segunda-feira, 29 de junho de 2009

Oportunidades (parte 1)

Ela saiu de casa ainda cedo. O dia mal se insinuara por entre as montanhas, seus pés ligeiros buscaram a liberdade da estrada, da vida ao ar livre. Não era uma fugitiva - ela amava sua casa e sua família, e jamais abriria mão de ser parte dela. Mas dentro de si havia a necessidade de um momento para chamar de seu. E seria hoje!

Percorreu a distância significativa entre a porta da frente e o portão do jardim, temerosa por ser apanhada. Mas alguns passos... O portão rangia muito, e ela, muito esperta, o havia lubrificado na véspera. "Sim, nenhum ruído!" Seus olhos não se contiveram, e deixaram rolar duas lágrimas. "Pronto, acabou-se a tensão!" E apressou-se em ganhar o mundo.

Tinha desessete anos, era a filha do meio numa família de cinco. E para completar era a única mulher. Mãe doente, irmãos caçulas, casa, cozinha, afazeres domésticos - tudo sua responsabilidade. Não era coisa para homem, com toda certeza, fazer comida ou lavar as roupas. Hoje seria. Nunca se vira um homem dar banho em uma criança, ou dar comida na boca de um doente. Hoje se veria!

Corria livre e feliz pela campina que cercava a casa de seu pai. Conhecia cada centímetro do terreno - passou ali todos e cada um dos dias de sua vida.

Neste dia decidiu que veria a cidade. Precisava saber como era! Todos já tinham ido até lá - por que só ela não podia? Quando era pequena, sua mãe lhe dizia que esse era o motivo. E, quando levaram Leonardo pela primeira vez com eles, junto com Bernardo e Ernane, os irmãos mais velhos, sua mãe lhe dissera que deveria ficar e cuidar de Antônio para ela - este, o caçula. Começou a perceber a realidade por trás daquilo tudo: Eles não queriam que ela fosse à cidade. Nunca. O que lhe escapava era o por quê - e era isso que queria descobrir.

O que de tão incrível, ou terrível, a cidade encerrava? Quantas e tantas novidades haveria lá para ela? Ela queria correr para chegar logo até lá. Mas de alguma maneira indelével o medo que lhe fora semeado no coração germinou uma linda planta, enraizada profundamente. E a uma determinada altura do caminho, Alzira percebeu que não mais conseguia andar. Nem mais um passo.

Temores inexplicáveis dominaram a menina. E de repente, aquele dia planejado e arquitetado por dois meses tornara-se um problema. Àquela hora da manhã - o Sol já ia alto no céu - todos já teriam percebido sua ausência, e se chegasse em casa seria decerto castigada. E ai estava o dilema: ser castigada por meia travessura, ou por travessura e meia?

Estava ainda perdida nessas divagações quando ouviu passos. Pessoas se aproximavam dali. Era melhor esconder-se para descobrir quem eram, e para onde iam. Quem sabe não seriam bons companheiros de caminho?

Vinha na frente uma mulher, alta e esguia - tão diferente dela própria e sua mãe! Tinha cabelos bem negros e pele oliva, e sua voz de veludo foi a primeira que ouviu fora dos limites de sua casa.

-"Ande logo, Manoel, não vê que temos pressa?"
-"Desculpe Mamãe! Já chego!" - ressoou por detrás dela uma voz de trovão.

O rapaz talvez tivesse a idade de Bernardo - o irmão imediatamente acima dela. Alto e forte, seus cabelos da cor dos de sua mãe, mas a pele clara. "Deve ter puxado a seu pai"- ela pensou. Nunca vira outras pessoas na vida! Pareceram tão interessantes e especiais para ela... "Com certeza uma senhora muito elegante... O rapaz... bem, não saberia dizer". Enquanto pensava nessas coisas percebeu que se afastavam, e sentiu medo de novo - "se eles forem embora, a quem pedirei ajuda?". Arriscou-se:

- "Bom dia, distinta senhora. Cavalheiro." Os dois olhavam incrédulos. De onde aquela menina?

sábado, 27 de junho de 2009

Crônicas de meu pai morto - cartas à Ana Cristina (final)

(Carta segunda)

Eu penso que talvez a vida seja um equívoco. E que todos nós passemos todo o nosso tempo aqui tentando fazer as coisas certas é a prova cabal deste equívoco. O senso de propósito, por exemplo, constantemente nos afasta daquilo que desejamos ardentemente. Eu passei a sexta-feira inteira fazendo uma comida que não estava a fim de comer, fazendo sala para minha família por parte de marido e sorrindo, quando eu queria estar com você.

Se eu sei fazer uma coisa bem na vida é mentir. Ninguém percebe... É tão sutil! É mesmo uma forma de arte, e não seria ético de minha parte ocultar de você que me orgulho dessa minha característica particular. Sinto-me vaidosa. E assim sendo, todos podem confirmar que estava em ótima forma ontem, de bom humor e agradável, mas na minha mente... Devo ter esganado o meu sogro e desprezado minha sogra 1.000.000 de vezes, antes do almoço!

Agora, enquanto me sento aqui diante do note para te falar do meu amor e tentar tocar teu coração com palavras de papel digital, todos estão em paz. Só eu, turbulenta e ruidosa por dentro, sei da verdade.

A verdade é que hoje eu acordei sem vontade, para encontrar um mundo cinza. Um mundo onde só há pais no Céu - mesmo aqueles pais que partiram sem acreditar nisso - e no qual suas garotinhas choram desoladas as suas ausências. Não há consolo prá mim nesse mundo, porém quero encontrá-lo prá você.

Eu queria ter me despedido dele, não como o fiz naquele domingo 09/07/2006. Eu achava que o veria vivo novamente, e não como o vi. O sorriso dele nos lábios - e ele mesmo já não estava lá. Nenhum comentário ácido sobre a incompetência no atendimento ao público, nenhuma gota do seu sarcasmo habitual - homem implicante com tudo! - nenhuma doce palavra saindo de seus lábios, nem sua risada, que enchia o mundo de alegria. Não, não há mesmo cor no mundo cinza que ele deixou prá trás.

Mas sua dor o deixara, e eu abençôo os médicos misericordiosos que lhe deram morfina, para dor do corpo. E amaldiçôo o mundo que lhe provocou dor tão profunda, capaz de fazê-lo desistir de viver.

E eu levanto todos os dias sentindo que a única maneira de fazer justiça a ele é melhorar o mundo para o Heitor. Só sei um jeito de fazê-lo: o meu filho deve ser um homem melhor. Um homem de verdade, com caráter, bondade, respeito, alegria, justiça, coragem e tudo o que há de bom.

E é por isso que eu minto: há muita mentira no senso de justiça, porque ele se opõe ao senso de oportunidade em muitos pontos. Eu pinto até minha dor e insatisfação de cor de rosa e azul bebê, se isso tornar possível o homem bom que eu espero dele no futuro.

E não me arrependo de nada, como acho que o meu pai não se arrependia: se errou e se desejou fazer tudo de novo, ser outra pessoa, ou ser seu verdadeiro eu, se quis dar vazão a alguma aspiração, não saberei. Mas ele viveu sua verdade, no amor por nós e minha mãe. E deve ter precisado mentir um pouco. Todo mundo precisa.

Te amo demais. Beijo.

(Carta terceira - e última)

Eu acho que nunca falei sobre isso de verdade. Não sei se resolve. Em minha opinião, não adianta, e o sofrimento que subjaz é tão pungente e tão hediondo que é indescritível. É, eu nunca falei sobre isso.

Muito menos com você. Sei que somos amigas, e que seu ombro já me acolheu inúmeras vezes, mas como se partilha isso com alguém? Eu nunca contei nem para a minha analista, as palavras e imagens que me vêem à mente quando penso naquele dia que nunca poderei esquecer.

Seu corpo, tão forte, que antes me tomava nos braços, me pegava no tolo, me conduzia pela mão. Ali, inerte, frio, indiferente. Como eu queria gritar, fugir, morrer junto! Como doía, como dói, como sempre doerá... E lá se foi 50% do meu DNA, alguém de quem sempre tive todo o amor que minha mãe é incapaz de dar. Ele se orgulhava de mim, ele me via e brilhava, vibrava com as minhas conquistas, partilhava minhas vitórias, e ainda contava prá todo mundo!

Eu só conseguia pensar em me encolher ali, num cantinho do caixão e deixar o coveiro me levar para o buraco com ele. Eu tenho filho, marido, uma casa, uma vida consolidada, e eu só queria morrer com ele, porque nada mais fazia o menor sentido prá mim.

Questão de perspectiva

A última coisa que queria era levantar-se. Sentia frio - e era na alma. A lassidão não era maneira de resolver a questão, ele sabia, mas não restava em si nenhum alento. Ela tinha ido embora. Ele foi insuficiente.

Mas por que preferia o marido? E por que, tendo marido, foi acabar logo ali?

Não podia mais pensar nisso. Sempre acreditara que ela não era feliz no casamento, e seu motivo para essa relação pirata estaria claro para ele se assim fosse. Mas não era. Ela voltou para casa todas as vezes que estiveram juntos, deitou-se com o marido e dormiu profundamente, depois de fazer sexo com ele, a cabeleira loira desalinhada no braço dele - não no seu. E como isso podia incomodar-lhe, anyway? Eles eram casados, for Christ sake!

"Vamos, camarada, put your shit together!" disse a seu reflexo no espelho. Fez a barba, tomou banho, fez café. E saiu para o trabalho.

No metrô, a caminho do Centro, uma moça de uns vinte e poucos anos o estava encarando, descaradamente. Então ele devolveu o olhar: checou suas pernas, seu colo, os braços à mostra - pareciam tão macios - "e que peitos, meu Deus, que peitos..."

E, enquanto se aproximava dela, seu sorriso retribuído por ela, ele pensou: "Por que foi difícil levantar hoje?"

...

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Crônicas de meu pai morto - cartas à Ana Cristina (parte um)

Estou com muita saudade de você, meu amor. E triste, por teu ano estar começando assim tão sombrio, afinal te ver todas as terças feiras ilumina a minha semana...

A vida não é mesmo justa. As coisas não acontecem nunca num bom momento. Certas coisas não têm um bom momento para acontecer. Depois a gente fica se culpando por umas besteiras sem sentido, como se a gente fosse super poderosa e pudesse ter evitado qualquer situação. E como se não bastasse o carrasco da consciência, tem os algozes familiares, e eu queria poder te proteger daquilo de que fui vítima. Mas você é forte, mais forte que eu, e você vai saber lidar com tudo. Bem melhor do que eu.

Uma parte de mim morreu com o meu pai. Ou pelo menos ficou catatônica. Agora, algumas vezes eu sinto essa minha parte querendo pôr a carinha de fora. Ele me amava, e que eu morresse junto com ele provavelmente não era o que ele desejava prá mim.

Outro dia o Heitor teve um ataque de amor, e começou a se declarar para mim, me abraçou e ficou me dizendo que a gente sempre ia ficar juntinho, e que quando nós morrêssemos iríamos para o céu juntos, e subiríamos, subiríamos até finalmente desaparecermos, juntos. Eu, obviamente, chorei muito. Foi um momento muito emocionante... A imagem era tão bonita, e tão perfeita! Mas eu sabia que era errada.

Uma mãe pode desaparecer, mas não seu filho. Ele vive, precisa viver, a gente faz de tudo para que viva. E a gente ama torto, porque ninguém é perfeito, e todo mundo sabe disso (menos eu).

Eu sempre imagino que no fim da vida a gente sabe que vai morrer. Não como no cinema, quando aparece o flashback da existência. Mas como uma sensação de conformidade, de senso de propósito. Deve ser angustiante sentir que se deixou de fazer algo. Deve ser pacificante sentir o dever cumprido. E o que vem a mente: O melhor de cada um.

O meu melhor é o Heitor. Eu penso que estive na mente do meu pai em seus últimos minutos de consciência, quando finalmente se desligou do corpo e foi ver o que nos espera. Talvez ele até tenha levado um pouco de mim, porque eu sei o quanto dele me ficou, e vive em mim, e o quanto o que ele foi me influencia até hoje, e sempre o fará. A verdade é que eu choro de saudade dele hoje como chorei então, e eu sinto falta dele hoje como sentirei amanhã. Eu nunca resolvi isso, nem sei se quero. Eu nem falo do papai na terapia.

O que eu quero dizer é que não sou boa com isso. Não tenho exatamente medo de morrer, tenho medo de encarar o sofrimento dos que ficam, e você ficou, graças a Deus. Mas não posso faltar para você, porque você é minha amiga: presente, querida e amada. E porque teu sofrimento me faz sofrer duplamente, por você e por mim.

Eu te devo um pedido de desculpas. Embora meus braços tenham te faltado, meu coração está se contorcendo por você, e sofrendo com você, preocupado e sentindo sua falta também. Eu te amo muito, prometo que vou até ai amanhã à noite, depois que todo mundo sair daqui do almoço de Sexta-feira, porque eu não agüento mais esperar mesmo.

Por favor, estenda meu abraço à suas irmãs e mãe, mas meu colo, tardio e imperdoável, esse é só seu.

Muitos beijos e todo o meu amor, Patrícia

(Essa é a primeira de três cartas que escrevi à Ana Cristina na ocasião da morte de Ovídio - seu pai. A identificação me fez reviver e colocar essa minha mesma experiência em perspectiva. Foi bom, e eu considero também libertador.)

Contagem progressiva

Sentia que toda a sua vida convergia naquele momento. Tudo finalmente fizera sentido. Num instante, foi como se um quebra cabeças se completasse em sua mente, com sua última peça, uma imagem: o projétil frio penetrando sua carne, estilhaçando-se no interior do seu corpo, cada estilhaço dilacerando o tecido vivo em inúmeros pedaços.

Não sentia dor, contudo, e por isso sabia que o fim tinha chegado. Nem dor, nem frio. Repassava sua vida desde o início, como que para descobrir em que ponto tomara o caminho que o levara até ali.

Fora uma vida feliz. Fora amado, desde seu nascimento. Fora recebido por sua mãe e seu pai num lar cheio de calor. Sua mãe deu-lhe a vida e o seio. Os pais deram-lhe apoio incentivo, segurança, educação e formação, todas as ferramentas para um futuro de sucesso, e por que não dizer, glória. E fora um berço de ouro.

Não, pensou. Não está ai o desvio. Então, por que a bala, dilacerando-lhe as entranhas? Agora, sentia-se diminuir, e era como se flutuasse numa banheira de água fria. Era o sangue, ele sabia, que drenava lentamente do ferimento em seu abdome.

Imagens de sua infância surgiam diante de seus olhos, e era como uma avalanche de emoções invadisse o espaço deixado pelo sangue e circulasse junto com o restante.

É o fim, definitivamente o fim. E, embora extasiado em reviver toda aquela felicidade pretérita, tinha urgência de encontrar o ponto crucial para aquele desfecho. Deixou para trás os deleites da infância e mergulhou no poço escuro dos conflitos da adolescência.

Agora sentia dor, e a dor física se confundia com aquela provocada por suas lembranças. Dera-se conta, de súbito, que a confusão devia-se a estas dores terem sua origem na mesma: Ela.

Era ela, obviamente, a razão daquelas dores, as de agora com as de então. Não sabia de visão mais nítida que o contorno do seu corpo, a luz de seus olhos, seu véu de cabelos ocultando sua beleza, imaculada para ele. Mesmo em seu derradeiro momento, mesmo enquanto a vida o deixava, sua obsessão por ela como que a materializava ali, suas formas e seu perfume quente e doce. E, no entanto, ela estava morta.

Sua miserável adolescência começara precocemente, a profusão de acne deformando suas feições, o desafino de sua voz. Da noite para o dia crescera tanto que se sentira perdido em seu próprio corpo, aquelas pernas compridas e braços desengonçados. Desejava esconder-se do mundo diariamente, passar despercebido do amanhecer ao pôr do Sol, dormir uma noite e só acordar quando aquele pesadelo terminasse.

As humilhações que passara, inúmeras, partiam tanto dos outros rapazes – que o ridicularizavam – quanto das moças – que desdenhavam dele, ou o desprezavam.

Até o dia em que todas as suas dores foram anestesiadas por aquela visão: era como se um anjo tivesse feito para si o corpo de uma menina. Aqueles cabelos dourados que até hoje velavam seu rosto, revelando aos poucos os segredos de cada traço cinzelado de seu rosto, brilhando na luz matutina, os olhos castanhos vivazes, seus lábios róseos emoldurando um sorriso radiante. Era como se um mundo novo se descortinasse diante dele.

Quando seus olhos encontraram os dele, sorriu. Para ele, não dele. E imediatamente um calor vulcânico assomou-lhe as faces, e ele ficou dividido entre a vontade de fugir e o desejo de ficar. Era como uma presa, hipnotizada por uma serpente, temerosa, e já consciente de seu fim, mas incapaz de fugir. - to be continued...

(Esse é o primeiro arremedo de conto que eu escrevi. Eu até sei o que deve acontecer dai para diante, mas travou. E o título é dipshit... Aceito sugestões de qualquer natureza.)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Soundtrack to hell

Pela manhã, era sua cara fria e pálida, quase azul, que respondia a seu olhar inviesado ao espelho. E todos os dias desejava acordar para outra visão. Era doloroso saber que não aconteceria. Não assim, like a spell, or a charm.

Ah, o sofrimento - ver-se refletido no espelho era lembrar-se de quem era, e era disso que fugia diariamente, all day long, and from dusk to dawn.

Mais uma dose... Heroína. " É exatamente o que ela é"- pensou. "My personal heroine." Enquanto a droga alcançava seu sistema nervoso, ele tinha os últimos flashes de sua vida real. Era assim que chamava a vida anterior, quando vivia lúcido, e se acreditava feliz.

"Sweet oblivion!" Nenhuma dor, nenhum sofrimento. Há tempos acordava na magrugada, suando frio e desorientado, para injetar mais herô - os pesadelos eram terríveis, ele já não suportava o sono, nem a vigília. E sabia por isso que seu fim estava próximo.

Resolveu então antecipar o momento. "Come, come, nuclear war..." O velho Morrisey daria o tom - um belo acompanhamento musical - sempre adorava viajar nas músicas do cara, pelas imagens que projetavam na sua mente. O pó puro e perfeito fundia na colher - "Três doses devem dar cabo de mim..." Seringa, veia - braço direito, caminho mais curto...

(Last night I dreamt / That somebody loved me / No hope, no harm / Just another false alarm...)

"Yeah, baby! Come to Papa!" Lá estava ela, sweet, sweet death: usando as roupas dela, seus cabelos negros encobrindo os belos olhos castanhos, tão profundos, e sua boca tão vermelha, e descendo até a curva suave dos seios perfeitos. "Que merda, sua Filha da puta - tinha que ser ela, aqui, at the end?" And she replied: "Cala a boca, seu covarde! E me beija..."

- Flatline -

Tim Burton's




A menina de muitos olhos

Dia desses no parque

Vi uma moça de raro encanto.

Tinha tantos, tantos olhos

Que, confesso, fiquei meio tonto.



A sua beleza não era pouca

(Aliás, que tremenda gatinha!),

Quando notei que tinha boca,

Engatamos uma conversinha.



Falamos sobre ecologia,

Sobre suas aulas de poesia,

Sobre os óculos que usaria

Se um dia tivesse miopia.



Mas, de tudo, o que eu mais adoro

É o seu olhar diversificado.

Se entretanto ela cai no choro,

Não tem quem não fique molhado.


Em O triste fim do pequeno menino ostra - e outras histórias, traduzido por Márcio Suzuki.

I totally identify with her - mostly the crying part... :)

terça-feira, 23 de junho de 2009

Muitas idéias na cabeça...

... e pouco tempo disponível para colocá-las no papel digital. Estou com esse projeto de Erin e um outro, com mais cara de conto que ela, que já é até velhinho para desenvolver. Acho que vou levar o note prá Recife nas férias - mas sem o modem! Preciso ficar incomunicável, senão não faço o que preciso.

Outra coisa de que preciso é um editor. Eu vou caçar alguém imparcial prá ler my dipshit e criticar duramente - mesmo que eu chore. E vou conseguir o que preciso: dar-lhes a vida que me devolveram, meus filhos de tinta e sangue.

Hoje ainda posto o conto. Sugestões de título serão bem vindas. Até vou colocar o provisório - mas é dipshit...

domingo, 21 de junho de 2009

Erin

"Vamos lá, preguiçosa, acorde! Time to wake up..."

Ela abriu os olhos e imediatamente sentiu frio. Não aquele friozinho gostoso de fim de dia. Frio de congelar os ossos. De olhos abertos, não divisava luz alguma. "Um último teste"- pensou, enquanto tentava abrir os braços, e...

"Merda! Merda, merda, merda!" Ela pensou ter gritado, mas percebeu que eram seus pensamentos no fundo da cabeça. Toda vez que aquilo acontecia suas cordas vocais congelavam, e ela ficava algumas boas horas sem conseguir falar. O que tornava todo o processo de conseguir ajuda, roupas e algum dinheiro para recomeçar um suplício.

"Merda!" Estava na gaveta frigorífica de um morgue. Com uma manobra do corpo alcançou o fundo da gaveta com os pés. Lá havia uma pequena trava, quase uma saliência, que tinha aprendido a cutucar com a ponta do artelho direito. Mais um pouco, quase lá, isso... Agora, um empurrão simultâneo com a ponta do outro pé... Foi!

Deu sorte dessa vez. Houve uma vez que o coitado do técnico estava no recinto do frigorífico. Quase matou o sujeito! De outra feita, foi um estudante de medicina overstonned que a viu saindo gelada e nua da gaveta. O puto queria comê-la, acredita?

Era madrugada, e o plantonista agora devia estar dormindo em algum canto. Devia agir rápido.

Ela conhecia aquele morgue. Hospital geral. Moleza! As vestes usadas dos médicos ficam empilhadas numa sala no fim do corredor. Ela pegou a primeira que encontrou e deu início a fase dois.

Precisava pegar algum dinheiro. Não considerava roubo o que fazia. Afinal, se ela tinha acabado ali algo muito errado tinha acontecido, e com certeza o dinheiro que ela tinha e as roupas com que foi trazida para aquele lugar - seus pertences - estavam naquele momento com outra pessoa. Nada mais justo. Na verdade, ela achava isso ótimo. Salientava a precariedade da vida, e a transitoriedade da posse. Nada pertence a ninguém. Nada é seu, está seu. Só o ser te pertence.

Foi até a sala dos plantonistas. As coisas dos médicos geralmente ficavam trancadas. Isso era péssimo, porque eles sem dúvida tinham mais grana, e não faria tanta falta no fim do mês. Resolveu então arrombar um cadeado. "Belas amizades eu faço", pensou, enquanto girava cuidadosamente os tambores de um cadeado com segredo numérico. Um estalido... dois... três! "Isso!" O perfume que veio de dentro a fez sorrir. "Francês, doutor? Ótimo, more money for me today. Quinhentos paus! Gosh, that's lucky!" Havia também uma sacola de uma loja de sapatos. Dentro, encontrou um par de tênis usados. Eram grandes, mas não precisaria sair por ai descalça.

Roupas, dinheiro - fim da fase dois. Agora iria até um fast food. Sentia uma fome inexplicável depois de uma noite como essa. E dormiria num desses motéis de quinta do centro da cidade. Tomaria um banho, e cama! Irônico como estar morta e voltar a viver era cansativo! E há gente que é capaz de dizer: "Quando você morrer vai ter bastante tempo para descansar..."

"É fácil falar". Já nem se lembrava a quanto tempo isso acontecia. E não tinha idéia de quantos anos tinha. Não importava para ela. A imagem que lhe saudava do espelho todas as manhãs era a mesma, desde que se lembrava - uma garota de uns 18, talvez vinte anos. Cabelos vermelhos cacheados e olhos muito verdes, sardas all over, pescoço comprido... E não gostava de olhar o resto. Não era ruim - pelo contrário - mas despertava luxúria, e ela nunca se saía bem de uma crise de cio. Geralmente acabava mal, o que queria dizer encrenca, no mínimo. O morgue, dessa vez, tinha sido resultado de uma noite alucinante - pelo menos no princípio - que terminou mal. Overdose de coca! Não segurava a onda dessa merda, e sabia disso. Por que insistia?

Atualmente ela não queria mais entender como, ou por quê. Tinha perdido meses, anos de sua incomum existência tentando figure it out. Não conseguiu. Deu. Desistiu. Tentava abstrair-se do fato e levar uma vida normal. Voltaria amanhã mesmo para casa, ligaria para o trabalho avisando que estava doente, e ia passar o dia curtindo a preguiça, se preparando para a próxima... morte.

O pensamento lhe ocorreu, e ela não gostava dele. "Próxima morte... Que bela merda! Os cretinos espíritas falam disso como se fosse bonito. Só que nascem de novo em corpos novinhos, récem-fabricados. Eu tenho que dar meu jeito com esse mesmo, e a minha porra de vida continua de onde parou!"Lembrou-se de uma vez em que encontrou na rua com o cara que a matou na véspera. O nojento parecia ter visto assombração. Balbuciava como um demente: "Mas foi na cabeça, eu tenho certeza que atirei na cabeça..." Ela atravessou a rua, olhou nos olhos do escroto com cara de safada, chupou seu lábio inferior e perguntou se ele lembrava dela. "Eu não consigo te esquecer, querido! Me liga, vai? A gente vai se divertir à beça!..." O cara quase caiu no chão. E ela ficou mal também. Afinal, fuder com a cabeça de alguém, mesmo a de um filho da puta como aquele, era terrível. Divertido no início, ela até admitiria com um sorriso moleque nos lábios. Mas também terrível, e ela não podia ser inconseqüente com a vida dos outros. Com a sua, talvez. "Os outros são mortais. Tem muito a perder." - to be continued...

As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...