quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Permanência (parte 4)

Desceram as escadas para a área de convivência de mãos dadas. Ela estava nervosa, apreensiva. Ele, ao contrário, parecia radiante. Ela nem se lembrava de tê-lo visto com aquela expressão antes. Pelo menos não em muito tempo. No fundo de sua cabeça, aquela imagem só encontrava um par: o dia em que ficaram juntos pela primeira vez. O dia do beijo.

Sentindo sua apreensão, Luís perguntou:

- Rachel, você está bem?
- Quê? Ah, sim, claro, Luís...
- Você está meio nervosa. O que mudou no caminho do quarto até aqui?
- Nada, Luís, nada. É que o pessoal está esperando te ver com a Maria, e você desce as escadas de mãos dadas comigo, assim, nessa intimidade toda... Acho que o pessoal vai ficar imaginando coisas. Coisas que eu não quero que eles imaginem.
- Como o quê?
- Que eu e você já estávamos de caso há tempos e que eu fui o motivo da tua separação - e que é muita cara de pau da gente. "Coitada de Maria... Nem estão separados oficialmente e eles já estão circulando juntos..."
- Você se importa com isso, Chel?
- Eu não sei o que pensar, Lu. Tudo aconteceu muito rápido para mim.
- Eu vim até aqui só para ficar perto de você. Para ver você, ter a chance de conversar com você. Na tua cabeça pode ser uma coisa inesperada, surpreendente. Mas eu não teria vindo se você não fosse estar aqui. Eu gosto do pessoal, não me entenda mal. Mas eu quero você. E não me importo.

Ela ficou sem palavras. Não podia retrucar, nem resistir. Era como sempre fora: ele sempre tinha a última palavra, o último argumento. Sempre claro, mesmo que nem sempre transparente. E era essa característica dele que a deixava apreensiva. Ele era translúcido - as coisas que ele dizia tão claramente pareciam aos seus olhos vultos e contornos, nunca imagens reais. Ela era totalmente transparente para ele. Não sabia mentir nem disfarçar. Nunca pode ocultar o amor que sentia por ele, nunca foi capaz de fingir-lhe indiferença. Ele, por outro lado... Quantas vezes na história dos dois ele fora uma incógnita? Ela já não sabia mais. Esforçou-se para agarrar a lembrança de seus olhos radiantes, exercitou os músculos da confiança, respirou fundo e apertou sua mão na dele. Sorriu e concordou, com um dar de ombros seu característico, que ele sabia significar "ok, vamos lá, what the hell..."

Eles encontraram os colegas já bastante adiantados nos trabalhos etílicos, e todos os receberam efusivamente. Circularam juntos o tempo todo, e Luís dificilmente soltava sua mão. Quanto se afastava era para buscar alguma coisa, ou falar com algum amigo mais chegado - mas em poucos minutos suas mãos estavam ali, tocando seu corpo, suas costas, seus braços. Muitas vezes ela se deixou envolver pela cintura, num abraço bastante íntimo. Renata e Helena estavam em cólicas, e Rachel não pode conter o riso umas duas ou três vezes em que Luís estava de costas para as duas e elas tentavam fazer a inquisição na linguagem de sinais.

- Rachel, vai lá tranqüilizar essas criaturas, pelo amor de Deus!
- Do que você está falando, Lu?
- Ah, Chel, a Rê e a Lena vão ter uma síncope já-já! Elas não param de olhar para cá, cada uma mais arregalada que a outra! Vai lá e conta para elas.
- Tudo bem para você?
- Claro! Mas com uma condição.
- E qual é? - Ele se inclinou e sussurrou em seu ouvido:
- Volta logo para mim...

As amigas mal podiam se revezar durante o que lhe pareceu o interrogatório mais atrapalhado do século! Ela contou o que acontecera em linhas gerais, reservando para si o direito de calar a respeito dos detalhes. Estava apaixonada como uma adolescente, pelo seu amor da adolescência. Parecia a coisa mais improvável e estúpida a se fazer, mas ela sentia que nada podia ser mais perfeito. as amigas ainda tentavam chamá-la a razão, dizendo que aquilo era uma loucura, que todo mundo ia ficar falando - mas ela só pode calá-las com os argumentos de Luís, mesmo que ela mesma estivesse tão assustada quanto elas. A conversa com elas demorava tanto que Luís desistiu de esperar.

- Oi, meninas. Será que vocês podem devolver a minha garota?
- Você é petulante, hein, Luís? - disse uma Helena meio ressabiada.
- Até sou, mas essa nem é a minha principal qualidade. Vamos, Rachel? Já estou com saudade.
- Tchau, meninas. A gente conversa mais depois...

Ele segurou sua mão novamente. Ela evitou os pensamentos que a conversa com Renata e Helena tinham suscitado. Deixou-se guiar para fora do salão. Precisava mesmo de ar fresco. Ele puxou seu corpo para junto. E a beijou ali, onde todos pudessem ver.

- Você não tem mesmo nenhum problema com isso, né?
- Não, meu amor. Não mesmo. E nem me parece que nós devamos nos preocupar. "Eu e você" estava escrito. E pronto. Acho que já fizemos figuração por muito tempo. Vamos sumir daqui?
- Acho ótima idéia!

Deixaram a reunião de colegas de escola e subiram juntos as escadas para o segundo pavimento. Sem combinação prévia, caminharam juntos em direção ao quarto dela.

-Sempre achei esse seu quarto lindo... A gente ficou aqui da outra vez, lembra?
-Claro, querido. Eu nunca vou me esquecer daquele fim de semana da formatura.

Dentro do quarto era outro mundo, um mundo onde ela podia responder ao impulso incontrolável de grudar seu corpo ao dele e esquecer tudo o que ficou para trás. Ela sempre pensava nele como uma grande jazida de magnetita, e em si como uma pequena aresta de ferro: a atração era irresistível e ele já tinha feito demais em evitá-la por tantos anos.

Ele não sabia explicar: como, mesmo tanto tempo depois, tantos anos de distanciamento frio, eles ainda podiam sentir tanta paixão assim um pelo outro. Ela era a mulher mais encantadora, mais inteligente, mais luminosa que ele já conhecera, e nunca houve um dia em que não sentisse sua falta, mesmo quando já não se viam há muito, mesmo se ninguém dissesse seu nome. Todos os dias pensava nela. Todos os dias passava pela porta do seu prédio, olhando, vigiando. Ele queria mantê-la por perto, ela rechaçara todo e qualquer contato.

E mesmo assim, um nos braços do outro - e o mundo podia acabar.

(To be continued...)

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