sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Da natureza do amor

Enquanto sua mente lasciva divagava a respeito da possibilidade de solucionar o cerne de seu desejo – sem qualquer culpa ou dificuldade – no dia seguinte, nos braços do outro, ela ainda esperava por ele, mínimo que fosse o interesse que ele lhe dispensasse ultimamente.

Era o amor, e o amor somente, aquela pétala túrgida e eriçada, que reagia às mínimas ondulações do ar a volta dele com emanações de calor de seu próprio corpo, como se ela mesma fosse uma fonte de energia geodésica, tão natural quanto ilimitada, tão poderosa quanto delicada – originando-se e morrendo nele como ondas em um mar revolto.

As alterações na modulação da sua voz, a aceleração de seus batimentos, sua respiração descompassada e ofegante – as reações fisiológicas em seu corpo eram tão explícitas quanto visíveis – já faziam parte do pacote, seus olhos procurando por ele, todo seu corpo buscando sistematicamente uma maneira de diminuir a distância física entre eles... Ela imaginava o quanto de crueldade alguém precisa trazer em si para divertir-se às custas de uma dor dessa magnitude. Ou o quão calculista uma pessoa precisa ser para resistir à força de um sentimento desta magnitude.

Ela se obrigava a rotina, e sabia que somente a rotina podia impedir que se precipitasse nesse turbilhão. Uma vida regrada era tudo o que lhe restava, e muito embora ele fizesse parte de seu movimento de translação semanal, ela sentia que havia ordem no caos por causa da rotina. Ligar para o outro era uma peça do quebra-cabeças rotineiro. Pegou no telefone, resoluta. “Vamos acabar com isso”.

Dia seguinte, as tarefas domésticas cumpridas, filho para a escola, mãe no chuveiro. Determinada a não fazer feio, ela lavou os cabelos cuidadosamente, fez a pedicura, usou a lâmina para livrar-se dos pêlos inconvenientes, espalhou óleo perfumado pela pele. Permitiu-se demorar um pouco mais sob a água fria, seu corpo estremecendo levemente enquanto seus pensamentos vagavam – como numa máquina do tempo – até as imagens do que aconteceria a seguir. Estaria nos braços do outro por toda uma tarde. Conseguia até sentir os dedos dele, sua língua, o toque de sua pele, o calor. Sabia que encontraria volúpia e satisfação naquelas horas do porvir. Com ele todo dia era sexta-feira, toda cama era um altar, e a celebração da vida era uma devoção ardente. Com ele, seu corpo era como o de uma vítima, o sacrifício perfeito - e ele, como um deus pagão, entregava-se a essa oferenda, enquanto a possuía tomado por um frenesi quase ritual. Nos braços dele, ela era também a deusa, obsequiada e venerada – cada desejo seu atendido, cada exigência acatada – e satisfazê-la era o centro do culto, sua razão de ser e seu objetivo final. E o altar de carne e sangue em que a cama se transformava, lavado pelos fluidos de seus corpos, era sacralizado naquela comunhão obscena. Nesses pensamentos perdia-se docemente, o básalmo do esquecimento – oh, sweet oblivion! – vertido sem reservas sobre ela, a certeza de que tudo era perfeito, mesmo que fosse pecaminoso e insensato.

Todos os seus desejos, a carne acesa, o peito descompassado, seus sentidos despertos – tudo isso seria passado em poucas horas. Voltaria para casa, pegaria o filho no curso de inglês no caminho, prepararia um jantar bem esmerado, com direito a sobremesa. Faria amor com o marido, mesmo depois da maratona sexual da tarde, pois jamais deixaria pontas desatadas – e nisso era uma quase profissional.

E no exercício de futurologia em que estava imersa – como na água morna do chuveiro – ela sabia também que, enquanto sua mente estivesse mergulhando no torpor do pós-sexo, nos momentos que antecedem o sono profundo, os olhos atentos da imaginação fitariam os dele. E nesse olhar, um milhão de palavras não-ditas, entre adjetivos e vocativos, derramar-se-iam sobre ele – como seu próprio coração.

Nenhum comentário:

As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...