domingo, 31 de outubro de 2010

O fogo de Prometeu

Não é culpa sua. Se até Zeus ficou puto quando Prometeu se atreveu a cobiçar-lhe o fogo das caldeiras! Não seria você, mortal com delírios de deidade, que aceitaria numa boa encontrar alguém que te desafiasse. E, se Prometeu conseguiu seu intuito, por que não eu?

Roubei sim, seu coração de fogo – e nunca me arrependerei. Sou impertinente e imperiosa, sou uma menina no corpo de uma mulher, sou tão capaz quanto você! E me atrevo e atreverei a questioná-lo, mais uma vez e ainda, até que me satisfaçam tuas respostas.

Você me puniu, e eu entendo. Mas é uma punição incompleta, não é mesmo? Se até o pobre Prometeu – que era um Titã – teve suas entranhas comidas pelos abutres por toda eternidade, por que não eu? E entenda, não me arrependo: os deuses precisam mais dos homens – e por que não dizer, mulheres – que os mortais deles. É de adoração que eles vivem, e sei que Zeus se deleitava assistindo o tormento de Prometeu diariamente de seu trono no Olimpo, mas principalmente para colher a adoração do pobre infeliz. Só que mesmo ali, incapacitado, Prometeu venceu – porque nunca se arrependeu.

E o deus, derrotado pela arrogância do homem, desaparece. Sim, os abutres hão de me comer o fígado todos os dias. E quando você olhar para mim verá a luz que explode das minhas entranhas e se enfurecerá por não poder possuí-la completamente, por não tê-la dobrado, por não ter conseguido arrancar de mim um pedido de desculpas. Nunca vou me desculpar por tê-lo seduzido, fincado minhas unhas na tua vaidade e te arrastado para a minha rede. E nunca vou me retratar por tê-lo deixado – foi o melhor para mim, e o melhor para você, no fim das contas. Afinal, você nunca admitiria, e nunca o fará: eu cheguei perto demais e você se apavorou, se afastou e me pôs de lado de propósito, para que eu tomasse a atitude que você foi covarde demais para tomar.

Só não me peça de volta o pedaço do teu coração ígneo que roubei para sempre: ele é meu, e você sabe. Meu por direito. Faça essa cara blasé, demonstre desinteresse, aja com o distanciamento que quiser. Há em um ponto do teu coração a ferida mal-cicatrizada deixada lá por meu amor perfeito.

Não.

Não há de sarar jamais.

(Deal with it)



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