segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Perfeição

Para ela, a perfeição estava por todos os lados.

No alvorecer, preenchendo cada espaço de seu campo visual com um banquete sinuoso e volátil de cores - como a paleta de um artista.

No menino da padaria, que passava por sua porta duas vezes ao dia - bem cedo, enquanto o dia acorda, com seus pães perfumados de forno e fermento; e no fim da tarde, com as guloseimas coloridas da hora do lanche.

Na estação do trem, logo cedo, tão apinhada de gente diversa. Tantas procedências, tantos destinos, tanta vontade reprimida, tantas obrigações e cansaço refletidos em cada olhar - e na linguagem dos corpos se arrastando pelo caminho invisível...

Nas sutilezas de cada pessoa atendida, suas histórias corriqueiras e únicas em sua simplicidade. Problemas comuns, de gente comum, eram para ela a grande verdade da vida. Para ela eram todos comuns - e sobretudo ela mesma, no anonimato seu de cada dia. A paisagem humana - todos gado, e tão particulares! Eram as estrelas no firmamento da vida - suas escolhas, as conseqüências de cada uma delas, êxitos e fracassos, todos brilhando sobre o mundo numa coreografia dinâmica. Derramava amor sobre tudo isso, encantada.

O fim do dia, vermelhos e laranjas explodindo no céu - igual e diferente a cada crepúsculo. A conversa animada do happy hour, voltar para casa pensando em nada, o trajeto desfilando rápido pela janela do trem, como um borrão de luzes artificiais. As noites quentes do verão - mesmo no inverno. Era o verão de sua vida, as décadas da maturidade de flor desabrochada, de fruta madura, de crisálida abandonada e imago pronto - a borboleta das asas azuis em que finalmente se transformara. Sentia em suas células - era a mesma - mas diferente.

Podia passar dias só observando esses pequenos eventos. Era um deleite particular, intransferível. Era a verdade absoluta da existência: a perfeição está nas pequenas coisas. Sentia a perfeição no pulsar do mundo a sua volta, nos recônditos da paisagem urbana, no bucolismo de cada beira de estrada. Era uma questão de educar o olhar.

Via perfeição em gente que habitava sua vida há tempos. Em sua mãe, ciumenta e afetuosa. Em seu pai, distante e ainda assim encorajador. Nos desafios que seus irmãos representavam para ela. Em seu marido e seu filho - as jóias da coroa. E nos amores outros - os amigos de infinita beleza que a vida distribuíra por suas estradas.

Canteiros. Eram como canteiros. E ela sempre pára para cheirar as flores...

Encontrou o amor várias vezes - e sempre se encantava com a perfeição em cada pessoa especial de sua vida. Nos amores presentes e recíprocos como nos platônicos, e ainda nos reservados e distantes - amores como o de seu pai.

Não conseguia perceber a perfeição que escorria de seus olhos, nem a doçura de cada palavra sua, seus gestos generosos e plenos de afeto genuíno. Havia perfeição nela mesma - perfeição por ela ignorada.

Talvez outros olhos pudessem algum dia revelar-lhe esse encanto que dela emanava. Talvez o tempo lhe trouxesse uma pessoa capaz de fazê-lo. Ela nem pensava nisso, mas seu coração - tão repleto de amor - andava precisando enxergar-se. Talvez algum dia seu caminho cruzasse um amor assim - amor de despertar.

Uma vez desperta, não poderia mais dormir para a beleza de quem era - e para a inegável perfeição de seu coração de fogo e água, de detalhes e delicadezas, de tormentas e calmarias. E amar-se seria quiçá mais importante que derramar-se aos pés de seu amor, tão recente quanto eterno. Tão novo quanto antigo - e sem dúvida verdadeiro - mesmo que recluso, reticente e relapso.

And she would miss his flattering, and all the compliments he bestowed so gracefully upon her.

And her lips would become numb, her skin would ache for his touch - and he would be nowhere to be found... And maybe, just maybe, they would have a chance to find perfection where it really lies - in the depths of inexplicable love...

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