segunda-feira, 21 de junho de 2010

Açoite

Ainda guardo o chão da varanda para os piores momentos. Para os momentos em que eu preciso sentir alguma coisa diferente, algo que me desconcentre, qualquer coisa – mas não essa dor.

É deitada lá, no frio, duro, liso e branco chão da varanda que choro as lágrimas amargas do fim de tudo isso que nós quase vivemos. É quando calço os sapatinhos vermelhos de lacinho, quando eles me apertam todos os dedos dos pés, uns contra os outros, me trazendo cada um deles à consciência – é nesses dias que a dor está tão forte que é quase insuportável. Então prefiro sentir meus dedos dos pés. Prefiro senti-los bem juntos, e o plástico do sapatinho encerrando-os no espaço exíguo em seu interior, como se fossem bebês porquinhos confinados numa pocilga asseada e cheirosa.

Enquanto penso neles, ou no frio intenso do chão branco, duro e liso da varanda, esqueço por um mini momento dos teus olhos azuis emoldurados por tuas pestanas cinzentas e fartas, das sardas suaves que se espalham por sobre a linha de seu malar, dos teus lábios rosados e teus dentes perfeitos de madrepérola, da tua língua que se insinua entre eles e alcança o lábio superior, umedecendo-o levemente.

Essa e outras tantas imagens tuas me vêem a mente com uma freqüência assustadora, e diariamente é teu o meu primeiro pensamento da manhã – e meu último pensamento, antes de dormir. Quero gritar, sorver o sofrimento como um veneno e morrer nos braços desse delírio! Quero dormir, dormir por cem anos, até que o príncipe venha me despertar – e ele chegará montado em seu corcel negro, e ele será a figura emaciada e encapuzada da Morte.

Não tenho ilusões, só esperanças – e mesmo elas estão penduradas por um fio tênue e frágil – que eu sei nunca se realizarão. Não nessa vida, não nessa história – não enquanto eu estiver atada, de pé, no cadafalso.

Quero ver o rosto do carrasco. Quero que ele veja o meu. Quero assombrar alguém como sou assombrada, quero ficar enquanto fantasma! Então o capuz é removido, e te vejo por trás do tecido negro e diáfano...

Sempre serás o meu carrasco, olhos azuis de céus primaveris, pestanas e cabelos cinzentos como os céus nublados de antes das tempestades de verão. Sempre é em teus braços imaginários que morro as minhas mil mortes. Sempre no chão liso, frio, duro e branco da varanda as lágrimas. Sempre os dedos porquinhos dentro do sapatinho vermelho. Sempre na cama de outros amantes o grito mudo chamando teu nome. Sempre a dor.

Sempre a dor.


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