segunda-feira, 31 de maio de 2010

Aconteceu no consultório (parte 3)

Se aquela terça não chegasse nunca, talvez ela tivesse se aquietado. Talvez não. O fato é que não conseguia deixar de imaginar o dr. Ronaldo desde a última consulta - maldita anestesia! E a proximidade do encontro a estava deixando febril, e ela pensara em cancelar o apontamento algumas vezes desde então - mas isso não resolveria a questão, apenas adiaria o problema.

Ronaldo também ficara perturbado desde a terça anterior. Encontrou o Emerson no fim de semana, e perguntou se ele podia terminar o serviço da Marion, assim, como se nada fosse. Emerson, cobra criada como era, sacou tudo num relance:

- Ela te virou a cabeça, né, meu chapa?
-Puta merda, Emerson! Aquela mulher é um desespero, meu amigo... Tô perdendo o juízo, aquela criatura ali, dormindo de boca aberta na minha cadeira, e eu imaginando coisas!
-E eu que pensei que a endodontia era a especialidade menos erótica da odontologia...
-Ah, não ferra, Emerson!
-Calma, cara, calma! Ela é minha amiga há muitos anos, e eu nunca pensei nela como mulher... Mas ela sempre foi muito bonita. Acho que a idade fez bem a ela, sei lá. Ela ficou mais completa, virou um mulherão! É claro que eu reparei, mas ela é como uma irmã para mim! Eu devia ter te dito isso...
-Não, Emerson. Você falou tudo. Disse que ela era muito bonita. Mas não disse que era tão inteligente, nem que era tão séria! Porra, cara! Ela sorri, faz um comentário qualquer, como se nada fosse, e de repente vira uma esfinge! Indecifrável! E na última consulta eu tive a impressão que ela tinha lido os meus pensamentos...
-Ela sempre foi assim, de dar essas tiradas...
-Mulher impossível!
-Está bem, eu termino.
-Não, deixa prá lá. Seria muito anti profissional...
-Você que sabe, Ronaldo...

A terça-feira tão temida e esperada acabou chegando rápida e atarefada para Marion, e, entre a escola dos filhos e a aula de Pilates a secretária do dentista ligou, confirmando a consulta.

-Claro, estarei aí, Renata.

Ronaldo estava indócil, era a última consulta daquele tratamento, a última vez que estaria sozinho com aquela mulher perturbadora. Pediu que Renata ficasse, sob o pretexto de aprender a instrumentar um tratamento endodôntico - e quando ela se recusou, ele não soube dizer se estava chateado ou aliviado. Ah, ele queria vê-la, queria estar com ela, mesmo que só mais aquela vez. Mas temia por seu pobre coração.

Marion não conseguia decidir que roupa vestir. Era ridículo! Afinal, o cara só iria mesmo ver a polpa do seu dente, agora já morto, de qualquer forma - e por sua perícia. Não, ela não ia mais sentir nada naquela parte de seu corpo. Mas todo o seu corpo reagia à mera referência ao apontamento do fim de tarde. 17h, no consultório do Emerson. Merda! 16:30h! Ela vestiu-se depressa, sem querer pensar no porque de ter escolhido aquele vestido. Ela sabia bem o porquê. Era o que ela estava vestindo no sonho erótico da última consulta...

Ela chegou junto com ele. Encontraram-se no elevador. Quando as portas se abriram no térreo, ele já estava lá dentro. Ela não sabia onde por as mãos. Baixou os olhos, engoliu em seco. E cumprimentou:

-Boa tarde, doutor.
-Olá! Pronta para a última sessão de tortura?
-Prontíssima.

O silêncio era mais constrangedor que a conversa, e ele se adensava a cada segundo. A vontade dela era pular sobre ele, e estava tão envergonhada... Parecia-lhe uma espécie de violência fantasiar com aquele homem que ela mal conhecia! A súbita consciência de seu corpo ali, ao alcance de suas mãos, era mais perturbadora que ter imaginado todas aquelas coisas.

Ele também estava tenso, sentia-se esticado como uma corda de violão que já estivesse sendo reutilizada, e que poderia se romper a qualquer momento. Ela tinha uma presença marcante, e aquilo estava um pouco além de sua capacidade de ignorar. Ainda assim parecia-lhe impossível entabelar uma conversa qualquer, e foram ficando em silêncio, os dois incapazes de falar - mas não por falta de assunto.

Ele abriu o consultório e ela entrou, dirigindo-se diretamente para a cadeira, na sala de atendimento. Nem sequer dirigiu o olhar para o sofá da ante sala, um móvel grande e confortável de três lugares, em couro branco, recém reformado. ela sempre adorou aquele sofá, e já tinha desejado comprá-lo do Emerson algumas vezes, mas agora ela nem podia olhar para ele. Os pensamentos que lhe passavam pela cabeça...

Ele foi até o banheiro, unicamente para jogar um pouco de água fria no rosto, e tentar desanuviar os pensamentos. Lavou-se bem e foi de encontro a ela. Separou os instrumentos concentrado, e nem trocaram palavra até que ele se sentou na banqueta, a anestesia em punho, e gracejou:

-Pronta para a soneca da tarde, Bela adormecida?
-Você não imagina o quanto... Acho que eu já venho para a consulta sonhando com a anestesia - consertou ela, corando ligeiramente. Ele percebeu, mas conteve-se - e na verdade tinha ficado assustado. Ela tinha baixado a guarda completamente, e ele sentiu que a oportunidade tinha passado.

Ela abriu a boca, ao seu comando, e ele começou o pequeno ritual da anestesia. Em poucos minutos, ela já não sentia nada, e o campo estéril impedia o contato visual entre eles. Ela esperou pelo momento do mergulho no sono, e ele entregou-se ao trabalho.

Mas ela não dormiu. Não daquela vez. Fechou os olhos e ficou alerta. Evitava fitá-lo, e sabia que, se o fizesse, talvez não pudesse negar seu próprio desejo. Ela sentia os olhos dele concentrados no trabalho, e sabia também quando ele interrompia-se por alguns segundos. Ela imaginava o que ele estava fazendo, mas não podia abrir os olhos, por medo. Ela tinha colocado um seu vestido abotoado na frente - totalmente composto, totalmente sugestivo. Tinha imaginado que ele abriria aquela roupa, botão por botão, e que cobriria sua pele alva de beijos incandescentes. Sentia-se uma devassa agora, ali, deitada naquela cadeira, esperando que aquele homem a tocasse.

Ele pensava que ela estivesse dormindo. Aquilo ajudava demais, que ela fosse tão sensível à anestesia. Se ela permanecesse de olhos abertos, se ela o estivesse encarando durante todo o tratamento aquilo seria impossível. Ela estava terrivelmente sedutora naquele vestido de frente única, todo abotoado na frente. Podia imaginar a pele alva se revelando lentamente sob a sua vontade, a vontade dela se curvando ante a dele, seus lábios entreabertos suplicando a ele que a tomasse nos braços... Talvez a imaginação não fosse o melhor instrumento para um dentista, afinal. Ele tinha que parar por alguns instantes, respirar fundo, retomar a concentração. Ele queria terminar o trabalho, logo. Queria afastar-se dela - mas não ainda.

Os minutos se passaram arrastados: ele concentrado no trabalho, ela em manter seus olhos serrados. Quando finalmente ele pousou o motor e finalizou o serviço, ela abriu os olhos, aliviada:

-Nossa, como demorou dessa vez!
-Ih, você não estava dormindo?
-Não... - "droga, ele percebeu! Ai, eu preferia que ele pensasse que eu estava dormindo..."
-É, pelo jeito até esse poder que eu tinha sobre você, de te pôr para dormir, me deixou, não é mesmo, querida?
-É... Dessa vez não pude dormir.
-Não pode...?

O silêncio era o refúgio que lhes restava. Por algum motivo, ele calou o desejo, e ela ficou agradecida. Aquilo não podia ser. E eles precisavam tocar a vida adiante.

-Terminou por hoje?
-Terminou mesmo, Marion. Essa foi nossa última consulta, lembra? Agora você já pode marcar a restauração com o Emerson.
-Ah, é mesmo. Acabei me distraindo... Desculpe, Ronaldo.
-Do quê, exatamente?
-Sei lá... De qualquer coisa.

Despediram-se friamente na ante sala do consultório, o sofá gritando o nome dela, os braços dele desejosos de segurá-la mais um minuto, ambos evitando o contato visual. Ele ainda acompanhou o ondular do seu corpo quando ela se virou para sair. Uma lágrima desceu pelo canto do olho esquerdo dela. Não, nunca mais. Nem em sonho anestésico, nem na vida real.

(to be continued)

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