quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Avareza

Ela gosta de dinheiro. Nem são as coisas que pode conseguir com ele que importam. É o dinheiro mesmo a sua grande paixão. Isso fica claro na maneira deselegante como bebe água, os goles gigantes forçados garganta abaixo, e em seu hábito de fumar desbragadamente, quase acendendo o próximo cigarro antes de apagar a brasa do outro, as tragadas profundas, como se o mundo fosse acabar em um segundo e ela precisasse levar consigo o máximo de nicotina possível. Repugnante.

Usa de pequenos expedientes para acumulá-lo, e o faz com tanta freqüência que as pessoas com quem convive já os conhecem de cor. Só paga passagem de ônibus se estiver sozinha, e mesmo assim, só se for uma viagem demorada. Finge ter esquecido a carteira, mostra-se alarmada, como se tivesse sido furtada - e muitas vezes até estranhos pagam seu bilhete, compadecidos. Às vezes finge estar buscando o trocado na bolsa, e, quando chega a seu destino, desce da condução por onde entrou - é o perfeito calote. Há até os motoristas que nem param para ela, nas linhas que utiliza diariamente, alertados pelo trocador - "Lá vem a caloteira! ''Bora, Jaílton, não pára não..." E ela nem se envergonha, age como se não fosse com ela.

E há as contas de restaurante. Convidá-la para almoçar é morrer numa grana, na certa! Pede o que for mais caro, e sempre se faz de desentendida na hora em que o conviva declara "deu 50 para cada um..." Pede licença, vai ao banheiro, e o outro, envergonhado por estar ali, esperando sozinho, a conta já na mão, acaba pagando. Volta do toilete e pergunta pela conta, e mesmo antes que o amigo lhe cobre a sua parte, declara que o próximo almoço é por sua conta. É claro que nunca acontece esse próximo almoço - mas algumas vezes convida para um cafezinho, e paga assintosamente. Põe a mão sobre a conta, protesta e diz, com aquela cara lavada "essa é por minha conta!" E dá o almoço por compensado.

Essas pequenas feiúras, vergonhas que nem criança pequena gosta de fazer, são para ela como obrigações as quais todos no mundo lhe devem. Talvez por achar que o mundo é melhor por tê-la ali, circulando, como se sua beleza valesse cada centavo que todo o trabalho da história já produziu. Até seus filhos se envergonham dela, e não impõem a mãe nem a seus amigos mais íntimos, por medo de serem julgados pelo comportamento dela. Ela não se abala. Age como se não percebesse como, de uns tempos para cá, seus filhos não levam mais os amigos para passar a tarde, ou dormir, em casa dela. Preferem fazê-lo quando estão no pai. Lá não há mesquinez... Ela prefere pensar que seus adorados meninos não querem dar-lhe esse trabalho, esse incômodo.

Aliás, prefere pensar muitas coisas - desde que essas a afastem da visão do que há em seu interior. As pessoas gostam de pensar que são belas por dentro. Para ela, importa a beleza que os olhos vêem. Por ter sido sempre bela, jamais se interessou por outras coisas. Sua beleza, soube utilizá-la em sua plenitude, e ela lhe trouxe tanto dinheiro! Ah, sempre o dinheiro... Como ela gosta de dinheiro! A quantidade acumulada, independente de como, a cor do dinheiro, seu cheiro tóxico de tinta - quando novo - ou contaminado por inúmeras bactérias, as mais diversas, adquiridas na constante circulação... Tudo a respeito dele lhe agradava. Mais que a família - que hoje se restringia a seus filhos. Mais que as pessoas que - cada vez em menor quantidade - lhe cercavam. Mais que um bom papo com as amigas - ela não acreditava que as pessoas fossem suas amigas, anyway. Mais que um programa cultural. Mais que viajar pelo mundo, ver coisas e lugares novos. Mais que os oceanos e continentes. Mais que o espaço - suas galáxias incontáveis e buracos negros misteriosos.

Mais que a própria vida.

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