quinta-feira, 29 de abril de 2010

Réquiem em Sol maior

(Dedicado ao meu grande amigo, Marcio Rolla. Enfim, meu caro. Espero que goste...)


Acordei de um sono agitado e sem sonhos essa noite. Desde que pisei na realidade com os dois pés bem firmes não sonho. O sonhar traz tanto ao mundo dos vivos... Mas também já não faço questão de estar entre os que se iludem. Quero a verdade acima de tudo. Quero viver algo que seja de verdade.

Quero viver uma história que não se passe só na minha cabeça.

Meus olhos não se cansam de olhá-lo. Sua carne dura, sua pele quente e seu hálito de vinho. Estendido ao meu lado, seu corpo já me parece parte de um passado distante – e no entanto fazem apenas algumas horas que fizemos amor. Ele é o estranho mais íntimo na minha vida, ele esteve entre as minhas pernas, ah, meu coração – ele esteve entre as dobras dos lençóis de linho que cobrem minha cama essa noite. Ele esteve ao meu lado ao longo desse dia – ah, e ele disse que me ama; e isso ele nunca tinha dito antes... Ah, e se ele soubesse o quanto de amor é preciso para abrir essa porta hoje e deixá-lo sair para a luz... O dia já vai alto, ele aqui dormindo, eu ao seu lado – admirando pela última vez, mesmo que ele não o saiba...

O meu amor se derramou em cada momento com ele. Deu-se inteiro, entregue, presente de bodas: cristal, prata, pedrarias – e o coração na bandeja. No álbum onde guardo minhas polaróides imaginárias há uma foto em particular, que tirei de um espelho no teto: meu corpo enlaçado ao dele, a última canção de amor, morna, doce, quase doída. Era adeus, e eu ainda não o sabia. Nunca mais o perfume acridoce do seu suor, nunca mais sua saliva – nunca mais sua semente em meu corpo.

Nunca.

O meu coração cansou-se de esperar. Desejei longamente amá-lo com a força do que eu sou, desejei dar-lhe os melhores dias do fim dos tempos – meu amor, loucura minha – e se ele soubesse, será que faria diferença? Acho que vou-me embora, vou deixá-lo envolto nos lençóis, entregue a Morfeu. Se eu conseguir chegar até a porta, se fechá-la com cuidado, ele não vai perceber. E talvez nem note que lavei seu corpo com minhas lágrimas por nosso amor, ceifado antes do nascimento.

Não!

Ele tem outra. E eu não estou falando de uma namorada. Eu nem sei do que estou falando! É algo que eu intuo mais do que sei. E no fundo eu não me importo! Se ele entrega seu corpo assim a qualquer uma, se ele goza e faz gozar uma ou várias mulheres – não me importa, nem me diz respeito. Eu só quero o que é meu, o que ele sente por mim e não demonstra, o que ele não entrega, por egoísta e egocêntrico – por ter um medo agigantado que não admite nem para si próprio, nem para o silêncio. Esse medo todo me entristece, mas é bonito e melancólico ver alguém tão incapaz de se proteger que prefere mentir - é um misto de decepção e respeito o que eu sinto agora. Porque esse "eu te amo" que ele me diz agora machuca muito mais do que cativa, e é a força que me empurra porta afora.

Ele não entende que não desejo mais do que tudo o que possa ser meu. E sei que não posso ter tudo. Estou sentada sobre a minha incapacidade de olhar adiante. É dor, mas é para meu crescimento. E tenho clareza de uma verdade superior a qualquer fraqueza que me advenha: sou toda escolha. Escolho sair às claras, escolho não me encolher, escolho não estar mais entre os fundos que ele administra negligentemente! Pago o preço: nunca mais seus dedos sobre a curva do meu pescoço, nunca mais seus lábios aderidos firmemente aos meus, suas mãos buscando cada milímetro de pele, sua entrega sem reservas nos quartos de hotel. Nunca mais ter que fingir que não o amo, que não há nada entre nós – e não precisar recolher as suas migalhas. Ah, nunca mais...

Guardo as polaróides imaginárias numa gaveta empoeirada da memória, onde ficarão para sempre. Espero que ele acorde. Eu tenho a chave da porta da rua, não sou prisioneira, nem vítima. Quero devolver-lhe as chaves desse quarto, quero olhar nos seus olhos e lhe dizer que nunca mais. E que sempre, para sempre, mais do que posso exprimir com pobres palavras. Quero vivê-lo às claras - e por isso nunca mais.

Sim, ele se mexe devagar sob as cobertas. A manhã fria emoldurada pela janela ilumina seu caminho para fora do torpor do sono, para a luz. Ainda me espanto por amá-lo tanto. Amo até ouvir a sua respiração. Não será assim tão difícil, afinal. Ele estará sempre ao meu lado. Disso eu sei – e sei que ele também sabe... Somos por demais covardes para abrir mão um do outro.

A vida que eu quero grita o meu nome lá fora, pela janela eu a ouço bem alto. Pena que ele não quer vir comigo. O seu lugar vai ficar reservado, vazio – para sempre seu. Mas o perfume do Sol nos meus cabelos e a luz que transborda do meu coração hoje, não posso guardá-los, nem mais um minuto. A vida passa rapidamente, ao verão sucede o outono – e então é o inverno dos nossos dias, e chegará ao fim o fim dos tempos, amor meu, ferida minha. Tenho agora menos juventude que quando cheguei a essa conclusão, nessa madrugada mal dormida ao seu lado. E que ele não me peça um último beijo, se não for durar para sempre. O último já foi. Pena que ele não estava olhando com atenção...


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