segunda-feira, 31 de maio de 2010

Aconteceu no consultório (parte 3)

Se aquela terça não chegasse nunca, talvez ela tivesse se aquietado. Talvez não. O fato é que não conseguia deixar de imaginar o dr. Ronaldo desde a última consulta - maldita anestesia! E a proximidade do encontro a estava deixando febril, e ela pensara em cancelar o apontamento algumas vezes desde então - mas isso não resolveria a questão, apenas adiaria o problema.

Ronaldo também ficara perturbado desde a terça anterior. Encontrou o Emerson no fim de semana, e perguntou se ele podia terminar o serviço da Marion, assim, como se nada fosse. Emerson, cobra criada como era, sacou tudo num relance:

- Ela te virou a cabeça, né, meu chapa?
-Puta merda, Emerson! Aquela mulher é um desespero, meu amigo... Tô perdendo o juízo, aquela criatura ali, dormindo de boca aberta na minha cadeira, e eu imaginando coisas!
-E eu que pensei que a endodontia era a especialidade menos erótica da odontologia...
-Ah, não ferra, Emerson!
-Calma, cara, calma! Ela é minha amiga há muitos anos, e eu nunca pensei nela como mulher... Mas ela sempre foi muito bonita. Acho que a idade fez bem a ela, sei lá. Ela ficou mais completa, virou um mulherão! É claro que eu reparei, mas ela é como uma irmã para mim! Eu devia ter te dito isso...
-Não, Emerson. Você falou tudo. Disse que ela era muito bonita. Mas não disse que era tão inteligente, nem que era tão séria! Porra, cara! Ela sorri, faz um comentário qualquer, como se nada fosse, e de repente vira uma esfinge! Indecifrável! E na última consulta eu tive a impressão que ela tinha lido os meus pensamentos...
-Ela sempre foi assim, de dar essas tiradas...
-Mulher impossível!
-Está bem, eu termino.
-Não, deixa prá lá. Seria muito anti profissional...
-Você que sabe, Ronaldo...

A terça-feira tão temida e esperada acabou chegando rápida e atarefada para Marion, e, entre a escola dos filhos e a aula de Pilates a secretária do dentista ligou, confirmando a consulta.

-Claro, estarei aí, Renata.

Ronaldo estava indócil, era a última consulta daquele tratamento, a última vez que estaria sozinho com aquela mulher perturbadora. Pediu que Renata ficasse, sob o pretexto de aprender a instrumentar um tratamento endodôntico - e quando ela se recusou, ele não soube dizer se estava chateado ou aliviado. Ah, ele queria vê-la, queria estar com ela, mesmo que só mais aquela vez. Mas temia por seu pobre coração.

Marion não conseguia decidir que roupa vestir. Era ridículo! Afinal, o cara só iria mesmo ver a polpa do seu dente, agora já morto, de qualquer forma - e por sua perícia. Não, ela não ia mais sentir nada naquela parte de seu corpo. Mas todo o seu corpo reagia à mera referência ao apontamento do fim de tarde. 17h, no consultório do Emerson. Merda! 16:30h! Ela vestiu-se depressa, sem querer pensar no porque de ter escolhido aquele vestido. Ela sabia bem o porquê. Era o que ela estava vestindo no sonho erótico da última consulta...

Ela chegou junto com ele. Encontraram-se no elevador. Quando as portas se abriram no térreo, ele já estava lá dentro. Ela não sabia onde por as mãos. Baixou os olhos, engoliu em seco. E cumprimentou:

-Boa tarde, doutor.
-Olá! Pronta para a última sessão de tortura?
-Prontíssima.

O silêncio era mais constrangedor que a conversa, e ele se adensava a cada segundo. A vontade dela era pular sobre ele, e estava tão envergonhada... Parecia-lhe uma espécie de violência fantasiar com aquele homem que ela mal conhecia! A súbita consciência de seu corpo ali, ao alcance de suas mãos, era mais perturbadora que ter imaginado todas aquelas coisas.

Ele também estava tenso, sentia-se esticado como uma corda de violão que já estivesse sendo reutilizada, e que poderia se romper a qualquer momento. Ela tinha uma presença marcante, e aquilo estava um pouco além de sua capacidade de ignorar. Ainda assim parecia-lhe impossível entabelar uma conversa qualquer, e foram ficando em silêncio, os dois incapazes de falar - mas não por falta de assunto.

Ele abriu o consultório e ela entrou, dirigindo-se diretamente para a cadeira, na sala de atendimento. Nem sequer dirigiu o olhar para o sofá da ante sala, um móvel grande e confortável de três lugares, em couro branco, recém reformado. ela sempre adorou aquele sofá, e já tinha desejado comprá-lo do Emerson algumas vezes, mas agora ela nem podia olhar para ele. Os pensamentos que lhe passavam pela cabeça...

Ele foi até o banheiro, unicamente para jogar um pouco de água fria no rosto, e tentar desanuviar os pensamentos. Lavou-se bem e foi de encontro a ela. Separou os instrumentos concentrado, e nem trocaram palavra até que ele se sentou na banqueta, a anestesia em punho, e gracejou:

-Pronta para a soneca da tarde, Bela adormecida?
-Você não imagina o quanto... Acho que eu já venho para a consulta sonhando com a anestesia - consertou ela, corando ligeiramente. Ele percebeu, mas conteve-se - e na verdade tinha ficado assustado. Ela tinha baixado a guarda completamente, e ele sentiu que a oportunidade tinha passado.

Ela abriu a boca, ao seu comando, e ele começou o pequeno ritual da anestesia. Em poucos minutos, ela já não sentia nada, e o campo estéril impedia o contato visual entre eles. Ela esperou pelo momento do mergulho no sono, e ele entregou-se ao trabalho.

Mas ela não dormiu. Não daquela vez. Fechou os olhos e ficou alerta. Evitava fitá-lo, e sabia que, se o fizesse, talvez não pudesse negar seu próprio desejo. Ela sentia os olhos dele concentrados no trabalho, e sabia também quando ele interrompia-se por alguns segundos. Ela imaginava o que ele estava fazendo, mas não podia abrir os olhos, por medo. Ela tinha colocado um seu vestido abotoado na frente - totalmente composto, totalmente sugestivo. Tinha imaginado que ele abriria aquela roupa, botão por botão, e que cobriria sua pele alva de beijos incandescentes. Sentia-se uma devassa agora, ali, deitada naquela cadeira, esperando que aquele homem a tocasse.

Ele pensava que ela estivesse dormindo. Aquilo ajudava demais, que ela fosse tão sensível à anestesia. Se ela permanecesse de olhos abertos, se ela o estivesse encarando durante todo o tratamento aquilo seria impossível. Ela estava terrivelmente sedutora naquele vestido de frente única, todo abotoado na frente. Podia imaginar a pele alva se revelando lentamente sob a sua vontade, a vontade dela se curvando ante a dele, seus lábios entreabertos suplicando a ele que a tomasse nos braços... Talvez a imaginação não fosse o melhor instrumento para um dentista, afinal. Ele tinha que parar por alguns instantes, respirar fundo, retomar a concentração. Ele queria terminar o trabalho, logo. Queria afastar-se dela - mas não ainda.

Os minutos se passaram arrastados: ele concentrado no trabalho, ela em manter seus olhos serrados. Quando finalmente ele pousou o motor e finalizou o serviço, ela abriu os olhos, aliviada:

-Nossa, como demorou dessa vez!
-Ih, você não estava dormindo?
-Não... - "droga, ele percebeu! Ai, eu preferia que ele pensasse que eu estava dormindo..."
-É, pelo jeito até esse poder que eu tinha sobre você, de te pôr para dormir, me deixou, não é mesmo, querida?
-É... Dessa vez não pude dormir.
-Não pode...?

O silêncio era o refúgio que lhes restava. Por algum motivo, ele calou o desejo, e ela ficou agradecida. Aquilo não podia ser. E eles precisavam tocar a vida adiante.

-Terminou por hoje?
-Terminou mesmo, Marion. Essa foi nossa última consulta, lembra? Agora você já pode marcar a restauração com o Emerson.
-Ah, é mesmo. Acabei me distraindo... Desculpe, Ronaldo.
-Do quê, exatamente?
-Sei lá... De qualquer coisa.

Despediram-se friamente na ante sala do consultório, o sofá gritando o nome dela, os braços dele desejosos de segurá-la mais um minuto, ambos evitando o contato visual. Ele ainda acompanhou o ondular do seu corpo quando ela se virou para sair. Uma lágrima desceu pelo canto do olho esquerdo dela. Não, nunca mais. Nem em sonho anestésico, nem na vida real.

(to be continued)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Aconteceu no consultório (parte 2)

Chegou mais cedo, e ele já estava lá.

-Não disse que não me atrasaria dessa vez?
-É, você disse.
-Sofreu muito esse fim de semana?
-Nem um pouco... Aliás, se a Renata não tivesse ligado ontem eu talvez até me esquecesse do tratamento!
-Eu é que não posso - nem consigo - esquecer de você.

Sorriram - e ela rumou para o consultório. Na verdade estava aflita, mas preferia pensar que era devido ao medo irracional que sentia de sentar-se na cadeira odontológica. No fundo ela sabia que era por causa dele. Aquele homem tinha a capacidade de deixá-la ao mesmo tempo desconfortável e excitada.

A atitude impulsiva dela, de dirigir-se direto para a sala de atendimento tinha sido inesperada para ele. Ele imaginava que ela já tivesse baixado a guarda e fosse se comportar menos na defensiva daquela vez. A verdade era que ela o deixava perturbado: muito séria, muito linda, muito inteligente. No fundo, era o muito inteligente que tornava a mistura muito atraente e perigosa para ele. Aquela mulher era algo de especial, e ele sabia disso desde que pusera os olhos nela, há uma semana daquele momento. E ela ainda provocava uma perturbação na superfície dele. Ele mal conseguia manter a compostura - era um esforço, contudo, necessário.

-Pronta?
-Eu já nasci pronta, doutor.
-Então vamos ao assassinato!
-O quê?
-O assassinato do último nervo, lembra?
-Ah... Acho que me distraí. - ela estivera olhando para ele de soslaio, enquanto preparava os apetrechos de trabalho. "E ele é mesmo uma delícia..." Para encaminhar a conversa, perguntou:

-Por que a Renata não fica aqui, no seu horário de trabalho? Eu pensei que ela fosse também sua assistente.
-Ah, não, a Renata não trabalha comigo por causa dos meus horários... Ela está estudando à noite. Terminando o curso técnico. Acho que é instrumentação cirúrgica...
-É, é sim. Conversei com ela da última consulta com o Emerson. Mas achei que o consultório de odonto servisse como estágio, ou algo do tipo.
-Talvez sim. Mas ela precisa ir às aulas.

Com um meneio da cabeça, pediu-lhe que abrisse a boca. Ela obedeceu prontamente. A anestesia local, depois a pontada sutil - e lá se foi sua mímica facial. E ele trabalhou mais uma vez, sem distrair-se, e mais uma vez ela dormiu. Dessa vez, à analgesia seguiu-se um sono conturbado, durante o qual ela sonhou...

Estava deitada naquela cadeira do consultório, e não conseguia mover-se. E ele a estava despindo, abrindo os botões de seu vestido lentamente, tocando seus seios por cima do sutiã, seu sexo por cima da calcinha de algodão modelito vovó que ela estava usando. E ela queria gritar "que merda, logo hoje eu fui colocar essa calcinha feiosa!" E ele sorria, e olhava para ela, e a acariciava sem reservas, e logo começava a beijá-la e a masturbá-la, e...

-Ahn?!
-Terminamos por hoje, Marion.

Ela estava sobressaltada! Tinha acordado com um orgasmo intenso - será que ele podia perceber? Ela sabia que nada daquilo tinha sido real - a roupa que estava usando não era a do sonho, e ele não teria conseguido despí-la sem ajuda - mas a excitação e o orgasmo estavam ali, presentes como se, ao invés de um tratamento endodôntico de canal tivessem transado por toda aquela hora.

-Você é uma dorminhoca! - Ele tentou gracejar. Percebeu que ela estava um tanto perturbada, e olhava para ele meio assustada, ruborizada e envergonhada ao mesmo tempo. "Será que ela consegue perceber o que se passa na minha cabeça, enquanto ela está aqui, dormindo nessa cadeira, sob o efeito desse anestésico?"
-É, parece que sim - ela respondeu, meio sem jeito. Ainda não conseguia olhar para ele.
-Semana que vem a gente finaliza, e então você pode marcar a consulta do Emerson, ok?
-Certo, certo... Posso usar o toilete antes de sair?
-Claro!

Ela estava totalmente molhada, e era a prova de que tinha tido o primeiro sonho erótico realista em anos. Estrelando, doutor Ronaldo...

(to be continued...)

sábado, 15 de maio de 2010

Aconteceu no consultório

Era a enésima vez que ela ia ao dentista para um tratamento de canal.

Tratamento de canal, não! Tratamento endodôntico de três condutos! No seu tempo, ela pensou, ainda havia dentistas que faziam todos os serviços - mas esses dias ficaram no passado. Se você trocou seu velho dentista, amigo do seu pai, por um amigo, seu contemporâneo, pai de um dos amigos do seu filho, na certa esse dentista é um especialista - e ele vai dividir o teu serviço de canal e restauração com algum colega.

No caso específico, ela tratava os dentes com um colega do segundo grau, que fez odonto e se especializou em ortodontia e restaurações. Como o caso era a substituição de um bloco de amálgama por outro de porcelana, bem mais caro, moderno e - por que não - bonito, ela foi direto procurar o tal colega.

O problema é que o bloco antigo estava infiltrado, e devido a esse infortúnio ela precisaria também de um tratamento endodôntico. E como o dente em questão era um molar, não era só um canal - mas três. Então, o colega perguntou se ela fazia tratamento endodôntico com alguém, ou se ele podia marcar uma consulta com o seu sócio, o especialista em questão.

-Claro, Emerson. Marca, vai. Pode marcar... Não dá prá você fazer, não, né?
-Não, Marion, já te disse! Esse negócio de dentista all in one é coisa do passado...
-Tudo bem. Fazer o quê?
-Tratar esse canal para eu poder fazer um on lay de porcelana lindo, lindo! Vai ficar perfeito, vai parecer que é teu dente mesmo! Você vai ficar super satisfeita com o atendimento do Ronaldo. Ele é o melhor endo da minha turma, sério.
-Ok, já tinha me convencido lá no "coisa do passado"...

Riram mais um pouco e ela foi embora, o apontamento marcado para a próxima terça-feira, às 15h. Horas depois, quando a anestesia passou, ela praguejou pela demora da consulta. "Como dói! Diabos... Maldita a hora em que me deixei levar pelo apelo da dentição artificial..." Era curioso que logo ela, provavelmente a mulher menos vaidosa do mundo, tivesse caído nessa esparrela de trocar os blocos feiosos por algo de aspecto mais natural. Era idéia do marido. Ele resolveu que precisava melhorar a aparência dela. Dizia que ela estava muito descuidada, que ainda era uma mulher jovem e atraente... "É claro", ela pensava sempre, "ele tem mesmo é que me achar atraente - ou continuar mentindo! Afinal, esse casamento é para sempre ou não é?" Agora o tratamento tinha começado e não podia mais parar. Estava doendo muito, muitíssimo. "Eu devia ter combinado de ele pagar o tratamento também..."

Depois de um final de semana a base de analgésicos - "Emerson, pelamordedeus! O que eu tomo? Tô pirando de dor!"- chegou finalmente o dia do tratamento endodôntico de três condutos. Ela chegou pontualmente às 15h, só para descobrir que o tal do dr. Ronaldo tinha ligado, avisando que ia se atrasar. Ela já estava praguejando baixinho, no melhor estilo preto velho:

-Puta que pariu! Essa porra doendo prá caralho e esse puto atrasadinho...
-Desculpe, querida. O puto aqui não vai se atrasar de novo. Não agora que pôs os olhos em você...

Ele estava entrando e ouviu tudo, enquanto ela resmungava para o vazio da sala de espera. Púrpura de vergonha, viu-se na obrigação de se desculpar:

-Desculpe, doutor. Eu estou sofrendo horrores com esse dente aqui, aberto. Posso declarar insanidade temporária causada por odontalgia incapacitante?
-Você deve saber. A advogada aqui é você...
-Estou vendo que o Emerson deu a minha ficha...
-É. Só não me avisou que você era tão linda. - "Um galanteador", ela pensou. "Puta merda, oh raça..." Não tinha o hábito de acreditar em elogios. O cara obviamente queria deixá-la embaraçada, para que ela esquecesse a dor por alguns instantes. Então ela apenas sorriu e disse:

-Podemos ir direto ao assunto?
-Claro! Pois não... Ele absorveu o corte dela sem demonstrar constrangimento algum. "Viu só? Conquistador barato por vocação, dentista por profissão." Ele indicou o caminho do consultório, abrindo espaço para que ela passasse pelo corredor que separa a sala de espera do consultório. Escoltou-a até a cadeira, mantendo a mão esquerda em suas costas - primeiro entre suas espáduas, depois deslizando-a até a parte mais baixa das costas, bem acima do quadril. "Maldito Emerson... Arrumou um colega tarado como ele para ser sócio no consultório..." O que o toque provocou não foi propriamente repulsa. Na verdade, ela sentiu um calafrio e um peso no peito - e isso era um sintoma claro de excitação sexual. Tentou manter a cabeça fria, mas era tarde: imediatamente, seus olhos começaram a medir o endodontista. E era um pedaço, o homem! Corpo trabalhado por horas de academia, um peitoral largo, ombros estruturados, quadril estreito, pernas fortes. O calafrio repetiu-se, e dessa vez ele teve início em seu sexo. "Maldito homem!" Ficou com um ódio terrível, mas era tarde demais. Ele já se encaminhava para a cadeira, munido de anestésicos potentes e mais uma bandeja de instrumentos. Ela sentiu-se aliviada na hora. Com certeza, não há no universo nada mais antagônico ao erotismo que um dente com canais imprestáveis. E estar boquiaberta naquela posição de vítima a deixava muito desconfortável, fosse com quem fosse.

Ele pediu que ela abrisse a boca. E iniciou o trabalho pela anestesia.

-Vamos ver o quanto essa belezinha vai melhorar o seu humor. - Ela não conseguiu evitar sorrir.
-Tenho certeza de que vai...

Ele aplicou o anestésico local e logo em seguida a anestesia propriamente dita. Ficou puxando small talk, para dar tempo ao anestésico. E ela descontraiu-se tão logo a medicação fez efeito. "Incrível como isso estava me incomodando." Ele pareceu ler seus pensamentos:

-Está vendo? Muito melhor agora, não é?
-Nossa... Só!
-Depois que a gente terminar você nunca mais vai sentir dor nesse dente... O que não deixa de ser melancólico.
-Melancólico? Por quê?
-Ora, meu bem, eu estou matando três nervos teus. De certa maneira, vamos diminuir a tua capacidade de sentir as coisas, mesmo que num nível bem local...
-Eu nunca tinha pensado nisso dessa forma...
-É o meu trabalho pensar nisso.
-Não. O teu trabalho é matar os nervos. Pensar nisso só dificulta as coisas para você, não é?
-Verdade.

Um silêncio grave se colocou entre eles. Ela não sabia como, mas precisava acabar com aquele momento.

-Acho que você já pode começar com o assassinato, Ronaldo. Já não sinto nada. Pense nisso como uma eutanásia. Eu te suplico que mate esses nervos - eles estão acabando com os meus nervos, falando figurativamente - e sorriu. Ele relaxou um pouco, e devolveu o sorriso.
-É, dito assim soa melhor. E você está definitivamente anestesiada. Posso ver na sua mímica facial...

Ele tocou seu rosto e ela, apesar de anestesiada, sentiu novamente o aperto no peito. Respirou fundo e engoliu em seco. Ele se afastou bruscamente e começou. Trabalhou por uma hora, incansável. O tempo passou sem que eles se olhassem: ele se concentrou no serviço, ela num ponto imaginário no teto. O campo asséptico mantinha sua boca completamente aberta, e ela nem percebeu quando adormeceu.

O anestésico teve um efeito inesperado. Enquanto anestesiava a boca alcançou um vaso sanguíneo e distribuiu-se por todo o corpo, causando um efeito curiosíssimo: analgesia geral. Ela não mais sentia o seu corpo, nem premeditava em seus pensamentos o que iria fazer quando saísse dali. Sentia uma imobilidade deliciosa. Deixou-se ficar, imersa como estava naquela sensação gostosa de abandono, de relaxamento. E sua mente vagou. Dormiu. Apagou mesmo.

-Prontinho, Marion!... Marion?
-Hã? Já terminou?

Ele sorriu, e ela pode ver seus dentes. Dentes perfeitos. "Pelo jeito, o efeito da analgesia já era..." Ela já estava reparando no dentista de novo. Melhor parar por ali.

-Isso foi tudo, dr. Ronaldo?
-Não, meu bem! Imagina se a gente trata três canais assim, de uma só vez... Eu fiz o tratamento inicial, limpei e matei dois dos três nervos. Agora você está com um curativo. E não deve sentir mais dor - pelo menos não dor como aquela. E vai tomar antibióticos, porque tinha uma infecção polpar no terceiro canal. Vamos tratar a infecção e terminar o assassinato na próxima consulta. Aí fica faltando fechar os condutos e o Emerson pode moldar o on lay. Daqui a uma semana quero você aqui novamente, ok?
-Combinado! - disse isso e ruborizou. "Merda! Ficou parecendo que a gente marcou um encontro..." Tratou de corrigir-se. -Quero dizer, claro, está agendado.
-Podemos manter o horário? Dessa vez prometo que já estarei aqui na hora que você chegar.
-Ok, doutor.

Ele estendeu a mão para ela - e ela retribuiu o gesto, cumprimentando-o de volta. Ela preferiu pensar que tinha imaginado a eletricidade que circulou entre eles, naquele aperto de mão. Sacudiu a cabeça instintivamente. Ele não percebeu - ou fingiu não ter percebido.

A semana passou rapidamente, e veio o fim de semana, e de repente já era segunda-feira. O telefone tocou por volta de 13h naquela tarde. Era a secretária do Emerson:

-Dona Marion? Estou ligando para confirmar a consulta com o dr. Ronaldo amanhã, às 15h.
-Ok, Renata. Estarei aí no horário combinado, amanhã.

Ficou nervosa o resto do dia, e acordou numa crise de ansiedade terrível. Tão incapacitante quanto a dor que tinha sentido na semana anterior. Nem pensar conseguia direito. "Arre, te aquieta, criatura! Por que isso agora? Tira os bíceps do cara da cabeça e te concentra no tratamento... Pensa na anestesia!"

(to be continued...)

Deep diving

Ah, sentimento sem nome!

Ah, ferida que não sara...

A vida escoa para o sumidouro do tempo -

e eu querendo estar nos teus braços.

E eu, querendo estar nos teus braços.

Eu - nos teus braços.

(Eu, morrendo de amor, nos teus braços.)


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quase lá...

Deixa eu contar como foi que acabei casando novamente. Foi assim:

Eu tinha saído bem cedo de casa naquele dia, e seria um dia bem cheio - muitos compromissos, coisa e tal. Mas sabe quando você dá um peteleco num dominó e as peças vão tombando, caindo uma após a outra - efeito dominó? Então!

O meu compromisso das sete era bem rápido: doação de sangue. É chato e dolorido, e às vezes eu sangro depois - da última vez isso tinha acontecido, e eu estava receosa de que ocorresse novamente. O banco de sangue estava vazio, e tudo correu bem. O questionário me fez rir um pouco: número de parceiros no último ano? Se comparado ao ano anterior, que festança este vinha sendo...

Então estaria livre até às nove, horário marcado da ultrassonografia. Arrisquei chegar mais cedo - vai que rola um atraso ou desistência? E não é que rolou? De repente, eu tinha conseguido estar livre até às dez e meia - e o relógio marcava oito e quinze na hora em que deixei a clínica.

O compromisso das onze era com a advogada que estava cuidando do espólio de meu pai - e seria uma reunião maçante e muitíssimo infeliz para mim. Vínhamos nos degladiando, eu e meus irmãos, há meses - e tudo por causa de uns trocados. De verdade, a única coisa que eu quero é meu pai de volta. E isso não vai acontecer... Por uma dessas coincidências estranhas, ela me ligou pouco depois das oito e meia, avisando do cancelamento da reunião. Nem acreditei!

Aquele dia - que seria o mais arrastado e triste da semana - tinha em dois tempos se resolvido! Eu só precisava agora me preocupar com o horário do dentista. E ele só iria me atender no fim da tarde.

Então saquei o celular da bolsa e fiquei matutando... Talvez não fosse uma boa idéia. Da última vez em que nos vimos, ele foi bem incisivo e resoluto: disse que só queria me ver novamente se eu tivesse uma resposta para ele, e quando eu tivesse uma resposta para ele. Sim ou não - e depois, era o resto da vida ou nunca mais.

Merda de sujeito mais cabeça dura! Nunca soube nem jamais saberia de divertir! Tudo bem que a nossa história nunca tinha sido exatamente uma frivolidade. Mas ele também não precisava fazer tanto drama... Quando a gente se conheceu eu era casada, e ele solteiro. A atração entre nós foi imediata, e, graças a uma tempestade de verão fortuita, extremamente prazerosa. Dali em diante, desenvolvemos um afeto crescente, um envolvimento profundo - e o assédio dele quase pôs a perder o meu casamento, naquele ponto. Chorei rios quando ele me deixou. Mas ele estava certo naquele momento - e eu errada.

Pouco depois ele casou, e eu separei. Por meses nos falamos por e-mail, e trocamos alguns telefonemas esporádicos, até que ele resolveu que devíamos nos ver. Fiquei toda contentinha, passei a tarde no salão, comprei um vestido novo, lindo - azul, porque ele sempre disse que adorava me ver de azul - e, é claro, lingerie novíssima, azul-marinho, lace and ribbons. Para nada. Nada não, muito pior! Ele só quis me ver para tripudiar de mim! Me disse coisas feias, terríveis de se ouvir mesmo... Me deixou arrasada. Chorei muitos outros rios - e dessa vez, o errado foi ele.

Agora, faz cinco semanas, nos esbarramos numa loja de departamento. Literalmente nos esbarramos! E olha que eu nunca vou àquela loja, acho feia, sei lá! Mas nesse dia entrei, só para esbarrar nele. Ficou viúvo. (É nisso que dá, casar com uma mulher tão mais velha.) Disse que foram muito felizes - olha só ele tripudiando de mim novamente - mas que infelizmente sua esposa tinha partido. Coincidentemente, ela faleceu no mesmo dia que meu pai. Tivemos assunto depois disso. Choramos muito - até que encontramos consolo nos braços um do outro.

Confesso que depois disso tenho tido tardes incríveis em seus braços - e que nunca nenhum outro homem jamais conseguiu me fazer gozar como ele faz. E foram muitos os que tentaram. Confesso que ele me entende num nível elevadíssimo. Confesso que ainda o amo, mais do jamais amei outro homem - antes ou depois. E confesso que não consigo mais confiar nele, desde aquela humilhação, dressed in blue.

Mas, como sempre, ele recebe uma drama queen e me põe contra a parede! Ele discursa tão bem, e é tão convincente... Com que facilidade diz que eu sou a mulher da sua vida, que jamais amou alguém como me ama, que não faz sentido continuarmos nossas vidas separadamente. Já eu - ah, eu sou a solteira incorrigível! Eu gosto da minha liberdade, e eu trabalho por ela, e eu gosto de não saber com quem vou dormir essa noite, e de não ter a quem dar satisfações da minha vida! E é isso que ele quer tirar de mim, porque ele é possessivo, e vai ficar no meu encalço, e as minhas tardes ébrias e dissolutas ficarão no passado.

E eu gosto de dar um perdido na vida once in a while...

Pensei bem uns dez minutos e resolvi: ligo e pronto. Diria a ele que tinha uma resposta - mesmo que não tivesse coisa nenhuma! E arrancaria dele uma última transa, um último momento de total e perfeita intimidade, e pela última vez sentiria o perfume da entrega absoluta. Afinal, ele já me humilhou tanto daquela vez que eu não tinha exatamente o que perder ainda.

Liguei. Ele atendeu, gélido:

-Alô.
-Oi, amor.
-Você já tem a minha resposta?
-Sim.
-Sim!
-Sim, tenho a resposta.
-...
-César?
-Então a resposta é não.
-Não.
-...
-César?
-Você pode ser um pouco mais clara, querida?
-Você me disse que só me encontraria novamente se eu tivesse uma resposta para você. Eu tenho a resposta.
-E?
-E você precisa vir me ver para saber qual é.
-Bem bolado... Touchè! Você, sempre espertinha...
-Então?
-Certo, está certo. Onde e quando?
-Aqui. E agora.
-Livre? Mas eu achei que você tinha uma daquelas reuniões do inventário hoje...
-Tinha. Não tenho mais. Take it or leave it.
-Ok. Onde te busco?
-Estou aqui, na cafeteria da deli, do outro lado da rua do teu escritório.

Ele desligou, bem seco. Eu já imaginava que ele faria aquilo. Devia estar tão ansioso quanto eu para me ver, já fazia três dias desde nosso último encontro e o meu corpo já dava sinais de saudade. Só devia ter atentado para um infame detalhe: eu estava de azul. Isso podia ser um péssimo presságio. Desde o dia terrível em que ele me destratou eu não uso azul com freqüência...

Levantei os olhos instintivamente e olhei para o lado oposto da calçada: hallelluia, here he comes! Ele sempre será um colírio, mesmo depois de todos esses anos. E o meu coração disparado no peito quase não me deixa falar quando ele se aproxima:

-E então? - Duro, inflexível. Será que ele é o único cara que eu não posso prever?
-Bom dia, mon chère. - Tento parecer blasè, mas falho terrivelmente. O meu nervosismo tem cor e cheiro. É rubro em minhas faces e perfumado de desejo. O meu corpo o quer - e ele sabe. Merda, ia me fazer pagar o preço.
-E então?
-Caramba, César! Puxa a cadeira, vai, senta aqui comigo e toma uma café, pelo menos! Assim fica parecendo que você sente repulsa pela mulher com quem diz querer passar o resto da tua vida.
-Ok. - Sentado, ele parece menor, mas também fica muito mais perto, e isso me perturba enormemente. Ele sabe.
-Eu pensei muito esses dias...
-Pensei que fosse levar mais tempo.
-Mas não levou.
-E o que você me diz?
-Digo isso: não digo mais nada aqui, nessa mesa, neste café. Quero sair daqui com você e ir até o teu apartamento, e fazer amor com você a tarde inteira.
-E pelo resto da vida?
-Isso só te digo depois.
-Então pode desistir, meu amor. Tudo, ou nada.
-Você é e sempre foi um tremendo desmancha-prazeres! - E faço aquela minha careta de que sei que ele gosta. Mas não pareço convencê-lo.
-Pode ser. Você tem mesmo uma resposta para mim?
-Tenho. - Bem nesse momento percebi a verdade dessa afirmação. Eu já sabia o que queria. E nunca imaginei que pudesse tê-la, a tal resposta, aqui, dentro de mim.
-Então vamos acabar com isso, não é?
-Sim, amor. Definifivamente. No more fooling around, no more fun. Você nunca foi exatamente diversão para mim.

Ele sorriu. E me lembrei do dentista. Dentista às 17h.

-Eu tenho uma consulta médica às 17h, querido.
-Acho que temos tempo. - Ele riu de novo, olhando o relógio - e eu fiquei bem feliz. Talvez fosse tempo de mudar de estado civil novamente, after all...

Passamos a tarde fazendo amor de inúmeras maneiras, e ele sempre me satisfaz. Entre um orgasmo e outro disse que sim, que seria sua, sempre e só sua. E ele esmerou-se ainda mais em me satisfazer. Nossa, que tarde!

E de repente já eram 16h, e eu precisei correr para o dentista. Deixei meu amor em casa, feliz e satisfeito - colhendo os louros de seu xeque-mate - e corri para não perder a hora do compromisso.

O dentista é uma delícia. E não se pode abrir mão de uma bela despedida de solteira...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Adivinhação

É o cheiro do hálito dele - menta extra-forte ou pastilha de hortelã - que me tenta, acima de todas as coisas.

Mais que aquele sorriso brilhante como o Sol de manhãzinha. Mais que os olhos escuros que me assombram quando olham a minha alma como se ela estivesse na superfície da pele. Mais que a forma terna como me toma nos braços - se estendo os meus para ele, em saudação. Mais do que o não sei quê ele tem que me atiça e aguça.

É seu hálito quente e perfumado - que pede o beijo que me recuso a dar.

domingo, 9 de maio de 2010

Germinação

Os minutos teimavam em não passar, enquanto ela olhava fixamente para a haste plástica a sua frente. Na bula dizia que o teste levava cinco minutos para dar o resultado.

Lenta e definitivamente, uma segunda linha rósea se formava ali, do lado da haste oposto ao ponto onde ela tinha feito xixi. "Ai, meu Deus, meu Deus... Tô grávida."

Ela já sabia, mesmo que não admitisse para si mesma, ou para quem quer que fosse. Afinal, nas duas últimas semanas vinha enjoando sistematicamente pela manhã, e vomitava tudo o que comesse no café. Seus peitos mal cabiam no sutiã, e a menstruação estava atrasada uns cinco dias, já.

Alguma coisa havia mudado dentro dela. Uma nova existência tinha começado bem ali, em seu baixo ventre - e não pedira autorização a ninguém. Ela se olhou no espelho e por pouco não se reconheceu. Era uma mulher nova ali, diferente daquela que estivera refletida antes, ainda naquela tarde. Em sua fisionomia, a decisão do que fazer suavizava as linhas de expressão que antes endureciam seu semblante. Não estava sozinha.

Ela precisava contar ao namorado. Ele não ia gostar. Ia dizer que ela devia tirar a criança, que ele não podia assumir esse filho, que isso iria acabar com o casamento dele. E ela nunca mais o veria - porque isso ela não ia fazer.

Aquele filho ou filha estava chegando. Faltavam 38 semanas.

Ela abriu o armário. Respirou fundo. Começou a livrar-se de algumas coisas. Precisava de espaço para recebê-lo...

(Pelo dia das mães - e das que ainda serão...)

sábado, 8 de maio de 2010

Balada do garizão

Eu e João numa mesa de bar.

João é o meu amigo gay. E é uma companhia divertidíssima. Só é foda quando resolve disputar homem comigo.

Tudo bem que clientela de João nem curte o que eu tenho para dar - mas precisa ele fazer essa merda sempre? Olha só o que aconteceu ontem: a gente saiu do escritório mais cedo - porque o chefe saiu depois do almoço para Petrópolis com a mulherzinha- e sentamos os dois num boteco bem xexelento que fica aqui embaixo, na galeria do prédio, só prá fazer o esquenta. A gente estava combinando o que ia fazer à noite, porque eu adoro ir à boite gay quando o chefe não está disponível - ok, eu admito, tenho um caso com ele, e fico meio puta quando ele vai fazer luazinha de mel com a mulher, aquele escroto... Só dou prá ele porque ele é gostoso e me enche de presente - parece até que toda semana é Natal, o filho da puta é um Papai Noel! Deve ser porque o pau dele é pequeno, mas ele nem precisava fazer nada disso, porque ele sabe fuder! E na night gay a diversão é garantida - e a pegação também, porque o cara pode até gostar de dar o cu, mas ele tem pau como qualquer hetero! Caralho, tô divagando...

Bem, deixa eu voltar ao assunto.

Eu e João estávamos combinando a saída da noite e tomando uma gelada, sentados no balcão do boteco mais fuleiro do centro da cidade. Aí passa um gari varrendo a calçada. Puta que pariu! Que homem gostoso! Sabe aquele cara com tudo no lugar? As coxas do puto... A calça apertada nas pernas e marcando o volume do pau, as mangas do jaleco dobradas evidenciando os bíceps, o peitoral lisinho aparecendo - porque ele estava com o jaleco aberto - parecia mais um ensaio pornográfico do que um cara varrendo a rua! Fiquei com um tesão... Acho que dei pinta, porque o meu queixo devia estar caído - de repente eu estava até babando, sei lá. E o cara olhou bem dentro da minha cara e deu um sorriso tão safado que eu gelei. Já viu, né? Eu, a galinha, dando mole prô garizão... Deve ser fetiche de uniforme, sei lá.

De repente João abre aquela boca e manda bem assim:

-É viado.
- O que, João?
-É viado.
- Quem?
- O gari, Suzana. O gari é viado...
- Ah, João, vai tomar nesse cu! Por que todo mundo é viado, agora? Só porque o cara olhou dentro da minha cara e tá até agora me comendo com os olhos ele é viado! Só o que me faltava...
- Minha filha, já te falei: a gente tem um faro prá isso que mulher não tem...
-Tá bom, João, mais eu sou tua amiga HOMEM, ok? Eu sou homem, e eu tô te dizendo que o garizão ali me comia agora, se eu quisesse.
- Comia nada...

Fiquei muito puta! Aí, resolvi começar bem o fim de semana e fazer uma merda, logo! O gari ainda estava me olhando, me comendo com os olhos, mal varria a rua - e com certeza estava escutando a conversa, porque estava só rindo. Aí eu encarei o sujeito, olhei bem dentro do olho dele e soltei:

-Menino, vem aqui, vem...
-Agora, minha gata - e veio andando, todo gostoso, olhando para mim. Nem viu o João, filho da puta do caralho!
-Ainda custa muito prá terminar isso aí?
-O quê, o serviço?
-É, né? Se bem que, nesse ritmo, você não termina hoje! Fica só me secando...
-É que uma mulher dessa é distração demais...
-Então! Termina logo, que tem um lixo lá no escritório para você tirar prá mim...
-Quer que eu vá lá agora?
-Tu pode?
-O horário é flexível... O supervisor só passa daqui a uma hora.
-Então vamos lá comigo. Tchau, João. Depois eu te conto o IFM do menino qual é...

Deixa eu explicar isso: IFM é índice de firmeza masculina - é uma brincadeira que a gente inventou, eu e João, prá classificar os bofes quando a gente sai na night. É que se o cara é gay ele pode até te faturar, mas não vai ficar assim, em ponto de bala, de cara. Você precisa ter um trabalhinho... Só que o garizão já estava no ponto na hora que eu chamei ele, lá do balcão! O volume do cacete dele estava gritando de dentro da cueca - e estava gritando o meu nome! Foi só a gente entrar no elevador que o cara mostrou a que veio, minha filha! Caiu dentro matando, tinha mais mãos do que um polvo tem tentáculos! Uma delícia de amasso, que homem gostoso - parecia que estava lendo meus pensamentos, fazia tudo conforme manda o figurino! Quase nem deu tempo de entrar no escritório, o cara quase me come no corredor! Tive que fazer um puta esforço prá conseguir enfiar a chave na fechadura - só pensava era nele enfiando outra coisa em mim...

Mas aquela pressa toda do corredor acabou quando entramos na sala. Lá na ante sala ele começou a me perguntar um monte, só me provocando:

-É nessa cadeira que você senta?
-É, sim.
-E você atende esse telefone?
-Atendo...

E o cara alisando o assento da minha cadeira... Que loucura isso - o garizão ainda por cima é fetichista! Aí eu dei foi corda prô maluco se enforcar...

-Quer ver a sala do meu chefe?
-Por quê? Você é do tipo secretária safadinha?
-Por que você não descobre?

Levei o cara lá prá sala do chefinho. Fiquei bem pensando "Tá comendo a patroa, é, chefinho filho da puta? Então vou dar prô garizão bem onde você gosta de me comer..." No início eu até pensei que ia cortar meu barato. Sei lá, né - vai que ficar ali me faz lembrar do cara? Mas nada, eu só pensava no pauzão do gari! Ele sentou na cadeira do chefe e me perguntou:

-Ele dita memorando para você daqui, dessa cadeira?
-Dita.
-E você escreve tudinho que ele manda?
-Tu-di-nho...
-Então eu vou te ditar uma carta...

Puxei uma cadeira para defronte da mesa e peguei um bloco de anotações. Já ia sentar quando ele disse:

-Senta aqui, no colinho do patrão, vai, secretariazinha puta...

Eu só obedeci. Aí ele jogou uma caneta bem no chão, ali, na frente dele:

-Ih, caiu... Pega a caneta, pega...

Eu me abaixei com a bunda bem empinada prá cima, e sabia que ele estava olhando para minha calcinha - e para o que ela estava escondendo. Ele nem esperou:

-Nossa, que calcinha linda... Tão macia - e já ia passando a mão no fundo da calcinha, eu sentia as pontas dos dedos dele por cima do tecido fino...
-E já está prontinha prá tomar o ditado... - Ele riu aquele riso safado dele, olhando dentro da minha cara -Você vai tomar muito ditado hoje. Mas eu quero que você escreva com esse canetão aqui...

E pôs o pau para fora. Cara, que coisa linda! Aquele caralho pulando para fora da calça, dava prá ver o alívio dele por finalmente tirar aquele pau todo de dentro da cueca - e já estava em ponto de bala. Eu, que já não presto, peguei na caneta e fiquei alisando ela bastante. Ele só revirava os olhinhos.

-Tô vendo que você sabe manusear a caneta muito bem, dona secretária...
-É que eu tenho muita experiência, doutor Garizão Tesudo.

Foi só eu falar isso que ele ficou possuído! Me botou debruçada na mesa do chefinho, arrebitou a minha bunda e afastou a calcinha - tudo de uma vez só! Só tive que esperar ele se proteger - e ele não levou cinco segundos botando a camisinha! (Aliás: de onde ele tirou aquela camisinha? A minha estava dentro da bolsa, e quando eu ia oferecer ele já estava com uma na mão... Acho que tem muita mulher tarada que nem eu no mundo... Vai ver que o garizão come muita secretária piranha ali pela Carioca... Tô divagando de novo!)

Ele meteu tudo de uma vez, e o cara era bem dotado, viu? Porra, que delícia! Fiquei mais tarada ainda e deixei ele se divertir! Na hora que eu percebi que ele estava quase gozando, eu disse:

-Não goza, não! Tu vai ter bastante trabalho aqui, seu puto...
-Ah, é? A senhora dona secretária está querendo exigir alguma coisa do chefe?
-Ah, eu quero sim... Quero que o senhor se sente na cadeira, que é prá eu te cavalgar bem gostoso...

Ele sentou na mesma hora! Parti prá cima, que não sou de perder tempo! Fiquei ali, curtindo aquele caralhão dentro de mim, naquela posição perfeita para gozar. E quando eu já estava quase, quase...

-Não... Agora quem não vai gozar é você!
-Vou sim!

Ele me deu um tapa na cara, assim, de levinho, só para me distrair da gozada, e disse bem assim:

-Primeiro você vai gozar na minha boca...

Puta merda, que chupada foi aquela! O cara gosta de buceta - viado é o caralho, João! É sério, para chupar uma mulher daquele jeito tem que ter gosto pela coisa! Que talento desperdiçado! Aquele cara varrendo rua quando podia estar trabalhando de acompanhante de coroa rica e desocupada da zona Sul! Só sei que ele me sentou na mesa do chefe, abriu as minhas pernas e mergulhou fundo! Que evolução, aquela língua passeando na minha bucetinha... Só de lembrar já fico excitada. Quando eu comecei a gritar que nem uma louca e ele sentiu que eu gozei de verdade, ele levantou da cadeira e pôs o pau na minha cara. Ele nem precisava mandar, mas eu gostei quando ele disse que queria ver se eu passava na prova oral... Caí de boca com vontade! Mas você pensa que ele me deixou terminar o serviço? Porra nenhuma! Ele me pôs deitada no chão e me disse assim:

-Agora eu vou te comer que nem homem, sua putinha gostosa...

E deitou por cima de mim! Papai e mamãe, cara! Ele mexia tão gostoso que eu senti que ia gozar de novo, e ele gritava que aquilo estava muito bom, que aquela foda ia entrar prá história, e me perguntou se eu deixava ele gozar... Claro que eu pedi para ele gozar na hora. E sabe o que ele fez? Na hora H, quando ele ia jorrar, ele tirou de dentro, tirou a camisinha e gozou bem na minha barriga! Que coisa mais deliciosa!

Ainda deitou em cima, ficou respirando no meu ouvido, ofegante, uns dois minutos. E me deu um beijinho no rosto - sabe beijinho de muito obrigado? Que fofo...

É claro que eu ainda vou dar muito prô garizão.

João, viado é o caralho!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Supernova

Lá da janela, o céu azul está gritando. Mas as cortinas estão fechadas, e ela tem preguiça de levantar.

Ela sabe que é com ela. O dia a está chamando, e ela sente o ímpeto. E resolve ir até lá, puxar as cortinas, olhar o dia na cara. É um novo dia - há algo subliminar comunicando isso, é mais que a visão desse céu sem nuvens, de um azul penetrante. É a hora da virada.

Ela cerra os olhos e sacode a cabeça, num esforço para acostumar-se a luminosidade do dia. E de repente se assusta: a luz espalha-se por dentro dela, é de si que emana aquela incandescência branca e ofuscante. Não é o dia, é o que ela é que se revela naquele instante...

Todo o sacrifício para ocultar a própria identidade era mesmo vão. Todas as vezes que ela tentara fazê-lo, todos esses anos fugindo, tentando viver entre os humanos, misturando sua existência a deles - e novamente ela estava explodindo, revelando a luz que é. Sim, ela é luz, pura energia, e sua claridade é um punhal agudo: tanto cega como revela. Ela, a estrela, fundindo núcleos de hidrogênio novamente...

É claro que ela já sabia que isso aconteceria. Afinal, mesmo quando conseguia uma vidinha bem infeliz e miserável, sempre acontecia um momento de felicidade genuína - e ela fora feita para a felicidade. E aquele pequeno momento era o início da reação em cadeia que a faria explodir novamente, as partículas que a tanto custo mantinha organizadas em volta do seu centro - para lançar a ilusão de vida aos olhos dos outros - entrando em colapso, mergulhando umas nas outras, unindo-se definitivamente, a força da gravidade as impelindo para o cerne dela própria, para o coração da ilusão de carne, para o ventre da matéria - convertendo tudo em pura energia.Tudo isso numa fração de segundo, tudo isso num instante infinitesimal. E ela podia sentir cada mínima alteração em sua matéria como uma fisgada incômoda, um beliscão - não mais que isso.

Estava ficando mais instável a cada instante. Dessa vez, a alegria desse amanhecer azul de um dia comum fora o suficiente. Nem tinha acontecido nada de específico ou especial! Era só o dia azul e o céu sem nuvens, o perfume indelével da manhã de setembro... E agora ela estava acendendo - e ascendendo. A energia da fusão nuclear viera com tamanha intensidade que seu corpo se elevara do chão sem que ela pudesse controlá-lo. Ela estava se tornando sensível demais as pequenas belezas da vida humana. Estava deixando que a verdade tomasse conta dela, novamente. Dessa vez esforçou-se para não engolir tudo no processo. Conteve-se, condensou-se no limites do corpo - implodiu mais que explodiu.

E a luz que dela transbordava inundou o quarto, e o imenso calor gerado pela união dos núcleos em seu interior incendiou a casa.

Quando os bombeiros chegaram, o fogo já havia consumido o pequeno cômodo onde ela morara, e já estava se alastrando pela casa, veloz, violento. Quando conseguiram finalmente extinguí-lo, não encontraram nenhum vestígio da mulher que vivia ali, nem indício do que teria iniciado o incêndio. Concluíram que havia sido um acidente com chama.

Se eles tivessem trazido um contador Geiger...


quinta-feira, 6 de maio de 2010

Soneca pré-apocalíptica

Estava cansada - e finalmente sonolenta - depois de tomar três comprimidos de Valium. Era a primeira vez que tirava férias em cinco anos, e decidira dormir profundamente por pelo menos dez horas seguidas, embora o objetivo fosse mesmo passar três dias dormindo...

O problema é que ela já não dormia mais de quatro horas por noite há muito tempo - e acordava diariamente às 3:30h da madrugada, tendo ou não compromisso. Esse fato isolado já seria motivo para muita dor de cabeça e mau humor. E somado aos anos de trabalho sem descanso, ao estresse da vida moderna - que para ela uma justificativa ruim para que todos se conformassem com uma vida pela metade - e ao fim de seu relacionamento de oito anos com João Marcelo era a gota d'água que acabou por transbordar seu pobre equilíbrio instável.

Ela estava mesmo um caco. Sob os olhos, as marcas de olheiras escuras e profundas. Rosto emaciado, as pequenas rugas em torno dos olhos já mais pronunciadas, os cabelos descuidados e grisalhos - ela era o retrato do abandono e da tristeza. Sentia que precisava dormir, dormir em primeiro lugar. E depois... Bem, depois veria. Quando já se preparava para mergulhar no sono, as cortinas puxadas, o ar condicionado gelando o quarto, o edredon já estendido sobre a cama, o telefone toca, insistente. Inicialmente ela decidiu ignorá-lo - "ora, se for importante a pessoa liga de novo e fala comigo daqui a três dias..." - e a secretária eletrônica atendeu a ligação. Sem recado.

E então novamente o telefone. E dessa vez, a secretária não atendeu! Lá pelo vigésimo toque, ela resolve atender, furiosa. "É bom que seja importante..."

- Alô...
- Boa tarde, queridíssima filha.
- Pai?
- Sim, mas não o seu pai biológico. O seu Pai...
- Isso é um trote!!!???
- Não, amada. É o Senhor Deus que fala com você.
Ela, obviamente, não acredita. Um terrível moleque está lhe passando um trote - mas pelo menos é original. Resolve dar trela.
- E o que o Senhor deseja, ó Criador do céu e da terra?
- Amanhã o mundo acaba, minha filha. Estou te avisando para que você tenha tempo de se arrepender e voltar para junto do Meu coração misericordioso.
- Tu tá falando sério?
- Mas é claro que sim, minha filha!
- Olha só, Pai, sem querer te ofender nem nada, quero que se foda!
- Como é, minha filha?
- É isso aí: que se FODA!!! Eu estou exausta, passei os últimos cinco anos da minha merda de vida trabalhando feito uma condenada para manter o padrão de vida do meu amado maridinho - que acabou indo embora com a orientadora do maldito doutorado - não durmo mais de quatro horas por noite desde janeiro do ano passado, estou parecendo a irmã mais velha de Matusalém! Finalmente tirei férias e resolvi tomar uns comprimidos para dormir - e quando eu estou quase lá, o Senhor resolve me pedir para me arrepender? Que se FODA! Me arrepender de quê? De ter sido uma companheira compreensiva e gentil, de ter sacrificado minhas poucas horas livres por um pouco mais de trabalho para dar vida boa a um homem que me deixou por eu não ser "intelectualmente estimulante"? De ter passado horas cuidando da vida profissional e pessoal de um executivo medíocre de uma telecom quase falida para arranjar esse dinheiro? Por ter sido totalmente correta em cada aspecto da minha vida? Eu não me arrependo não - eu me ferrei em tudo, mas não me arrependo! Então, que se FODA!!!
- Mas minha filha, você não está entendendo... É a sua última chance de alcançar a eternidade!
- E do que depende isso?
- Da sua decisão, minha filha!
- Porra, Deus, é sério isso? Não consegue tomar uma decisão sozinho não? Olha só, se o Senhor quiser que eu vá para o céu, pode me buscar. Se achar que eu mereço ir para os quintos dos infernos, me manda para lá! Toma uma atitude de homem, uma vez na vida, ok? Olha só, o Senhor é bem sádico, viu? Fica aí, olhando para cá, tomando conta da vida de todo mundo, e não faz nadinha! E na hora H, deixa a solução nas mãos da gente... Fala sério, essa é a maneira mais fácil de cuidar de alguma coisa: esse tal de livre arbítrio... É uma falácia, Cara - quero dizer, Senhor Cara! É uma desculpa para ser esse administrador de merda da Sua criação! Toma as rédeas, faz alguma coisa, resolve o Senhor!!!
- Minha filha, você está jogando fora a sua oportunidade... eu entendo a sua frustração, a dor que você está sentindo... Mas você precisa decidir.
- Então está decidido. Eu vou tomar mais três comprimidos de Valium - porque esse papinho acabou com os efeitos farmacológicos da droga, de tanta adrenalina que jogou na minha corrente sanguínea - e vou dormir. Me entendeu, ó Todo Poderoso? Vou DORMIR! E o Senhor faça a merda que lhe aprouver, ok? Na hora que o Senhor puxar a descarga e mandar esse mundo para o saco eu vou estar dormindo! Aliás, o Senhor deve ser mesmo homem. Nunca vi um homem capaz de tomar uma porra de decisão! E o Senhor seja Homem e resolva o que deve fazer comigo, que eu estou pouco me lixando!

Desligou o telefone batendo o fone do gancho com força. "Que ódio!" O soninho tão gostoso que já estava chegando tinha desaparecido, e ela estava com medo de tomar remédio demais. Então decidiu: "Quer saber? Que se foda! Vou tomar mais três Valiuns, e vou dormir! Amanhã, o mundo acabando ou não, eu quero estar descansada pela primeira vez em 15 meses..."

Para prevenir qualquer tentativa de perturbação, desligou o telefone da parede e a campainha também. Vai que o Criador tem também um mensageiro de porta em porta? Engoliu os três comprimidos de uma vez, a seco. Deitou-se, cobriu-se até as orelhas. Cerrou os olhos. E deixou que Morfeu a viesse buscar...

Zzzzzz...


Frabjous day...

Só a escuridão escorre de mim hoje, neste dia luminoso que se inicia tardiamente.

A escuridão da solidão sem resposta, cheia de palavras nunca ditas em primeira pessoa. Nunca serei prioridade para ninguém, e sei disso, e sabê-lo é como fechar um ciclo. A dor que sinto é dentro de mim uma chaga aberta. Tento limitá-la ao espaço do peito, mas ela teima em espalhar-se - e já não há quem a detenha.

Permito-me perder-me entre as tuas palavras. Todas tuas - nenhuma dirigida a mim. E sei que quando leres isto vais saber que estava falando com você - o monólogo de uma mulher meio insana, profunda e perdidamente apaixonada, que confundiu amor recíproco com alguma coisa mais amarga e corrompida que transborda de você. Não, tenho certeza que não escreves para mim. Afinal, o que sou eu em sua vida? Ninguém, ou perto disso. Uma pessoa que freqüenta a sua vida, como outra qualquer, sem nada especial para oferecer além do próprio sangue. E quantas são as que o fazem diariamente? Tantas, não é verdade, meu amor? E eu pensei que havia algo mais que sofrimento nesse amor, eu vislumbrei uma redenção que nunca houve - e que há, sim, há, mas não vai ser vivida. Você é viciado em jogo e eu sou truculência em ação: isso nunca poderia ter dado certo.

E não queira ser meu amigo, ou minta, diga que já é! Nunca houve nem vai haver amizade entre nós. Eu o quero em minha vida porque o amo, e é só. É você o negativo de mim – como eu sou a luz que invade a sua objetiva e marca definitivamente o filme da sua vida. Somos tudo um para o outro – e por isso mesmo não somos nada. Essa história nossa é sem futuro e sem fim. Não cabe essa totalidade numa existência humana.

By the way, é isso que anda errado entre nós: você e eu jamais fomos amigos. A nossa amizade partiu da atração imensa que você exerceu sobre mim, desde o primeiro momento - e eu vi nos seus olhos a faísca incendiária com que ateei fogo as minhas vestes. Eu amei você mesmo antes de dar nome a isso, eu te ofereci o prêmio! E você sabe, tanto quanto eu, como eu hesitei. Eu não queria, e você sabe que eu queria mais que tudo, e então você teve o que eu quis.

(E afinal, quantos anos eu tenho? 15? É por acaso a primeira vez que eu passo por isso? Eu chamo isso de atropelamento e fuga - hit and run, baby. E já sou bem crescidinha, e isso já me aconteceu CONTLESS TIMES...)

Eu mantenho minha posição, amor. Não pode haver nós enquanto for assim, eu aos teus pés, você me pisando com força. E não pode haver amizade entre oponentes. E é isso que eu sou para você. Pronto.

Arraste as fichas, limpe a mesa - elas estão aí para você, meu bem. A minha mão é fichinha perto do seu Royal Straight flush. A rodada é sua. O amor que eu te dei é seu. O amor que ainda guardo para você... Ele está aqui, dentro de mim. Deixei a mesa por não saber fazer poker face. Blefar não está no meu dicionário.

Mas ainda consigo pensar em pelo menos seis coisas impossíveis antes do café da manhã...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

In the spotlight

É uma sensação escura, sofrida. Faz 12 meses. Amanhã.

E eu ainda estou prisioneira desse sentimento. Ainda me sinto diminuída diante de você, como quando visitei o Cristo Redentor pela primeira vez, aos 5 anos. Eu, micro - você mega.

Eu nunca sei onde pôr minhas mãos na sua presença. Eu nunca sei como conter meus olhos diante de você. Eles saltam, e se acendem, e então a escuridão devastadora me toma de assalto. Fico sozinha no palco, sem aplauso. O fracasso que eu sou é aclamado pela solidão.

No dia em que estive na ribalta, no dia que seus holofotes estavam em mim - neste dia fui completamente eu, completamente sua. E me senti especial, importante e totalmente envolvida por uma experiência capaz de mudar a minha vida. Totalmente. Completamente. Você me fez sentir tão viva, tão linda, tão inteira! Eu achei que o que aconteceu ali tinha sido para você o que foi para mim. Eu ainda acho. Mas não sei o que aconteceu depois.

As luzes se apagaram. Eu voltei a ser aquela pessoa mínima e irrelevante que era antes. E você voltou para o pedestal. E é só.

Sinto que estou encolhendo agora, e logo serei novamente o que sempre fui - uma pedaço de rocha, tanto fria como inanimada. Todo o brilho que emana de mim cessará, porque a luz que refleti e me fez brilhar emanava de você. E tudo voltará ao normal, pelo menos para os outros.

Dentro de mim, nunca serei normal novamente. E te agradeço por isso. Você me fez ver minha importância e minha insignificância - tudo ao mesmo tempo. Dentro de mim, a faísca incendiou minha alma. Eu sou a fênix - renasci mais uma vez, por você.

Ainda deitarei minhas oferendas aos teus pés, meu adorado ídolo de mármore frio e intocável. Nunca, nunca me diga o valor real do que houve entre nós.

Naquela tarde em que estive no centro do palco do seu coração.



terça-feira, 4 de maio de 2010

(Im)possibilidades

Vou vestir a roupa nova, vou ao mar! Se tanto, encontro a multidão. Quero estar sozinha, vazia de amigos e intenções, de família e de amores. Quero estar repleta de mim. Em algum lugar nessa areia toda pretendo encontrar-me, nem que seja preciso cavar profundamente!

Do buraco que faço na areia, à procura de mim, mina água salgada e sonho. Não posso emergir, só mergulhar cada vez mais fundo, em busca do segredo que fiz de mim mesma. Este segredo é também meu presente ao mundo. Segredo na água salgada é pérola, doença de ostra, jóia rara para nós, os mortais. Se porventura tiver valor para os deuses, talvez eles a recolham...

Eu - a menina ostra.

Talvez fure algumas ondas. E mergulhe no oceano, com nunca antes. Quero me distanciar da praia, ficar em silêncio, ser tragada pelo oceano e tornar-me parte sua. Deixar-me ficar, flutuando sem pressa, até que os tentáculos do Kraken me envolvam e eu encontre o fim dos meus dias. Se nunca mais retornar à costa, meus compatriotas talvez percebam a ausência de algo, e passem a questionar: o quê?

Eu - a mulher invisível.

E, no final das contas, descobrirei o que já sei: que o meu tesouro é só meu, só a mim interessa riqueza que eu penso trazer aqui dentro, que já se passou muito tempo nessa existência sem que a totalidade do que eu sou fosse descoberta por alguém. E que provavelmente eu sou só uma pseudo pessoa, envolta na minha solidão, entregue à certeza de minha desimportância. Não totalmente real, mais um fantasma que um vivente de verdade. E talvez todos já tenham percebido que sou uma fraude, e seja por isso que vivo tão ao largo, tão separada de tudo, de todos. E a verdade é que já fui engolida pelo Kraken, e o Kraken é a realidade - e é também o portal para um outro lugar. Um lugar onde eu sou.

Eu - uma in(ade)equação de mim.


segunda-feira, 3 de maio de 2010

De mentira

É que você mente.

Todo mundo mente, e isso é a única verdade que ninguém gosta de olhar na cara, porque é uma verdade feia para caralho. Mas você mente, mente sim - e eu também minto! Mas não para você.

Você mente tanto que já se perdeu dentro da tua mentira, e é assim mesmo, no singular. A tua mentira, porque ela é a mãe de todas as outras mini e midi e micro mentiras que você conta, espalha, semeia às dúzias por aí, como se fosse bonito, como se fosse a única coisa a fazer, como se não houvesse alternativa. Mas há alternativa, meu amor: diga a verdade! Diga a porra da verdade!

Olhe em meus olhos só mais uma vez, linda, e admita para você mesma: você mente. A tua verdade está escondida por sob camadas tão grossas de mentira que agora está muito difícil encontrá-la, não é mesmo? Onde você foi parar, depois de todo esse tempo? A minha menina curiosa, sensível e sapeca, aquela menina que tinha o Sol nos olhos, o sorriso capaz de iluminar a minha vida por mil anos - ela está soterrada debaixo de tanta falsidade...

Mas eu amo você assim mesmo. Amo você porque sei que está perdida de você mesma, que numa dessas curvas da estrada você se desencontrou da sua verdade - e por sentir-se sozinha, agarrou-se à essa mentira triste em que se transformou.

A verdade é que você criou esse monstro destruidor de corações por ter sofrido, uma só vez.

E por causa disso me faz sofrer, desde então.

sábado, 1 de maio de 2010

Mr. Postman

Nenhuma carta hoje. E não mais me surpreendo. Já houve, não faz muito, mais de uma me esperando aqui. Dele.

E agora, desde que nossos corpos se tornaram um, desde que comungamos do gozo um do outro, desde que silenciei meus temores e entreguei-me a ele, body and soul, nada.

Detesto dizer isso assim, dessa forma recalcada e infeliz, igualando meu amor a todos os outros que não ele: Homens são todos iguais...

Até meu amor, que é ardente e apaixonado, que me ama diligentemente. Até ele, que me chamou de amor antes que eu a ele, que se assumiu apaixonado, as palavras escritas. Tem de mim o melhor - e disso sabe. Recebe minhas palavras - ora rebuscadas, ora espontâneas, até chulas, quando assim cabem - e não me devolve, nem uma resposta. Às vezes sim, ridiculíssimas três frases num cartão postal. Não, não é preciso adubar chão tão fértil, pleno de amor e palavras que emoldurem seu coração - por certo pensa meu amor, quando lê minhas missivas. Pensa certo, que o amo com um amor desejoso de ofertar altar e incenso, por acreditar ser como um deus o objeto de tal afeição.

Mas também pensa errado - e nesse engano me entristece tanto... Sinto eu também o desejo de ser incensada, não pelas palavras de outrem, assim ditas como uma prece entre lábios pecadores não contritos. Desejo encontrar penitente desolado, pronto a deitar aos pés de meu altar as rosas de seu arrependimento, a dizer do âmago da alma as verdades que já não pode calar em seu coração aflito. Dizer da loucura da sua paixão, do quanto anseia desesperado pelo momento efêmero do encontro, de quão insaciável é sua gana por um beijo, de quanta sede suporta um náufrago na ilha deserta do mundo - sede de mim. Essa paixão avassaladora nunca provoquei em homem nenhum. Ou pelo menos assim penso, pois não o diriam. Homens são todos iguais!

Até o meu amor, que me disse uma vez, a língua molhando a pena, a pena marcando o papel, ser capaz de permitir-se sentir sem limites! E, no entanto, vejo com clareza todas as barreiras que construiu em torno de sua vida real. Barreiras que mantém a mim de fora, e a assepsia do lado de dentro. Enquanto eu sofro sua falta, e invento desculpas para correr à caixa do correio, exponho meu amor sem reservas aos olhos do mundo, e me cubro de pseudônimos para tocar-lhe a orla dourada do manto de Arauto... Eu, que sou Alice para o Gato, Ofélia para Hamlet, Isolda de Tristão e Desdêmona para meu enciumado Othello - que diz não querer saber o que eu faço na minha vida real. E sim, como não, sou Julieta para meu Romeu, Dulcinéia de Quixote, Matilde de Neruda e Simone de Sartre. Todas em uma só. Tão múltipla, e tão negligenciada... Homens são todos iguais(?)

Sim, já lhe disse que falo sozinha. Acabei de desdobrar hoje uma nova possibilidade: conversa comigo mesma. Inaugurei esse diário juvenil para ter com quem conversar, sem desejar resposta. E disse-lhe que preciso de reciprocidade. Pedi explicitamente que não me deixasse sem resposta. Dizem os homens que as mulheres precisam falar o que deles esperam, porque não são adivinhos. Bah! E quando se diz exatamente o que se espera, e não se recebe aquilo que pediu? Qual a desculpa, então? Será que ele percebe meu desejo de laureá-lo, enquanto só recebo frases curtas, exíguas de emoção?

Disse-me um dia que temia estar sendo só corpo e desejo, mas que também sabia que eu era capaz de entendê-lo. E sou. Em mim não há amor, afeto ou cumplicidade dissociados do desejo - este sim imperativo, porque imperador. Eu compreendo: dei-me a ele inteira, por não saber fazer de mim um presente às metades, um bufê de canapés, uma festinha regada a mini drinks e finger food. Eu sou vatapá, bobó de camarão e feijão doce. Feijoada completa regada à caipirinha de limão, couve mineira e laranja em gomos. Só sei me entregar assim. E assim fui devorada. Agora, feita a digestão... Homens são todos iguais.

Ele escreveu sim, dois postais. Num, falava que o frio em Portugal o estava castigando. No outro, pedia desculpas por sua distância de nossa correspondência animada, motivo pelo qual estamos juntos - o que em si já é uma realidade paralela, não exatamente real...

E o que fiz eu? MULHERES SÃO TODAS IGUAIS!(?)

Poderia tê-lo torturado mais um pouquinho, inventado uma desculpa plausível para minha incomunicabilidade, e observado o que ele iria fazer. Mas, e o medo de tornar-me desinteressante? E se ele me descurtisse, assim, de repente, por falta de incenso e ouro? Se o bálsamo se esgota, como ungir o ídolo? E se ele se fosse, e me deixasse agora, quando tornou-se para mim imprescindível, como o ar? Ele é ouro para mim. E não sou adepta de joguinhos. Quantas mulheres não teriam feito seus jogos, e recolhido seus prêmios - ganhando ou perdendo?

Ao invés de jogos, mais louros e bálsamo, aloés e sândalo para o meu amor. Acendi minhas velas em torno de seu pedestal, queimei meu incenso e trouxe presentes, todos feitos de mim: minhas palavras e lágrimas, meu desvelo e atenção, meu desejo mudo e incondicional. Todo o meu ser, embrulhado em papel vistoso e envolvido em fitas de cetim. Como deve parecer bela a oferenda em seu altar... Diz ele que as adora. Sim, sobe o perfume do incenso, do bálsamo e das oblações ao Panteão onde repousa o meu amado. E lhe agrada. E ele o diz. Mas não responde.

Não, ele não olha para mim como a uma sua igual - Homens são de Marte, mulheres são de Vênus.

E Vênus é Afrodite, a deusa do amor, a mais bela dentre as deusas do Olimpo, capaz de despertar amor em qualquer mortal. E Afrodite é mãe de Eros, o Cupido, garotinho terrível, que com suas flechas atormenta a vida dos homens. Que são de Marte, o deus da guerra. Que flechada é mais fatal? A do amor ou a da fúria?

Eu temo por meu frágil coração, tão dividido e tão completo: saber o que se quer not always solves the problem... Quero a loucura e a segurança. A segurança eu alcancei há anos, nessa minha vida real, ainda que não asséptica de sua presença. A loucura, só a tenho de mim - não há reciprocidade. Os muros que me separam da vida real dele são intransponíveis, por tê-los construído assim. Os meus... Bem, os meus são como uma membrana plasmática: semipermeáveis. Para mim, Wonderland is just a blink away. Para ele, ah, he needs to slide through the rabbit's hole. Em mim, o gateway é mental; nele, físico.

Hoje, só por hoje... e isso começa e se parecer com conversa de AA. Escrevo este para não escrever-lhe nada, para que sinta saudades e pense em mim por minha ausência, não pela insistência. Quero que abra a caixa postal hoje ao amanhecer e nada encontre de meu. É, nada de MEU, nada que fale de mim, nada pessoal. Nada das minhas palavras, nem de incenso, ou bálsamo, ou velas, ou oblações.

E que fique triste, ou encanado, ou bolado. Ou que sinta só falta, ainda que remota. E que se desinteresse, na ausência desse aparato mágico! Eu sinto dor física só de pensar nessa possibilidade, mas é melhor que assim seja. Não quero estar me entregando sem receber desse amor o que mais espero: adoração, tal e qual!

Homens são todos iguais - mas meu amado é melhor que os outros, todos.


(Por quê? Por que o aniversário de Wonderland se aproxima...)


As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...