quinta-feira, 30 de julho de 2009

Olinda

Sentindo o perfume da cidade entrar pela janela entreaberta, ela se preparava para os mistérios que desbravaria no novo dia. Era a terceira manhã, e seu coração já havia decidido o destino, muito embora ela não tivesse consultado suas companheiras de viagem. Sentia que precisava fazer aquele passeio sozinha. Suas amigas só conseguiam pensar em curtir a badalação da cidade, ver os points da galera, pegar uma praiana. Tudo o que faziam em casa. Ela era diferente. Seu pensamento estava sempre no novo, em o que havia de belo e sujo, de dissonante e contraditório, de peculiar e delicado, em cada um dos lugares que visitava.

Daquela vez não seria diferente. Ou seria? Ela sentiu uma inquietação interna, quase uma pulsão - do momento em que seus pés tocaram o chão daquela cidade. Sentia-se atraída por aquele lugar. Como poucas vezes antes. Como nunca - agora que pensava nisso.

As meninas acordaram já de canga e protetor na mão. Ela fez cara de cólica. Era batata. Ninguém força barra - nem torra o saco. Ela teria o dia livre para curtir seu programa, e estaria de volta antes delas - disso não tinha dúvidas. "Ratas de praia como são... Vou, volto, e elas ainda nem pensaram em sair de lá..." Desta vez não podia estar mais enganada.

Deu um tempo até que as meninas tomassem o caminho da areia. Só então levantou-se e tomou um banho. Um café da manhã reforçado seria um bom começo. Afinal, ela teria que andar muito naquela cidade - e ela quase podia ouvir a mãe dizendo "Come, menina! Saco vazio não pára de pé..." A dona da pousada até estranhou:

"Ôxi, ficou prá trás, é? Visse isso, Arnaldo? Essa menina tá desgarrada..." E os dois riram muito - com ela.

"É que eu estou meio indisposta... Prá praia, pelo menos. O que mais se faz por aqui?"

"Como assim, menina?" A dona Maria era aquele tipo de pessoa que te olha e te enxerga de verdade. "Você deu um baile nas Cajazeiras, é? Que espertinha, visse Arnaldo?" Seu Arnaldo nunca abria a boca, só acenava um acordo - e parecia automático. Talvez fosse a melhor maneira de conviver com uma fêmea dominante... Ela riu daquele pensamento, e, como não continuassem a prosa, concentrou-se na tapioca de côco e queijo. Foi alçada de suas divagações por um toque suave:

"A menina espera mais do passeio, né isso?" Era Seu Arnaldo. Seu Arnaldo! Ignorando seu olhar de surpresa incrédula, ele prosseguiu:

"Vá passear à pé na cidade, vá olhar os cantinhos, visse? Lá donde viesse tem praia, né não? Então... Pegue um ônibus, se misture co'as pessoas daqui, pergunte onde pega ônibus prá Olinda... Vá olhar Olinda de perto... É lá que bate o coração de Pernambuco... Lá é a terra do Maracatu..." O seu olhar ficou perdido. Ele estava falando com o coração. Seus olhos marejados calaram qualquer comentário jocoso. Ouví-lo dizer só confirmava o que seu coração adivinhou. Ela sentiu que era aquilo que ela viera fazer ali. Sentir daquele maneira. Encontrar algo perdido - que nunca tivera, mas era seu. Agradeceu comovida:

"Obrigada, seu Arnaldo. Eu vou fazer tudo isso. Vou sim."

"Eu sabia que você era diferente das outras, visse, bichinha..." Eu sorriu. "E é Naldo. Prá você, só Naldo, minha filha." Ela sorriu e deu um abraço no homem - não pode conter-se. Ele era como um tio, um tio avô - pela idade. E lhe queria bem. Ele devolveu o sorriso e lhe acenou a saída dos fundos - sem palavras - enxugando as lágrimas na fralda da camisa.

Sem perder tempo, ganhou a rua. Estava livre pela primeira vez desde a chegada, e aquele dia era dela! Não demorou muito para chegar até o ponto de ônibus, e logo descobriu que devia pegar o Rio Doce. Os dez minutos de espera se arrastaram, ela estava ansiosa, e não sabia porquê.

Quando a condução chegou, ela pulou prá dentro sem cerimônia. Foi até maleducada, afinal podia ter dado a vez paras as velhinhas. Ms não pode conter-se - tampouco desculpar-se. Teve tempo para olhar a sua volta, enquanto o ônibus dava voltas pela cidade. Era uma linha movimentada, e passava pela periferia antes de tomar o rumo da cidade vizinha. Ela estava hospedada num hotel três estrelas, no bairro mais badalado da cidade. E agora transitava por ruas totalmente diferentes, onde ela via a cara do povo recifense de verdade, onde ela se confrontava com a realidade e as contradições de uma cidade tão diferente e tão igual à sua. Teve certeza de que estava fazendo a coisa certa. O que ela queria era entender a alma daquele lugar, não contemplar sua fachada "para inglês ver".

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