domingo, 17 de outubro de 2010

Permanência (parte 2)

A viagem acabou parecendo mais curta, à medida que o distanciamento dava lugar à antiga intimidade. Afinal, tinham sido colegas por três anos - até que se tornaram amigos. Muitas viagens de trem depois, a amizade se transformou em outra coisa. Claro que todos os amigos em comum já tinham percebido que havia fogo sob aquela cortina de fumaça - mas eles não pareciam dar atenção àquilo. Pelo menos até uma tarde chuvosa de maio, em que se sentaram num banco sob o bloco E (de engenharia) e ela deitou a cabeça displicente em seu peito, os olhos cerrados.

Ele nunca mais olhou para ela do mesmo jeito depois daquilo. A única coisa em que podia pensar era que precisava encostar seus lábios nos dela, descobrir que gosto tinha sua melhor amiga, tocá-la de alguma forma que não fosse fraternal. Nem sabia dizer de onde viera o impulso, mas jamais se arrependera - fora o melhor, mais intenso e apaixonado beijo que ele já havia experimentado na vida.

Ela nunca soubera de onde aquele beijo tinha vindo, mas também não sabia dizer por que diabos ele tinha demorado tanto para tomar aquela atitude. Ela não tinha olhado para ele daquela maneira antes. Só que, naquele momento, seus lábios nos dela, parecera a única coisa certa nesse mundo. Ela jamais havia sido beijada daquele jeito. Nem jamais seria. Tudo nele era perfeito para ela, e só ali, em seus braços, ela tinha finalmente percebido isso.

Mesmo agora eles viviam à sombra daquele beijo. E ainda persistia aquela cumplicidade antiga, derretendo o gelo de anos de distância e ressentimento. Eles não se atreveram, entretanto, a verbalizar o que estava claro. O equilíbrio retituído durante as breves horas do trajeto, desde que o gelo fora quebrado, era delicado, e nenhum dos dois estava disposto a brigar. Curiosa e surpreendente, a trégua se estabeleceu sem que fosse necessário discutir seus termos - e ambos sabiam que era melhor assim, para o bem do fim de semana.

Chegaram ao hotel em pouco mais de duas horas, e ainda estavam rindo quando saíram do carro. Deram de cara com uma Helena tensa e uma Renata temerosa. Rachel apenar sorriu e cumprimentou as amigas:

- Olá, comissão organizadora! Parece que foi ontem a formatura, hein? Esse lugar não mudou nada...

As duas se entreolharam, desconfiadas:

- Fizeram boa viagem? - Foi a vez de Luís responder:
- Claro! Ou vocês pensaram que a Chel ia chegar aqui com o meu fígado meio comido?

Todos riram, e foi o suficiente para descontraí-las, e ele se afastou para pegar as malas no carro. Quando se viram sós com ela, as duas começaram a inquisição:

- O que aconteceu, Chel? Ele se comportou durante a viagem, ficou tudo bem?
- Nossa, meninas... Eu pensei que tivesse dado para perceber que a gente veio bem. Começou meio mal, mas a viagem acabou sendo tranquila. Eu vim dirigindo desde o posto de gasolina. Foi legal.
- E... você está bem, amiga?
- Por que não estaria?

A ausência de réplica fez cair entre elas o véu da trégua, e quando o Luís voltou com as malas, ela pode ainda sorrir e agradecer - e receber seu sorriso de volta. Um sorriso aberto, largo, cheio do charme que ele sempre transbordara. E com aquele ingrediente secreto, capaz de tirá-la do sério. Ela pegou sua bagagem e virou-se em direção à recepção, para evitar seu olhar penetrante. E vestiu a armadura, apesar da trégua. Era preciso se preparar para o ataque surpresa...

(To be continued...)

2 comentários:

Dani disse...

Estou já à espera do que vem por aí!

Patrícia Siciliano disse...

Obrigada, amiga :)

Me manda a correção, não esquece. Só não me acostuma mal, porque quando eu montar o livro, você vai acabar sendo editora... :D

Bj!

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