segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Bad morning

Quando eu cheguei ela já estava lá: sentada, de costas para a porta, a cabeça levemente tombada para o lado esquerdo - como ela faz quando está tentando se concentrar em alguma coisa. E aquela mancha roxa ali atrás, na curva do pescoço, do lado direito!

Precisei sair e me recompor antes de entrar novamente e dar bom dia a todos. Precisei respirar fundo e sacudir a cabeça vigorosamente - mas a marca em seu pescoço era o mais perturbador dos vestígios de sua vida pessoal que ela podia trazer para o trabalho.

Ela tinha alguém. E esse cara devia ser louco por ela para marcá-la daquela maneira...

(Quem não seria louco por ela?)


domingo, 19 de setembro de 2010

Terapia de choque

"Essa é a sua vida agora."

Ele disse aquilo como um oráculo, não como um homem comum. Disse num abraço pós-coito, assim como uma banalidade. Ela lhe dizia que a vida estava entrando nos eixos, e de repente tudo ia por água abaixo novamente. E ele soltou essa frase, e ela entendeu tudo. Muito mais rápido, muito mais efetivo que trinta meses de terapia.

Sexo terapia. Custava só a conta do motel - e ela fazia questão de pagar: cash, no traces.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Out of his life

Não saberia dizer com certeza quando foi que percebeu que o havia perdido de vez.

Se fechasse os olhos, poderia lembrar de vários pequenos indícios - mas não queria fazê-lo. Era por demais doloroso sentar ali no chão da sala, abrir a gaveta de polaróides imaginárias e relacionar cada um dos mini sinais de abandono. Mas isso não era o pior.

O pior era colecionar as impressões erradas a respeito de suas intenções, algo que ela temia ainda mais que aquele momento de escrutínio da memória. Fez o esforço supremo de espalhar as imagens pelo chão, no tapete a sua frente, e elas compuseram um mosaico ajeitadinho, colorido na medida do preto e branco, ocasionais cores aleatórias e desconexas - e em cada uma, um retrato do caminho que ele escolheu trilhar. O que em suas lembranças parecia algo esparso e eventual estava ali registrado, cada instantâneo como mais um tijolo naquela yellow brick road: Dorothy is fleeting back to (argh)Kansas.

Desde o início, ele se decidiu sobre os dois. Ele a amara, ela não tinha dúvidas, mas não permitiria que ela se aproximasse demais. Ela, de seu cantinho, queria só proximidade. E então, ele fez o improvável, dadas as circunstâncias: construiu com as próprias mãos a estrada do distanciamento. Entre um passo e outro, ela costurava as evidências daquele amor com pontos pequenos e invisíveis, como uma costureira prendada e talentosa, mantendo a trama daquele amor densa e fechada. Quem olhasse de fora jamais imaginaria. Mas aquele era um amor fadado ao fim. Ao pior fim possível.

Ela sentia dentro do peito uma ferida que nunca fecharia. Ele sentia que faltava pouco para que ela desistisse, e continuou trabalhando incansável em seu projeto, a estrada que o levaria para fora da armadilha daquele amor tão perfeito que o estava sufocando. E foi ela que precisou dar cabo daquela costura. Puxou a última laçada, arrematou a trama com um pequeno nó, quase imperceptível, e, com a tesourinha de bordado, cortou o fio que os mantinha atados. A dor do corte, ela sabia, acompanharia seus passos por toda a vida. Ele, mantendo a postura de fortaleza altiva, pouco sinal deu do próprio coração ferido. Ela nunca saberia, ele jamais enunciaria em voz alta - doera nele também.

Suas lágrimas foram o óbolo e o epitáfio da paixão. Aos dias seguiram-se as noites, as semanas viraram meses. A progressão ritmada do tempo afastava o momento presente do fim com absoluto rigor. Logo pareceu-lhe que nunca houvera dois naquela brincadeira. E, no entanto, ele ainda ali por perto, os dedos que lhe roçavam a pele do rosto tocando agora seu antebraço; as conversas - antes sussurradas e íntimas - agora corriqueiras, tomando os contornos do cotidiano. E, de repente, caiu-lhe a ficha: ela não mais fazia parte da vida dele. Estava alijada dos acontecimentos mais relevantes, já não saberia dizer onde ele estaria ou o que estaria fazendo a qualquer hora do dia ou da noite, nem receberia mais updates precisos (e tão preciosos) por torpedo em seu celular.

Ela estava definitivamente fora de sua vida.



domingo, 12 de setembro de 2010

Anjo da Morte

O dia transcorria letárgico e frio, a melancolia transbordando por seus poros como as bolhas que se elevavam no flûte de champagne ao seu lado, sobre a mesa da varanda.

Ela olhava o horizonte encoberto procurando por trás das nuvens os contornos do maciço conhecido a sua frente. E suspirou. A tempestade que se formava não combinava com o champagne, e no entanto refletia como num espelho cristalino a escuridão em seu coração. Era o fim - como no princípio. E ela não deveria mais se surpreender. Quantas vezes já tivera que recomeçar?

Os olhos pousados no horizonte sustentavam o peso de seu corpo, um cabo de aço estendido no espaço entre ela e a amplidão. Havia um mundo a conquistar. Havia tempo - mas era sempre menos tempo, cada vez menos tempo... Ela imaginava, no passado, que eventualmente encontraria o caminho certo a seguir, e tudo entraria nos eixos, como mágica. A cada movimento no tabuleiro de xadrez da vida essa teoria parecia menos provável, e dessa vez estava claro que não havia um caminho certo para ela, que sua vida sempre a levaria para longe, cada vez mais longe - e inacreditavelmente, cada vez mais perto da origem.

Naquela tarde tempestuosa, ela foi até o quarto pela última vez. Recolheu suas roupas e poucos pertences, limpou o cômodo cuidadosamente, como se para eliminar os vestígios de sua passagem pela Terra, arrastou a mala até a porta e olhou para trás, conferindo se por acaso algo de seu ficara ali. Fechou a porta atrás de si com firmeza, e afastou as lágrimas que queriam chegar sem convite. Dirigiu-se à sala de estar, onde os herdeiros já estavam reunidos, os abutres. Por três anos inteiros ela cuidou daquela mulher moribunda. Sim, ela era terrível e cruel, e não tinha palavra alguma de carinho para quem quer que fosse. Mas era um ser humano.

Durante três anos: nem telefonema, nem visita. Sequer telegramas de aniversário. Era como se a defunta fosse a criatura mais solitária do universo, e ela se compadeceu imediatamente do sofrimento da pobre mulher. Era acompanhante, cozinheira, enfermeira e ouvinte. Nos últimos meses, as dores cada vez mais excruciantes fizeram com que os médicos receitassem morfina - e a mulher passava as poucas horas de lucidez contando, sem nexo ou noção de tempo, histórias de seu passado. Só então ela soube que havia família, herdeiros.

Não se surpreendia. Não era a primeira vez que via isso acontecer. O que de fato tornava tudo aquilo intolerável para ela, o que trouxera a melancolia com as bolhas do champagne, fora a necessidade de recolher suas coisas e partir novamente. Estava cansada de ir embora. Precisava de uma vida que fosse sua, para onde voltar quando o fim chegasse novamente. Precisava de pouso. E a ironia nisso tudo era que ela tinha deixado a família para se aventurar numa vida sem pouso certo, sem raízes - porque ela acreditava que só assim seria realmente livre.

Tinha finalmente se cansado de ser livre. Sua liberdade era uma corrente a que estava presa, e que ela escolhia atrelar à vida de alguém com dias contados. Era a ilusão de liberdade que um grande viveiro dá ao pequeno canário. Seus novos cenários eram sempre dor e morte, com pequenas variações de como e por quê.

Recebeu do advogado da família o último pagamento, mais uma pequena gratificação pelos bons serviços prestados à Dona Carmela - segundo ele, um presente da falecida - e despediu-se com pêsames a todos. A filha mais velha deu-lhe também um par de brincos de pérola, e ela sentiu que eram como uma esmola - mas achou que não seria apropriado recusá-los. Agradeceu de olhos baixos e retirou-se em direção a porta da rua.

Partiria para a missão mais dolorosa de sua vida - era a sua velha mãe que definhava agora. Quando seus pés alcançaram a calçada do outro lado da rua e seu braço estendido fez parar o taxi, as lágrimas indesejadas afloraram como nascentes - e ela pensou que era melhor chorar no caminho.

Ela não sabia por quanto tempo conseguiria reter as lágrimas dessa vez.


As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...