sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Permanência (parte 3)

Rachel e Luís eram os únicos instalados na casa grande. Os outros colegas tinham optado por apartamentos ou chalés, para acomodar a filharada. Parecia que só os dois tinham pedidos quartos simples, e ela ficou imaginando por que a Maria não viera - mas preferiu não perguntar. Embora a trégua estivesse estabelecida, não convinha cutucar a onça, e ele era hipersensível - talvez se ofendesse com a pergunta e tivesse um ataque. Ela preferia a trégua, porque não queria ter de lidar com um clima no meio do fim de semana. Ele a ajudou a subir com sua mala, e descobriram que estavam no mesmo andar:

- Quer que eu te acompanhe até o quarto, Rachel?
- Não precisa, Luís, sério. Eu posso arrastar a bagagem daqui em diante. - Ele sorriu e aquiesceu.
- Tudo bem, então. A gente se vê no brunch?
- Claro! Imagina o chilique que a Renata vai dar se eu não descer?

Despediram-se entre sorrisos, com um aceno de cabeça - e ela ficou grata por isso. Preferia evitar o contato físico. Enquanto se afastava, ela pode sentir o olhar dele sobre ela, acompanhando-a a distância. Aquilo sempre a perturbava, aquela mania dele de bancar o bom moço, como se estivesse cuidando dela mesmo sem estar ao seu lado. Incrível como no passado era uma das coisas mais sedutoras a seu respeito...

Já instalada, Rachel resolveu tomar um banho antes de descer até a área de convivência do hotel, onde todos os ex-colegas se reuniriam em poucos minutos para um brunch. Era a idéia de Renata de uma abertura chique para o evento: "ah, gente, não é o máximo? Bebericar um prosecco e jogar conversa fora entre uma beliscadinha e outra?"A Rê sempre fora a fresca da galera - mas tinha bom gosto, e ninguém negava. Era um luxo sim, e todos acharam a idéia ótima. Ela olhou o quarto e ficou muito satisfeita. Era o mesmo em que ficara instalada durante a viagem de formatura. Ficava no final do corredor da ala norte do prédio. Por isso, tinha duas janelas: uma dava para a frente do hotel e a outra estava voltada para a área da piscina natural. Se ela se sentasse nesta, podia ver ao fundo as estrebarias e a área de arvorismo - um pré requisito moderno para hotéis fazenda como aquele. Ela achou maravilhoso estar ali de novo, e inspirou profundamente. Adorava o cheiro de grama recém aparada, da água daquela piscina, o cheiro dos estábulos até. Sobre a cama, havia um pequeno arranjo de flores e uma cestinha com bombons - um brinde de boas vindas - e junto a eles um folder com a programação do hotel naquele fim de semana. Ela sentou na cama e passou os olhos pelo impresso. E não pode conter uma gargalhada. "A Lena é uma figura mesmo..." Sabia que aquilo só podia ser coisa da amiga: ao lado de cada atividade que ela sabia que Rachel não curtiria, uma notinha do tipo "Vamos lá!"ou "Deixa de preguiça!"e "Por que não tentar?" Ainda rindo, levantou e despiu-se para o banho.

A água estava deliciosa, temperada na medida para um banho relaxante e revigorante ao mesmo tempo. Deixou que a água lambesse seu corpo e lavasse as preocupações. Tantos anos depois, o que importava seu passado com Luís? Ela ainda balançava quando o via, não podia negar. Mas o que ele tinha com isso? Ela sabia que era problema seu. Ele provavelmente já havia descido, e estava agora sentado numa espreguiçadeira rindo e tomando um prosecco com os outros colegas, sem nem se lembrar que tinha vindo com ela. Enrolou-se numa toalha macia e deixou-se ficar ainda um pouco deitada na cama, pensando no que deveria vestir. Imaginou tudo que tinha trazido na mala e decidiu usar um vestidinho de verão frente única, estampado com flores. Estava bem quente aquela hora, e só deveria esfriar mais tarde. Vestiu-se rapidamente, ajeitou os cabelos num rabo de cavalo alto e passou um batom cor de boca - sem nem se olhar no espelho - e saiu para o corredor.

Ele estava sentado no chão, na frente da sua porta.

- Nossa, que visão!
- O que você está fazendo aqui?
- Ah, eu não quis descer sozinho...
- Então levanta, vai. A gente já está atrasado.
- Achei que você ia me perguntar de novo pela Maria.
- Por quê?
- Ué, foi a primeira coisa que você quis saber... Eu pensei...
- Luís, olha só: não vai dar certo isso. Se você quer me dizer alguma coisa, diz logo.
- Ela ficou no Rio. A gente está se separando.
- O quê? Nossa... Desculpa, Luís... Foi insensível da minha parte.
- Não, tudo bem. Eu só queria tirar isso do nosso caminho.
- Você está bem?
- Ótimo, meu anjo. Não há razão para se viver uma mentira a vida inteira, só porque você prometeu.
- E ela? E o Marquinhos?
- Acho que estamos todos nos acostumando com a idéia. Olha, eu queria te contar antes de descer. Não quero que você me ouça falando da separação casualmente, numa rodinha de colegas de escola. Eu sei como você leva essas coisas a sério.
- Obrigada pela consideração, Lu. Estou me sentindo mal por não ter percebido antes, quando você usou aquele tom de descaso pela manhã, na portaria do meu prédio. Se houver alguma coisa que eu possa fazer...

Ela não pode continuar. Ele se arremessou sobre ela num impulso, e a beijou como sempre. Como nunca. Ela ainda tentou resistir, tentou refrear seu impulso. Foi para ela também inevitável ceder. Sentir a proximidade de seu corpo, o calor dos seus braços, o gosto da sua saliva - nada era novidade, e era um mundo novo. Sem separar seus lábios dos dele, ela encostou na porta do quarto e a abriu, deslizando para dentro colada a ele. Bateu a porta às suas costas ainda presa àquele abraço, àquele beijo - como uma mosca na teia da aranha. Era o beijo da morte, mas era tão bom...

O beijo só terminou quando já estavam nus, os dois sobre as cobertas da cama, ele deitado sobre o corpo dela, dentro dela, suas mãos entrelaçadas enroladas aos lençóis, os dois suados, ofegantes, excitados. Entregues.

Ela olhou para ele, e encontrou seus olhos no mesmo movimento. Nada disseram por longos minutos. Ela quebrou o silêncio com um suspiro. Ele sorriu e disse:

- Se a gente descer agora, talvez ainda tenha um pouquinho de prosecco para você, meu amor...
- Eu já estou embriagada, obrigada.
- Vamos. A gente toma um banho e desce. Ou não...
- Vamos descer sim, Luís. O pessoal está esperando por nós.
- Eu esperei por você muito tempo - e você está aqui, agora. Eu poderia ficar aqui o fim de semana inteiro.

Ela não replicou, por não saber o que pensar. Todo aquele tempo mantendo distância tinha sido inútil diante da força do desejo dele. Ela sabia que não devia ter cedido - mas era tarde demais para pensar nisso agora. Precisavam descer, encontrar as pessoas. E depois decidir o que fazer.


(To be continued...)

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