quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Walking backwards

Ela pegou a borracha. Permitiu-se ainda uma última lágrima. E pôs-se a trabalhar.

Abriu o caderno na última página, e não deu-se o trabalho de reler aqueles seus escritos. Sabia como tudo terminara. Sabia o que fazer para acabar com a dor. Lentamente, cuidadosamente. Imprimiu o mesmo afeto, a mesma atenção, o mesmo amor profundo e incabível de que se valera na construção daquela história para dar cabo dela. Ela os usaria também agora.

Com a borracha macia, foi apagando cada palavra dita, cada entrelinha daquele diálogo destrutivo final. Virou a página, e deu continuidade à tarefa. Com absoluta concentração, apagou os encontros incendiários em quartos de motel, as caminhadas lado a lado pelo parque, as sessões de cinema, os almoços e jantares, teatros, pistas de dança, afagos e afetos, dor e deleite. As palavras de amor ditas. E as não ditas. O amor oferecido - e nunca prometido. O amor possível. E o desejo pelo absoluto. As mãos que se tocavam e entendiam tudo, sem nem mesmo dizer palavra. O olhar e a completa aceitação do outro em si, como seu negativo - ela o negativo do outro. Tudo e nada ali, no caderno. E era só varrer dali o grafite, a borracha limpando os parágrafos, suas lágrimas esforçando-se para lavar o que restasse.

Página por página, transformou sua agonia em diligência, e agora não sobrara quase nada. O primeiro beijo, o primeiro encontro, o primeiro olhar. Como doeu correr a borracha por aqueles momentos felizes, e por que teimavam em ficar dentro de si? Da mesma forma como sentira-se angustiada ao iniciar o projeto, temerosa e insegura, por não saber se conseguiria fazê-lo direito, ela se sentia agora, enquanto terminava de apagá-lo.

Apavorada, percebeu então que o efeito desejado não fora alcançado. Sentia ainda a dor excruciante, a proximidade da morte, a angústia como um condor, as asas abertas sobre ela, assombrando, destruindo, magoando. Não podia entender. Se estava acabado, como sobrara tanta dor? De onde tal sofrimento?

Resolveu revisar seu trabalho, olhando enfim as páginas atentamente. E descobriu a resposta.

A borracha fora eficiente. Apagara os registros, completamente. Mas a força desse amor deixara marcas. No papel, no verso de cada folha.

No coração.


Nenhum comentário:

As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...