quinta-feira, 4 de março de 2010

Via láctea

Ele olhou para ela e sorriu. Fixou então seus olhos no firmamento do teto do quarto dela - firmamento de starfix fluorescente - e começou a traçar com a ponta do dedo indicador direito as constelações que ali encontrava: “essa é a constelação do amor perfeito, essa é a constelação da concha do teu ventre, e essa aqui é a constelação do beijo...” ele diz, beijando sua boca – de início meio assim de lado, sem desviar os olhos do teto, para em seguida fechá-los e concentrar-se no beijo – entregando nesse exercício anos de distanciamento frio e calculado, totalmente calculado. O que pareceria na verdade um autodomínio fantástico foi aos poucos se tornando algo desprezível para ela. Saber que ele tinha sempre desejado aquele momento, tanto quanto ela, e tinha deliberadamente adiado aquela felicidade simples e concreta do seu corpo junto ao dela – por acreditar de ainda não era chegada a hora, ou fosse qual fosse o motivo – coloria com uma paleta mais sinistra a imagem desse homem ao seu lado.

Lá no fundo da sua mente, guardados como tesouros preciosos, havia outros momentos com ele, sob aquele mesmo céu de starfix. Muitos beijos roubados sobre o edredom florido em tantas tardes como aquela, tantas conversas – longas e profundas conversas – fitando o teto fixamente, como que buscando nas estrelas o motivo para estar ali, nos braços dele, como uma simples amiga, até menos, como um ouvido. Tantas reflexões filosóficas a respeito da impermanência, e tantas justificativas injustas para seus porquês complexos. Ele chegava como ia embora – de repente. E ocupava o seu amor irrestritamente. Era um amor antigo e arraigado, era uma erva daninha e um narciso também – mas tinha um propósito, ou assim ela pensava.

Lembrou-se de tardes solitárias, entre outubro e janeiro, deitada de costas sobre aquela mesma cama. Das lágrimas que derramou por ele, inúteis lágrimas por alguém inatingível. Ela tinha imaginado todo esse tempo que era para ele mera diversão ocasional. Ele se deleitava com seus afagos constantes, sua presença adoradora, seus olhares encantados, os pequenos mimos que lhe dirigia – como oferendas no altar de um deus pagão. Tudo aquilo parecia tão inútil agora. Todos aqueles momentos partilhados com ele, ou com seus pensamentos nele, tudo inútil. Não havia amor para cativar ali. Era outro tipo de sentimento. Era mais amargo – e, embora ela não soubesse exatamente que nome dar àquilo, sabia que não era amor.

De sua parte, o amor era uma constante, tão invariável quanto qualquer constante da física. Ela sabia, desde a primeira vez que seus olhos encontraram os dele. Sabia como quem sabe seu nome desde que se entende por gente. Era um amor tão concreto que se podia sentir, material. Amor traduzido em atos e palavras. Amor que continuaria sendo amor – mesmo na ausência de recíproca. Mesmo na solidão do quarto, mesmo em cada rejeição reiterada, mesmo com a diminuição de si mesma. E sim, ainda seria amor. Mas ela não queria mais.

Cada fibra de seu corpo – que antes ansiara pelo toque delicado e viril daqueles lábios nos seus – parecia agora se retesar com a perspectiva da continuidade daquela troca de fluidos. Ela não queria mais aquilo. Ela quisera, era verdade. Fora verdade até aquele momento. Não era mais – e ela sabia que, dessa vez, não conseguiria – nem queria - fingir...


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