quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Insônia

Era insone contumaz. Não era eventualmente que passava noites em claro, e nem precisava fazer esforço para ver o Sol nascer. Na verdade, esperava que ele nascesse em sua vida - e por isso gostava de assistir ao seu espetáculo diário, como se o próprio ato pudesse fazer de sua vida um novo dia. Sentia que vivia uma longa noite. E pensava que esse era o motivo da insônia.

Nem se lembrava mais de quantas noites passara em claro, algumas vezes assistindo TV, a maior parte delas lendo. E nessas noites eram tantas histórias, tantas emoções diferentes, e o direito de colocar-se em outras vidas, igualmente fictícias - como a sua - e excitantes - mais diferente impossível. Vivia através dessas pessoas, suas aventuras tornando-se tão concretas e edificantes quanto o noticiário matinal, que lhe dava um sono danado. Dormia então, mas só por alguns minutos - a vida diurna era também uma armadilha, da qual não conseguira ainda escapar.

Admirava as pessoas em seu perfeito ciclo circadiano, a passagem do tempo estimulando sua produção hormonal, cortisol e serotonina em perfeita sintonia biológica, sono e vigília em perfeito balanço. Equilíbrio sempre lhe faltara. Equilibrava-se na corda bamba do tempo, enquanto esperava a sua vida começar.

Um dia, um dia como outro qualquer, o Sol nasceria diferente. Nasceria em seu interior, acenderia um fogo perpétuo e toda a espera teria valido a pena. Cada minuto de cada madrugada de cada semana de cada mês de cada um dos anos de sua vida insone se dissolveriam no calor daquele Sol interno, e ele queimaria amarras e libertaria sua mente para a vida, seu coração para uma sensibilidade delicada e sutil, sua visão estreita dos acontecimentos para uma nova perspectiva.

Até lá, permaneceria insone, distante. Mais que uma vida inteira do mundo dos homens e mulheres ao seu redor, mais que um momento de glória, mais que um instante de pânico, mais que a morte e o esquecimento. Até lá, marionete do tempo, viveria num compasso composto, dia e noite como planetas diversos, em sistemas planetários opostos, em galáxias distantes anos e anos-luz, no quebra-cabeças do espaço-tempo que existia bem ali, dentro de si.

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