sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quase lá...

Deixa eu contar como foi que acabei casando novamente. Foi assim:

Eu tinha saído bem cedo de casa naquele dia, e seria um dia bem cheio - muitos compromissos, coisa e tal. Mas sabe quando você dá um peteleco num dominó e as peças vão tombando, caindo uma após a outra - efeito dominó? Então!

O meu compromisso das sete era bem rápido: doação de sangue. É chato e dolorido, e às vezes eu sangro depois - da última vez isso tinha acontecido, e eu estava receosa de que ocorresse novamente. O banco de sangue estava vazio, e tudo correu bem. O questionário me fez rir um pouco: número de parceiros no último ano? Se comparado ao ano anterior, que festança este vinha sendo...

Então estaria livre até às nove, horário marcado da ultrassonografia. Arrisquei chegar mais cedo - vai que rola um atraso ou desistência? E não é que rolou? De repente, eu tinha conseguido estar livre até às dez e meia - e o relógio marcava oito e quinze na hora em que deixei a clínica.

O compromisso das onze era com a advogada que estava cuidando do espólio de meu pai - e seria uma reunião maçante e muitíssimo infeliz para mim. Vínhamos nos degladiando, eu e meus irmãos, há meses - e tudo por causa de uns trocados. De verdade, a única coisa que eu quero é meu pai de volta. E isso não vai acontecer... Por uma dessas coincidências estranhas, ela me ligou pouco depois das oito e meia, avisando do cancelamento da reunião. Nem acreditei!

Aquele dia - que seria o mais arrastado e triste da semana - tinha em dois tempos se resolvido! Eu só precisava agora me preocupar com o horário do dentista. E ele só iria me atender no fim da tarde.

Então saquei o celular da bolsa e fiquei matutando... Talvez não fosse uma boa idéia. Da última vez em que nos vimos, ele foi bem incisivo e resoluto: disse que só queria me ver novamente se eu tivesse uma resposta para ele, e quando eu tivesse uma resposta para ele. Sim ou não - e depois, era o resto da vida ou nunca mais.

Merda de sujeito mais cabeça dura! Nunca soube nem jamais saberia de divertir! Tudo bem que a nossa história nunca tinha sido exatamente uma frivolidade. Mas ele também não precisava fazer tanto drama... Quando a gente se conheceu eu era casada, e ele solteiro. A atração entre nós foi imediata, e, graças a uma tempestade de verão fortuita, extremamente prazerosa. Dali em diante, desenvolvemos um afeto crescente, um envolvimento profundo - e o assédio dele quase pôs a perder o meu casamento, naquele ponto. Chorei rios quando ele me deixou. Mas ele estava certo naquele momento - e eu errada.

Pouco depois ele casou, e eu separei. Por meses nos falamos por e-mail, e trocamos alguns telefonemas esporádicos, até que ele resolveu que devíamos nos ver. Fiquei toda contentinha, passei a tarde no salão, comprei um vestido novo, lindo - azul, porque ele sempre disse que adorava me ver de azul - e, é claro, lingerie novíssima, azul-marinho, lace and ribbons. Para nada. Nada não, muito pior! Ele só quis me ver para tripudiar de mim! Me disse coisas feias, terríveis de se ouvir mesmo... Me deixou arrasada. Chorei muitos outros rios - e dessa vez, o errado foi ele.

Agora, faz cinco semanas, nos esbarramos numa loja de departamento. Literalmente nos esbarramos! E olha que eu nunca vou àquela loja, acho feia, sei lá! Mas nesse dia entrei, só para esbarrar nele. Ficou viúvo. (É nisso que dá, casar com uma mulher tão mais velha.) Disse que foram muito felizes - olha só ele tripudiando de mim novamente - mas que infelizmente sua esposa tinha partido. Coincidentemente, ela faleceu no mesmo dia que meu pai. Tivemos assunto depois disso. Choramos muito - até que encontramos consolo nos braços um do outro.

Confesso que depois disso tenho tido tardes incríveis em seus braços - e que nunca nenhum outro homem jamais conseguiu me fazer gozar como ele faz. E foram muitos os que tentaram. Confesso que ele me entende num nível elevadíssimo. Confesso que ainda o amo, mais do jamais amei outro homem - antes ou depois. E confesso que não consigo mais confiar nele, desde aquela humilhação, dressed in blue.

Mas, como sempre, ele recebe uma drama queen e me põe contra a parede! Ele discursa tão bem, e é tão convincente... Com que facilidade diz que eu sou a mulher da sua vida, que jamais amou alguém como me ama, que não faz sentido continuarmos nossas vidas separadamente. Já eu - ah, eu sou a solteira incorrigível! Eu gosto da minha liberdade, e eu trabalho por ela, e eu gosto de não saber com quem vou dormir essa noite, e de não ter a quem dar satisfações da minha vida! E é isso que ele quer tirar de mim, porque ele é possessivo, e vai ficar no meu encalço, e as minhas tardes ébrias e dissolutas ficarão no passado.

E eu gosto de dar um perdido na vida once in a while...

Pensei bem uns dez minutos e resolvi: ligo e pronto. Diria a ele que tinha uma resposta - mesmo que não tivesse coisa nenhuma! E arrancaria dele uma última transa, um último momento de total e perfeita intimidade, e pela última vez sentiria o perfume da entrega absoluta. Afinal, ele já me humilhou tanto daquela vez que eu não tinha exatamente o que perder ainda.

Liguei. Ele atendeu, gélido:

-Alô.
-Oi, amor.
-Você já tem a minha resposta?
-Sim.
-Sim!
-Sim, tenho a resposta.
-...
-César?
-Então a resposta é não.
-Não.
-...
-César?
-Você pode ser um pouco mais clara, querida?
-Você me disse que só me encontraria novamente se eu tivesse uma resposta para você. Eu tenho a resposta.
-E?
-E você precisa vir me ver para saber qual é.
-Bem bolado... Touchè! Você, sempre espertinha...
-Então?
-Certo, está certo. Onde e quando?
-Aqui. E agora.
-Livre? Mas eu achei que você tinha uma daquelas reuniões do inventário hoje...
-Tinha. Não tenho mais. Take it or leave it.
-Ok. Onde te busco?
-Estou aqui, na cafeteria da deli, do outro lado da rua do teu escritório.

Ele desligou, bem seco. Eu já imaginava que ele faria aquilo. Devia estar tão ansioso quanto eu para me ver, já fazia três dias desde nosso último encontro e o meu corpo já dava sinais de saudade. Só devia ter atentado para um infame detalhe: eu estava de azul. Isso podia ser um péssimo presságio. Desde o dia terrível em que ele me destratou eu não uso azul com freqüência...

Levantei os olhos instintivamente e olhei para o lado oposto da calçada: hallelluia, here he comes! Ele sempre será um colírio, mesmo depois de todos esses anos. E o meu coração disparado no peito quase não me deixa falar quando ele se aproxima:

-E então? - Duro, inflexível. Será que ele é o único cara que eu não posso prever?
-Bom dia, mon chère. - Tento parecer blasè, mas falho terrivelmente. O meu nervosismo tem cor e cheiro. É rubro em minhas faces e perfumado de desejo. O meu corpo o quer - e ele sabe. Merda, ia me fazer pagar o preço.
-E então?
-Caramba, César! Puxa a cadeira, vai, senta aqui comigo e toma uma café, pelo menos! Assim fica parecendo que você sente repulsa pela mulher com quem diz querer passar o resto da tua vida.
-Ok. - Sentado, ele parece menor, mas também fica muito mais perto, e isso me perturba enormemente. Ele sabe.
-Eu pensei muito esses dias...
-Pensei que fosse levar mais tempo.
-Mas não levou.
-E o que você me diz?
-Digo isso: não digo mais nada aqui, nessa mesa, neste café. Quero sair daqui com você e ir até o teu apartamento, e fazer amor com você a tarde inteira.
-E pelo resto da vida?
-Isso só te digo depois.
-Então pode desistir, meu amor. Tudo, ou nada.
-Você é e sempre foi um tremendo desmancha-prazeres! - E faço aquela minha careta de que sei que ele gosta. Mas não pareço convencê-lo.
-Pode ser. Você tem mesmo uma resposta para mim?
-Tenho. - Bem nesse momento percebi a verdade dessa afirmação. Eu já sabia o que queria. E nunca imaginei que pudesse tê-la, a tal resposta, aqui, dentro de mim.
-Então vamos acabar com isso, não é?
-Sim, amor. Definifivamente. No more fooling around, no more fun. Você nunca foi exatamente diversão para mim.

Ele sorriu. E me lembrei do dentista. Dentista às 17h.

-Eu tenho uma consulta médica às 17h, querido.
-Acho que temos tempo. - Ele riu de novo, olhando o relógio - e eu fiquei bem feliz. Talvez fosse tempo de mudar de estado civil novamente, after all...

Passamos a tarde fazendo amor de inúmeras maneiras, e ele sempre me satisfaz. Entre um orgasmo e outro disse que sim, que seria sua, sempre e só sua. E ele esmerou-se ainda mais em me satisfazer. Nossa, que tarde!

E de repente já eram 16h, e eu precisei correr para o dentista. Deixei meu amor em casa, feliz e satisfeito - colhendo os louros de seu xeque-mate - e corri para não perder a hora do compromisso.

O dentista é uma delícia. E não se pode abrir mão de uma bela despedida de solteira...

Nenhum comentário:

As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...