qual suas garotinhas choram desoladas as suas ausências. Não há consolo prá mim nesse mundo, porém quero encontrá-lo prá você.
Eu queria ter me despedido dele, não como o fiz naquele domingo 09/07/2006. Eu achava que o veria vivo novamente, e não como o vi. O sorriso dele nos lábios - e ele mesmo já não estava lá. Nenhum comentário ácido sobre a incompetência no atendimento ao público, nenhuma gota do seu sarcasmo habitual - homem implicante com tudo! - nenhuma doce palavra saindo de seus lábios, nem sua risada, que enchia o mundo de alegria. Não, não há mesmo cor no mundo cinza que ele deixou prá trás.
Mas sua dor o deixara, e eu abençôo os médicos misericordiosos que lhe deram morfina, para dor do corpo. E amaldiçôo o mundo que lhe provocou dor tão profunda, capaz de fazê-lo desistir de viver.
E eu levanto todos os dias sentindo que a única maneira de fazer justiça a ele é melhorar o mundo para o Heitor. Só sei um jeito de fazê-lo: o meu filho deve ser um homem melhor. Um homem de verdade, com caráter, bondade, respeito, alegria, justiça, coragem e tudo o que há de bom.
E é por isso que eu minto: há muita mentira no senso de justiça, porque ele se opõe ao senso de oportunidade em muitos pontos. Eu pinto até minha dor e insatisfação de cor de rosa e azul bebê, se isso tornar possível o homem bom que eu espero dele no futuro.
E não me arrependo de nada, como acho que o meu pai não se arrependia: se errou e se desejou fazer tudo de novo, ser outra pessoa, ou ser seu verdadeiro eu, se quis dar vazão a alguma aspiração, não saberei. Mas ele viveu sua verdade, no amor por nós e minha mãe. E deve ter precisado mentir um pouco. Todo mundo precisa.
Te amo demais. Beijo.
(Carta terceira - e última)
Eu acho que nunca falei sobre isso de verdade. Não sei se resolve. Em minha opinião, não adianta, e o sofrimento que subjaz é tão pungente e tão hediondo que é indescritível. É, eu nunca falei sobre isso.
Muito menos com você. Sei que somos amigas, e que seu ombro já me acolheu inúmeras vezes, mas como se partilha isso com alguém? Eu nunca contei nem para a minha analista, as palavras e imagens que me vêem à mente quando penso naquele dia que nunca poderei esquecer.
Seu corpo, tão forte, que antes me tomava nos braços, me pegava no tolo, me conduzia pela mão. Ali, inerte, frio, indiferente. Como eu queria gritar, fugir, morrer junto! Como doía, como dói, como sempre doerá... E lá se foi 50% do meu DNA, alguém de quem sempre tive todo o amor que minha mãe é incapaz de dar. Ele se orgulhava de mim, ele me via e brilhava, vibrava com as minhas conquistas, partilhava minhas vitórias, e ainda contava prá todo mundo!
Eu só conseguia pensar em me encolher ali, num cantinho do caixão e deixar o coveiro me levar para o buraco com ele. Eu tenho filho, marido, uma casa, uma vida consolidada, e eu só queria morrer com ele, porque nada mais fazia o menor sentido prá mim.
Questão de perspectiva
Mas por que preferia o marido? E por que, tendo marido, foi acabar logo ali?
Não podia mais pensar nisso. Sempre acreditara que ela não era feliz no casamento, e seu motivo para essa relação pirata estaria claro para ele se assim fosse. Mas não era. Ela voltou para casa todas as vezes que estiveram juntos, deitou-se com o marido e dormiu profundamente, depois de fazer sexo com ele, a cabeleira loira desalinhada no braço dele - não no seu. E como isso podia incomodar-lhe, anyway? Eles eram casados, for Christ sake!
"Vamos, camarada, put your shit together!" disse a seu reflexo no espelho. Fez a barba, tomou banho, fez café. E saiu para o trabalho.
No metrô, a caminho do Centro, uma moça de uns vinte e poucos anos o estava encarando, descaradamente. Então ele devolveu o olhar: checou suas pernas, seu colo, os braços à mostra - pareciam tão macios - "e que peitos, meu Deus, que peitos..."
E, enquanto se aproximava dela, seu sorriso retribuído por ela, ele pensou: "Por que foi difícil levantar hoje?"
...
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Crônicas de meu pai morto - cartas à Ana Cristina (parte um)
A vida não é mesmo justa. As coisas não acontecem nunca num bom momento. Certas coisas não têm um bom momento para acontecer. Depois a gente fica se culpando por umas besteiras sem sentido, como se a gente fosse super poderosa e pudesse ter evitado qualquer situação. E como se não bastasse o carrasco da consciência, tem os algozes familiares, e eu queria poder te proteger daquilo de que fui vítima. Mas você é forte, mais forte que eu, e você vai saber lidar com tudo. Bem melhor do que eu.
Uma parte de mim morreu com o meu pai. Ou pelo menos ficou catatônica. Agora, algumas vezes eu sinto essa minha parte querendo pôr a carinha de fora. Ele me amava, e que eu morresse junto com ele provavelmente não era o que ele desejava prá mim.
Outro dia o Heitor teve um ataque de amor, e começou a se declarar para mim, me abraçou e ficou me dizendo que a gente sempre ia ficar juntinho, e que quando nós morrêssemos iríamos para o céu juntos, e subiríamos, subiríamos até finalmente desaparecermos, juntos. Eu, obviamente, chorei muito. Foi um momento muito emocionante... A imagem era tão bonita, e tão perfeita! Mas eu sabia que era errada.
Uma mãe pode desaparecer, mas não seu filho. Ele vive, precisa viver, a gente faz de tudo para que viva. E a gente ama torto, porque ninguém é perfeito, e todo mundo sabe disso (menos eu).
Eu sempre imagino que no fim da vida a gente sabe que vai morrer. Não como no cinema, quando aparece o flashback da existência. Mas como uma sensação de conformidade, de senso de propósito. Deve ser angustiante sentir que se deixou de fazer algo. Deve ser pacificante sentir o dever cumprido. E o que vem a mente: O melhor de cada um.
O meu melhor é o Heitor. Eu penso que estive na mente do meu pai em seus últimos minutos de consciência, quando finalmente se desligou do corpo e foi ver o que nos espera. Talvez ele até tenha levado um pouco de mim, porque eu sei o quanto dele me ficou, e vive em mim, e o quanto o que ele foi me influencia até hoje, e sempre o fará. A verdade é que eu choro de saudade dele hoje como chorei então, e eu sinto falta dele hoje como sentirei amanhã. Eu nunca resolvi isso, nem sei se quero. Eu nem falo do papai na terapia.
O que eu quero dizer é que não sou boa com isso. Não tenho exatamente medo de morrer, tenho medo de encarar o sofrimento dos que ficam, e você ficou, graças a Deus. Mas não posso faltar para você, porque você é minha amiga: presente, querida e amada. E porque teu sofrimento me faz sofrer duplamente, por você e por mim.
Eu te devo um pedido de desculpas. Embora meus braços tenham te faltado, meu coração está se contorcendo por você, e sofrendo com você, preocupado e sentindo sua falta também. Eu te amo muito, prometo que vou até ai amanhã à noite, depois que todo mundo sair daqui do almoço de Sexta-feira, porque eu não agüento mais esperar mesmo.
Por favor, estenda meu abraço à suas irmãs e mãe, mas meu colo, tardio e imperdoável, esse é só seu.
Muitos beijos e todo o meu amor, Patrícia
(Essa é a primeira de três cartas que escrevi à Ana Cristina na ocasião da morte de Ovídio - seu pai. A identificação me fez reviver e colocar essa minha mesma experiência em perspectiva. Foi bom, e eu considero também libertador.)
Contagem progressiva
Sentia que toda a sua vida convergia naquele momento. Tudo finalmente fizera sentido. Num instante, foi como se um quebra cabeças se completasse em sua mente, com sua última peça, uma imagem: o projétil frio penetrando sua carne, estilhaçando-se no interior do seu corpo, cada estilhaço dilacerando o tecido vivo em inúmeros pedaços.
Não sentia dor, contudo, e por isso sabia que o fim tinha chegado. Nem dor, nem frio. Repassava sua vida desde o início, como que para descobrir em que ponto tomara o caminho que o levara até ali.
Fora uma vida feliz. Fora amado, desde seu nascimento. Fora recebido por sua mãe e seu pai num lar cheio de calor. Sua mãe deu-lhe a vida e o seio. Os pais deram-lhe apoio incentivo, segurança, educação e formação, todas as ferramentas para um futuro de sucesso, e por que não dizer, glória. E fora um berço de ouro.
Não, pensou. Não está ai o desvio. Então, por que a bala, dilacerando-lhe as entranhas? Agora, sentia-se diminuir, e era como se flutuasse numa banheira de água fria. Era o sangue, ele sabia, que drenava lentamente do ferimento em seu abdome.
Imagens de sua infância surgiam diante de seus olhos, e era como uma avalanche de emoções invadisse o espaço deixado pelo sangue e circulasse junto com o restante.
É o fim, definitivamente o fim. E, embora extasiado em reviver toda aquela felicidade pretérita, tinha urgência de encontrar o ponto crucial para aquele desfecho. Deixou para trás os deleites da infância e mergulhou no poço escuro dos conflitos da adolescência.
Agora sentia dor, e a dor física se confundia com aquela provocada por suas lembranças. Dera-se conta, de súbito, que a confusão devia-se a estas dores terem sua origem na mesma: Ela.
Era ela, obviamente, a razão daquelas dores, as de agora com as de então. Não sabia de visão mais nítida que o contorno do seu corpo, a luz de seus olhos, seu véu de cabelos ocultando sua beleza, imaculada para ele. Mesmo em seu derradeiro momento, mesmo enquanto a vida o deixava, sua obsessão por ela como que a materializava ali, suas formas e seu perfume quente e doce. E, no entanto, ela estava morta.
Sua miserável adolescência começara precocemente, a profusão de acne deformando suas feições, o desafino de sua voz. Da noite para o dia crescera tanto que se sentira perdido em seu próprio corpo, aquelas pernas compridas e braços desengonçados. Desejava esconder-se do mundo diariamente, passar despercebido do amanhecer ao pôr do Sol, dormir uma noite e só acordar quando aquele pesadelo terminasse.
As humilhações que passara, inúmeras, partiam tanto dos outros rapazes – que o ridicularizavam – quanto das moças – que desdenhavam dele, ou o desprezavam.
Até o dia em que todas as suas dores foram anestesiadas por aquela visão: era como se um anjo tivesse feito para si o corpo de uma menina. Aqueles cabelos dourados que até hoje velavam seu rosto, revelando aos poucos os segredos de cada traço cinzelado de seu rosto, brilhando na luz matutina, os olhos castanhos vivazes, seus lábios róseos emoldurando um sorriso radiante. Era como se um mundo novo se descortinasse diante dele.
Quando seus olhos encontraram os dele, sorriu. Para ele, não dele. E imediatamente um calor vulcânico assomou-lhe as faces, e ele ficou dividido entre a vontade de fugir e o desejo de ficar. Era como uma presa, hipnotizada por uma serpente, temerosa, e já consciente de seu fim, mas incapaz de fugir. - to be continued...
(Esse é o primeiro arremedo de conto que eu escrevi. Eu até sei o que deve acontecer dai para diante, mas travou. E o título é dipshit... Aceito sugestões de qualquer natureza.)
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Soundtrack to hell
Tim Burton's
terça-feira, 23 de junho de 2009
Muitas idéias na cabeça...
domingo, 21 de junho de 2009
Erin
As regras do rolê
As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...
-
O ruído inconveniente às quinze para as seis da manhã me acorda muito antes da hora. Irritadiça eu sempre sou, ainda mais numa situação como...
-
As horas nos teus braços são tão breves, O perfume do teu sim tão sutil, Que sinto o cheiro do não, exalando forte da caçamba lá na esquina,...
-
E nem é da tua carne que eu sinto falta. A carne é importante, mas é de menos. Todo homem tem piroca, é um fato biológico, e nem importa ess...