sexta-feira, 7 de maio de 2010

Supernova

Lá da janela, o céu azul está gritando. Mas as cortinas estão fechadas, e ela tem preguiça de levantar.

Ela sabe que é com ela. O dia a está chamando, e ela sente o ímpeto. E resolve ir até lá, puxar as cortinas, olhar o dia na cara. É um novo dia - há algo subliminar comunicando isso, é mais que a visão desse céu sem nuvens, de um azul penetrante. É a hora da virada.

Ela cerra os olhos e sacode a cabeça, num esforço para acostumar-se a luminosidade do dia. E de repente se assusta: a luz espalha-se por dentro dela, é de si que emana aquela incandescência branca e ofuscante. Não é o dia, é o que ela é que se revela naquele instante...

Todo o sacrifício para ocultar a própria identidade era mesmo vão. Todas as vezes que ela tentara fazê-lo, todos esses anos fugindo, tentando viver entre os humanos, misturando sua existência a deles - e novamente ela estava explodindo, revelando a luz que é. Sim, ela é luz, pura energia, e sua claridade é um punhal agudo: tanto cega como revela. Ela, a estrela, fundindo núcleos de hidrogênio novamente...

É claro que ela já sabia que isso aconteceria. Afinal, mesmo quando conseguia uma vidinha bem infeliz e miserável, sempre acontecia um momento de felicidade genuína - e ela fora feita para a felicidade. E aquele pequeno momento era o início da reação em cadeia que a faria explodir novamente, as partículas que a tanto custo mantinha organizadas em volta do seu centro - para lançar a ilusão de vida aos olhos dos outros - entrando em colapso, mergulhando umas nas outras, unindo-se definitivamente, a força da gravidade as impelindo para o cerne dela própria, para o coração da ilusão de carne, para o ventre da matéria - convertendo tudo em pura energia.Tudo isso numa fração de segundo, tudo isso num instante infinitesimal. E ela podia sentir cada mínima alteração em sua matéria como uma fisgada incômoda, um beliscão - não mais que isso.

Estava ficando mais instável a cada instante. Dessa vez, a alegria desse amanhecer azul de um dia comum fora o suficiente. Nem tinha acontecido nada de específico ou especial! Era só o dia azul e o céu sem nuvens, o perfume indelével da manhã de setembro... E agora ela estava acendendo - e ascendendo. A energia da fusão nuclear viera com tamanha intensidade que seu corpo se elevara do chão sem que ela pudesse controlá-lo. Ela estava se tornando sensível demais as pequenas belezas da vida humana. Estava deixando que a verdade tomasse conta dela, novamente. Dessa vez esforçou-se para não engolir tudo no processo. Conteve-se, condensou-se no limites do corpo - implodiu mais que explodiu.

E a luz que dela transbordava inundou o quarto, e o imenso calor gerado pela união dos núcleos em seu interior incendiou a casa.

Quando os bombeiros chegaram, o fogo já havia consumido o pequeno cômodo onde ela morara, e já estava se alastrando pela casa, veloz, violento. Quando conseguiram finalmente extinguí-lo, não encontraram nenhum vestígio da mulher que vivia ali, nem indício do que teria iniciado o incêndio. Concluíram que havia sido um acidente com chama.

Se eles tivessem trazido um contador Geiger...


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