terça-feira, 9 de março de 2010

Álbum de casamento

De tempos em tempos ele se senta, aquele álbum já tão desgastado pelo manuseio insistente entre as mãos trêmulas, respira profundamente, e o abre. Sempre suspira, e surpreende-se com aquele lindo sorriso, luminoso e radiante, ali registrado desde o dia das bodas. Já tantos anos idos, já nem se faz mais isso – vestido de noiva, toda de branco, a manhã azul fulgurante como seus olhos, os cabelos entrelaçados a pequenas margaridas, a renda delicada envolvendo seu corpo – e a igreja cheia, esperando por ela. Na seqüência daquela foto estão as outras, cada momento da cerimônia ali registrado, os amigos, a família, os alunos dela que apareceram para testemunhar a união, a emoção dos dois transparecendo em cada momento capturado pelo fotógrafo experiente, até o padre comovido – por causa daquele anjo que resolvera casar-se com ele. Disso tinha certeza.


No entanto, nunca vira as páginas. Deixa-se ficar ali, diante da primeira foto da coletânea. Ela. Sozinha, brilhando, a sua luz como uma estrela, sua beleza ofuscando seus olhos hoje como sempre, como a cada vez que os pousara sobre ela durante toda a vida que partilharam. Jamais passou incólume pela experiência de fitá-la. Tinha sido um choque constante, era um viver alarmado. Com sua beleza. Era a mulher dele, dormira e acordara a seu lado mais vezes do que o fizera sozinho. Nunca pudera se acostumar com aquele rosto de beleza invulgar. Ao olhar ali, aquela foto, aquele registro de uma felicidade ímpar, tem a impressão de que poderia ter sido tirada ontem, o frescor da expressão de seu rosto, a harmonia dos traços, algo de indefinível - indecifrável – em seu sorriso de Gioconda. Ao mesmo tempo, toda a ambientação rescindindo o perfume de tempo pretérito. Pretérito mais que perfeito. Não desiste de desvendar o enigma, e acredita que será para sempre prisioneiro dessa tortura suave, aquela beleza tão datada quanto atemporal. Tão datada quanto o jornal de hoje, tão atemporal quanto a translação dos planetas – randômica e ordenada – em torno do Sol, uma dança constante como o próprio tempo – como o seu amor por ela: datado e atemporal.


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