quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Asco

O vômito quente subiu como um raio até sua boca. Ele não conseguiu respirar, e acordou engolindo, suando frio, nauseado. A tosse fazia seu peito doer, e a ardência no esôfago tornava a respiração insuportável. Passados os segundos de agonia, correu para o banheiro para permitir que aquele excremento pútrido deixasse seu corpo. Sentou-se no chão duro perto da privada. E chorou amargamente.

Sempre vomita quando está sob pressão. E odeia vomitar. É tortura sobre tortura. O pior é que agora esse fenômeno anda acontecendo até no sono. Ele sonha com imagens desconexas, os fantasmas das decisões que adia diariamente se acumulando sobre sua cabeça, sua covardia diante das coisas pequenas, sua inércia diante do que realmente importa - e ele agora acorda com a boca cheia de vômito, sufocando e pedindo a Morte que venha - enquanto luta para recobrar o fôlego.

A vida cheia de compromissos. Mulher, filhos, trabalho, dinheiro, responsabilidades, idealismo, compromisso, amigos e álcool. Álcool pontuando tudo isso: travessão, vírgula, ponto de interrogação. Parágrafo, aspas, mais um travessão. Dois pontos, parágrafo.

Exclamação. Ela chegou uma tarde quente de março, era uma brisa de carne e luz. Aquela menina de uns vinte e poucos anos entrou pela porta do escritório para uma entrevista. Queria a vaga de assistente. Falava inglês e francês - e falava pelos cotovelos. Ele só ouvia um zumbido, sua imagem brilhando e manchando de púrpura visual suas retinas.

Ele chora sentado no banheiro, ignorando o cheiro da privada e o desconforto da posição. Ele sabe que precisa acabar com aquilo. Mas não quer, não pode fazê-lo. É um fraco - e se despresa por isso. Ele é mau com ela, se ficar. Não quer mais que seu corpo - é o que lhe diz. No íntimo, deseja devorar-lhe a alma, roubar sua luz quando ela não estiver olhando, prendê-la entre seus dedos, fazer dela sua escrava. Tê-la sempre. Mas não teria isso, porque não quer dar de si. Ela fica orbitando a sua volta. Ele quase pode sentir seus pensamentos, ela é clara - e ele uma sombra. Ela fica ali, olhando para ele do fundo da sua mente. Do fundo do copo de scotch. Do fundo do coração. Ele quer ter tudo. Mas isso precisa acabar.

Amanhã.

Ele levanta e se vira para o espelho. Os olhos vermelhos estarão inchados pela manhã. É tudo uma grande inutilidade. É só desejo... Ele nem a ama. Nem tanto assim. Como precisa entoar essa mantra. Reticências...

Amanhã. Agora, uma chuveirada e back to bed. Ela pode procurar outro que lhe dê o que deseja. Ela que se vire. Ele que morra de saudade - quando a deixar. Talvez seja a sua última paixão. Mas isso é um risco que não vale as perdas. E ela vai ficar por ali, flanando pelos corredores do escritório, assistente administrativa de outra seção da empresa. Uma chaga aberta, e ele sabe que é tudo mentira. Mas precisa mentir para si mesmo. Ama sua vida. Ela diz que não se importa e que ele pode manter seu conforto familiar, sua vidinha como ela é. Ela diz muitas coisas. Isso precisa acabar. E só vai doer se eventualmente seus olhos pousarem nos dela, por acidente.

É. Amanhã. Mais um adiamento. Parênteses. Ele finge não ter ouvido esse pensamento em particular.

Outra dose de scotch antes de dormir. E torcer para que não aconteça de novo.

Nem o vômito, nem a dor. Muito menos o amor.

Ponto final.


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