quarta-feira, 8 de julho de 2009

Negro - parte dois

Tantos anos ele havia resistido. Lutara - não contra o sentimento - mas para não revelá-lo a ela. E agora suas muralhas ruíram, e ele não pôde mais se conter. Enquanto dizia, de seus olhos corriam lágrimas. "Agora ela vai me humilhar, vai brigar comigo, vai gritar e perguntar por que eu nunca contei aquilo antes" - ele pensou, enquanto, em seus braços, a mulher mais importante da sua vida se virava, incrédula, para olhar para ele.
- Você disse isso mesmo?
- Disse Ana. Disse sim.
- Por quê?
- Porque eu precisava dizê-lo. Porque hoje é um dia tão bom quanto qualquer outro, porque é verdade, sempre foi. E porque eu não sei se você vai querer me ver de novo... Eu te amo, Ana. Sempre te amei.

Disse isso olhando em seus olhos, dessa vez. E ela ouviu, pela segunda vez em menos de dois minutos, o que desejara ouvir toda uma vida. Não conseguia atinar, faltava-lhe ar e ela não sabia se aquilo estava mesmo acontecendo. Toda a sua vida construída, todas as escolhas que fez, as fez depois de excluída aquela possibilidade. Ela pensava que jamais haveria outra chance com ele. E chorou muitas noites em silêncio, seus gritos presos na garganta, o rosto enterrado fundo no travesseiro encharcado de lágrimas - muitas lágrimas. Ele era o homem que queria. Ele negou-se a ela toda a vida. E oferecia agora o que ela sempre quis, mas não poderia ter agora. Sua vida tinha outras prioridades. Sua família dependia dela, seus filhos eram sua responsabilidade full time - o marido era diretor de uma multinacional, da divisão da América Latina, e viajava constantemente. Ela era o sol de seu pequeno sistema planetário. E eles precisavam de sua gravidade para se manterem no espaço. Como ele podia fazer aquilo? O que ele esperava que ela fizesse com aquela informação?
- Eu não sei o que dizer, Leo...
- Você não precisa dizer nada, Ana. Você sempre disse. Sempre deixou claro, nunca dissimulou nada, nunca se escondeu atrás de desculpas para se manter livre e continuar aproveitando sua vida... Se eu tivesse sido homem, tinha casado com você quando fui transferido para a Turquia. Teria te levado. Minha. Minha mulher. Hoje, tudo é diferente...
- É... Tudo é diferente - ela disse baixinho, como para ela mesma. Mas a paixão era a mesma, dentro dela a mesma chama castigava seu coração. Estava para sempre presa naquela armadilha. Nunca o recusaria. Só que agora era diferente: ela não poderia ser dele. Nunca. Por motivos escolhidos por ela, eleitos para a sua vida quando ele a deixou.

Seu silêncio era uma surpresa para ele. Esperava que ela tivesse explodido em palavras, que o tivesse xingado e torturado com sua retórica. Mas ela calara. Ele olhou para ela e viu o motivo - ela nunca gostou de se ouvir falar chorando.
- Você me ofereceu uma coisa que eu sempre quis, mas agora não posso ter, não posso querer, Leo. Eu tenho a vida que escolhi. Eu sou mulher de um homem, e mãe de seus filhos, dona de uma casa linda, gerencio os negócios do meu pai... Eu tenho uma vida, Leo! Eu tenho compromissos, e não quero nem vou abrir mão deles!
- Nem eu quero que você faça isso. Me perdoe por tê-lo dito. Se eu soubesse que você ia se sentir mal por isso, jamais teria dito. Parece que eu fui feito para te fazer chorar.

Ainda assim, se olharam. Não era nada disso, nem daquilo. Um não tinha expectativas com relação ao outro. E no entanto, não deixavam de se querer. E desejavam - os dois - que houvesse um mundo paralelo onde pudessem viver aquele sentimento. Abraçaram-se longamente. Dentro de cada um, tantas perguntas e nenhuma resposta. E seus lábios se fecharam num beijo molhado de lágrimas. Era instantâneo, e irresistível. O desejo indissociável do amor, o desejo que sempre se pronunciara, a única coisa que sempre fora clara em eles. Jamais seriam indiferentes um ao outro.

Tocaram-se novamente. E sabiam que dessa vez seria totalmente diferente de todas as outras: finalmente sexo e amor, uma coisa só. Seus corpos se uniram como antes, como de outras vezes; a cada vez que seus olhos se encontravam, ficavam fixos um no outro. Nunca tinham se amado daquela maneira, como se olhar para o outro fosse mais erótico que o próprio sexo. Estavam descobrindo que os olhos eram as zonas erógenas da alma. E suas almas se amaram como nunca. Dessa vez - pela primeira vez - ele estava desarmado. Conquistado. E nunca sentira tanta plenitude.

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