domingo, 14 de abril de 2013

Náusea (publicado originalmente em 26/06/2009)

"Merda, eu devia ter ficado em casa!"- pensou, enquanto tirava o sutiã apertado e o vestido preto. Estava chegando de um dia infernal. Na verdade, se houvesse um botão erase na vida, que só pudesse ser usado uma vez, era esse o dia que ela apagaria da sua história...

"Um velório é uma boa maneira de começar o dia..." Estava cansada física e emocionalmente, seus pés e olhos ardiam igualmente, mas só seu coração chorava agora. Não comeu nada o dia inteiro, e mesmo assim sentia náusea. E dai para frente, foi ladeira abaixo. Maldita náusea.

Depois do serviço funeral, o momento mais terrível: fecharam o caixão. Ele lá dentro, tão parte de si e tão diferente... "Ele é outro e eu" - era o que ela dizia, se lhe perguntassem. Mas e agora, e agora? "Ai, não, não, por favor, não..." Lágrimas, e a sensação que a vida tinha acabado. Não ainda.

O sepultamento. Inexplicável a dor. Seu corpo conheceria o decaimento. "Merda, seu cretino, você prometeu..." O plano de velhice juntos, mesmo que separados. " Sempre seremos amigos, peixinho dourado." Era como ele a chamava. E eram amigos sim, e foram muito mais que isso, por todos aqueles anos, desde a escola secundária.

Os anos passaram velozes e afastaram suas vidas, mas nunca estiveram a mais de um telefonema de distância um do outro. "Merda, você prometeu. Eu tenho 40 anos, merda! Onde vou achar outro você?"

Foi ao trabalho depois do enterro. Todos perguntaram se não era melhor que voltasse para casa. "Não, gente, é sério, eu estou bem, consigo trabalhar na boa..." Era mentira. Ela só pensava em Valium e Whisky, era melhor ficar ali, cercada de gente bisbilhoteira que aparecia a cada 20 minutos para comentar alguma bobagem, ou perguntar se precisava de alguma coisa. "Eu sou uma malagradecida. Eles estão tentando ser legais... Mas eu preciso morrer hoje. Na verdade, já morri. E os vermes já estão começando a devorar meus tecidos - é questão de tempo, agora." Ela sentia o cheiro da morte em seu corpo. Estava apodrecendo, não havia como escapar da escuridão daquele caixão - as paredes se fecharam sobre seu corpo, mas era ele - e não ela.

No fim do expediente alguns colegas convidaram para um Happy hour. Ela pensou que não havia nada de mal naquilo - e ela precisava de um drink desesperadamente. E encheu a cara, literalmente. Tudo, mas principalmente a tequila - seu calcanhar de Aquiles. Um alcoólatra nunca toma mais de uma dose. E não se lembrava de quantas tequilas...

Alguém a trouxe para casa - amanhã isso seria mais um motivo de preocupação entre os colegas no trabalho. Ela não ligava, naquele instante não importava. E ela não pensava muito em what ifs...

O porteiro da noite era um cara calado, alto, forte, sexy. Ela resolveu comê-lo ali, quando notou seu olhar para ela. E não precisou dizer nada: beijou o homem voluptuosamente, o beijo que era para a outra metade de si, que desaparecera sob o chão...

O sexo insano e selvagem, sem ritmo ou cadência, trouxe mais desalento na bagagem. Ele era gostoso, beijava bem e chupava melhor ainda. Pegava forte - ela teria hematomas, com certeza. Rasgou-lhe a calcinha. E guardou no bolso. "É fetichista... Vai guardá-la junto com as calcinhas das outras, minhas vizinhas." Riu sozinha. Gozou três vezes. Foi uma ótima idéia. "Orgasmos são incrivelmente relaxantes, aposto que vou dormir em cinco minutos..." Mas para quem ela contaria essa história? O amigo, confidente, amante, tutor, agente, empresário, cliente, rolo, sócio, marido, ex-marido, marido de novo... Onde o encontraria? Será que algum dia se veriam de novo? Riu de si mesma. "Nessa maldita hora a idéia é reconfortante. Mas não há nada, ele se foi, e com ele muito de mim. Essa parte se perdeu para sempre. Voltou a ser poeira de estrelas, o meu amor..."

As lágrimas desceram caudalosas, soluçava incontidamente, a náusea, a dor de cabeça da ressaca, os gritos que abafou o dia inteiro... Tudo chegava à tona, sua alma em chamas, chagada, flagelada, meio morta... "Ai, a dor, merda! Eu quero sumir, por favor, me deixe desaparecer com você!"

Esquecimento... Não, ali não. É só assim que se fica aqui, nesse mundo infeliz - nas lembranças dos outros. Ele bem que podia escolher outro lugar para morar. Ela queria o esquecimento. Mas jamais conseguiria fazê-lo, era esquecer-se de si... "Amnésia, mal de Alzheimer... Please, hurry up!"

Náusea... Ânsia... Vômito! Antes que percebesse. Sua cama, seu chão, seu tapete. As paredes do corredor. E o chão do banheiro, antes de conseguir chegar ao vaso sanitário. "Puta merda, vou passar a madrugada limpando tudo isso". Tomou um banho gelado. Ficou muito tempo deixando a água descer por seu corpo. Vestiu o roupão e começou a faxina. Lavou lençóis, edredon e toalhas, o piso do banheiro.

Muitos panos de chão depois, a casa limpa, sentou-se no sofá e ligou a tevê. Ficou zapeando a noite inteira... Nada interessava. E vomitou a noite toda, entre lágrimas e soluços. Não podia dormir nem estar acordada. Ficaria entorpecida, até que parasse de sentir a maldita náusea...

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