quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sobre livros... e love

Acordou com gosto de sangue na boca. Ao seu lado, um homem que não conhecia. As paredes a sua volta, e os lençóis que envolviam seu corpo... Nada ali era familiar. No entanto, o que acontecera ali não tinha sido banal. Trivial. Não.

Especial. Sublime. "Isso. Sublime." Ela sabia que amava aquele homem, e nem sabia quem ele era! O sangue em sua boca era dele. Nos lábios dele, um corte feito por dentes - os dela. Ele havia permitido aquela loucura. E talvez por não ter parecido a seus olhos insanidade. Talvez ele não soubesse o que aquilo significava para ela - o sangue. "É o maior presente, é a vida! Por todos os deuses, como alguém pode não saber o que o sangue significa?"

Olhando a sua volta mais uma vez... Vestígios de sexo por todos os cantos. Lembrou-se vagamente de pulsos atados, e olhos vendados. Sentiu o gosto da saliva e da semente daquele homem no fundo da garganta, como uma lembrança inquieta. Fechou os olhos para rememorá-lo melhor. E depois os entreabriu, e fixou seu olhar naquele homem. Ela nunca mais o veria. Mas ele entregou-se a ela como poucos. E a tocou como poucos - seu corpo, sim. Mas principalmente sua alma. Ela sabia ter aberto um espaço mínimo - quase uma fresta - todas as vezes que se deitara com um homem. Esse fora o terceiro capaz de tatear essa fresta e penetrá-la com os dedos da alma, tocá-la com mais que pele e suor, desejo e fúria - com paixão.

Ela sabia daquela paixão como que por instinto. Ele dissera, em algum momento da noite. Mas não foram suas palavras que lhe comunicaram a verdade daquela afirmação. Ela sentia dentro de si, num lugar íntimo e úmido do peito. Ele estava apaixonado por ela. Ela era a própria paixão. E raramente permitira-se apaixonar, como então. Sentia-se atraiçoada agora. "Ele encontrou a fresta. E agora vai embora, maldito. Vai retirar-se de mim como os dois outros antes dele. Era eu que devia me retirar desse jogo perigoso. Para sempre! Fechar a maldita fresta de uma vez. Nunca mais amar, nunca mais sentir..." Imediatamente um arrepio percorreu-lhe todo o corpo. Isso seria pior que a morte. Preferia sentir intensamente, para perder. Mas sentir. E ela não podia saber se ele iria retirar-se. Não com certeza. Mas tinha a intuição...

Ele tinha família, e ela sabia disso. Talvez pensasse que era melhor não estar mais com ela, para não fazer sofrer a esposa, as filhas... Ela não estava interessada naquilo. Ela queria somente sentir a verdade da paixão que ele proclamara, mas não sustentaria, agora que o dia raiava e seu vôo partiria em três horas. Quando ele partisse, agora que a paixão se fizera carne, suas emoções se retirariam do cenário. Aquele cenário de luxúria e apego, de carne e sangue, do encontro de almas. Era um quarto de hotel. Nada mais óbvio. Nada mais comum. Incomuns eram os dois... E ela ficaria ali, sentada no meio das cinzas do que acontera. Ali. Littered...

Sentia-se um lixo. E as lágrimas que reprimira por todo o tempo desde o despertar começavam a rolar por suas faces, e os olhos náufragos, sem esperanças. Ele estava acordando, agora. Ela não queria que ele a visse chorar.

- Bom dia, meu amor. - Tanta verdade naquelas palavras... Ela replicou:
- Sim, meu amor, bom dia. E que lindo dia para voar, não é mesmo?
- Se pudesse ficaria mais um dia ou dois, mas é que... Ela o interrompeu, os dedos sobre seus lábios.
- Isso é problema seu, meu amor. Não traga isso para cá. Esse lugar não é exatamente um confessionário...
- Ok. Se você prefere assim... Eu devo voltar a São Paulo semana que vem. Você me encontra?
- Claro. - Aquele pedido era como luz no meio das trevas. Ela estava disposta a mendigar para se sentir desejada daquela forma novamente.

Ele foi tomar banho. A promessa de um novo encontro deixou-a mais animada. Ela sentiu que talvez esse homem pudesse entender que ela não queria nada além da certeza de ser desejada, amada, alvo da paixão de alguém. Ela precisava disso, e disso somente. Era o que a faria sentir viva de verdade. Aquelas horas entre o anoitecer e a alvorada, quando suas vidas reais ficariam em standby, e eles estariam nos braços um do outro novamente. "Dane-se o resto" - ela pensou, enquanto observava seu ritual de vestir-se. Ela já estava pronta há horas.

Desceram juntos até a recepção. Ele pediu dois taxis. "Leve a moça onde ela quiser ir", ele disse ao motorista do taxi onde ela estava. "A cooperativa vai cobrar no meu cartão de crédito."

- Você me liga quando chegar em casa? Ele perguntou, sorrindo.
- E você, me liga quando chegar na sua? Ela retribuiu o sorriso.
- Claro. Não quero que se preocupe.
- E quem disse que eu vou?
Os dois riram muito. E beijaram-se pela janela do taxi. A um seu sinal, o motorista arrancou.

- Esse homem gosta da senhorita... Bem, para onde vamos?
- Cidade universitária.

O trajeto correu tranquilo. A cidade mal tinha acordado e as ruas ainda estavam pouco movimentadas. Quando chegaram diante do prédio da biblioteca, ela pediu:

- Pode parar aqui mesmo, obrigada. - Deu ao homem dez reais de gorjeta. - Um bom dia para o senhor, e uma boa semana de trabalho.
- Igualmente, senhorita.

O homem foi embora pensando que nunca tinha visto uma mulher tão linda - nem tão triste. Devia ser mesmo muito triste amar um homem que vivia em outra cidade. E devia ser muito triste para ele também ter que dar as costas a uma deusa como aquela. Se fosse com ele, ia querer voltar para ela todos os dias: encontrá-la, amá-la e dormir aconchegado em seus braços. Aquele era um homem de sorte...

Ela observara o taxi afastar-se e só então voltara-se para subir os degraus da biblioteca. Enquanto olhava o taxi, mentalizou uma semana inteira de muitas corridas curtas - que são as mais lucrativas - e algumas longas, com clientes interessantes, que se tornariam regulares. Ela não costumava presentear as pessoas assim, tão graciosamente, mas intuiu o carinho que o homem sentira por sua situação - e resolveu retribuir, porque tinha poder para isso.

Desfilou por entre os corredores da biblioteca, arrumou algumas prateleiras, limpou a lombada de dois ou três livros queridos. Estava chegando a seu destino.

Naquela última mesa do último corredor, aberto ainda na mesma página, estava o seu livro. Sorriu para ele. Da página da direita, sorria-lhe de volta um fauno:

- E então? Encontrou dessa vez?
- Ah, meu querido, e como encontrei...

Os dois riram muito. Agora era hora de voltar para casa. Seus dedos deslizaram pela mesa até o contorno da página aberta. Ao toque sutil de seus dedos, a página a recebeu de volta. Com um bruxuleio suave de luz amberina, ela voltou para dentro do livro.

- Bem vinda de volta, Musa!



Um comentário:

Glória Celeste disse...

Ela só precisa de mais 20 votos até o final do dia 1 de dezembro.

http://portalliteral.terra.com.br/banco/texto/sobre-livros-e-love

Gente, vamos ajudar esta autora a divulgar este belo trabalho!!

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