sábado, 24 de outubro de 2009

Stairway to heaven

"As I climb the staircase - bare feet on the cold steps - I feel his gaze. Intense, and menacing... I’m his object of pray - and I love it."

Ele me olha. E parece estar me devorando. E não só a minha carne. Sinto pedaços da alma descendo por seu esôfago enquanto seus olhos – semicerrados – traçam veredas pelo meu corpo.

Ele é um desbravador. Um aventureiro. Seus caminhos já o levaram para longe tantas vezes... Mas ele volta. Aqui é o seu lugar de poder. E percebi dessa vez que seu poder ele drena de mim, da luz que escoa de meus olhos enquanto ele fala, lenta e languidamente, as histórias de suas andanças.

Talvez por isso ele volte.

Hoje não é diferente. A porta se abre para revelar um par de botinas enlameadas. As vejo antes de o todo – ele sempre chega quando estou terminando de limpar o chão... Já nem reclamo ou luto - ou fico indignada. Qualquer reação recebe a mesma resposta. O mesmo beijo bem beijado de quem sabe que jamais será rechaçado. E a culpa é minha.

Ele conta que caçou um javali, que escapou por um triz do bote de uma serpente, que quase morreu na mão de uma quadrilha de ladrões de carga em Modiana... Ele conta histórias. É através de suas histórias que eu viajo. Eu. Sempre aqui, nessa pensão, na beira dessa estrada, no limite entre esse e o outro mundo.

Ele senta à mesa do canto, perto do balcão, e passa o resto do dia – e da noite – observando o entra e sai de clientes, enquanto eu anoto e entrego pedidos, cobro despesas e dou troco, recebo mercadoria e pago aos fornecedores. Ele, a garrafa de Paraty, o cigarro de palha. E o cheiro doce do fumo de rolo enche a atmosfera já enfumaçada do salão, e de repente nem meus pensamentos nem minhas pernas conseguem manter seu rumo. É como um feitiço. Ele fica cantando sem emitir som alguma mandinga – e eu fico incapaz de mandá-lo embora.

Não tem por mim apreço nenhum em particular. Some por meses e não manda notícias. Quando morrer, não ficarei sabendo. Mas vou sentir sua falta o resto da minha vida. E ele nem dará por minha falta, se por acaso voltar um dia e não me encontrar aqui. Vai arrebatar quem quer que esteja limpando o chão.

Ele sempre fica no mesmo quarto. Se estiver ocupado, ele pede que a pessoa troque – e é sempre tão persuasivo que nunca houve quem lhe recusasse. É o quarto que fica no sótão dessa velha estalagem. Tem uma pequena janela de frente para o riacho que corre nos fundos – e para a destilaria de meu bisavô.

A primeira vez que ele me viu eu estava lá, no riacho, sentada nas pedras e lavando os pés na água gelada. Era lua cheia, e o terreiro estava prateado. O luar no céu e na água do riacho. Eu era pouco mais que uma menina. Ele ficou me olhando de lá, daquela janelinha, e desde aquela vez eu senti que ele estava me devorando inteira. Eu tive medo então, e tenho medo ainda. Sei que sou sua presa. E adoro sabê-lo.

Às vezes eu imagino que ele vai me levar consigo... Às vezes penso até em pedir. Mas temo demais o resultado dessa ousadia. Se ele por acaso gargalhar, e o seu riso perfurar meu coração? Eu caio dura, lívida, morta aos seus pés. Ele põe de volta o chapéu, passa por cima de meu corpo inerte e vai embora – ainda se rindo. Ele não tem sentimentos – ou talvez tenha. Mas não são por mim.

Volta porque a minha carne treme de desejo quando ele me toca, e cada vez que ele chega o meu corpo se abre como uma flor de maio. É uma dor aguda e ao mesmo tempo um prazer tão terno... E subo as escadas porque quero. Algumas vezes, antes do fim da noite, ele me segura pelo braço esquerdo, fecha assim com violência a mão direita sobre ele, e me puxa atrás de si, como se eu fora uma bagagem... E eu ainda finjo indignação, só prá ele dizer ao pé do meu ouvido que vai me comer de qualquer jeito, quer eu colabore ou não.

Às vezes parece transfigurado, fora de si. Olha para mim como se não me visse, beija meu sexo assim automaticamente, jorra seu gozo sobre o meu ventre e sai pela porta, transtornado como entrou por ela. Ele é febril nessas vezes, e diz coisas desconexas. Mas sempre me chama pelo meu nome. Elisa. Nunca me chamou de meu bem, nem de amor. Minha Elisa. E é isso que eu sou. Sou dele.

Outras vezes ele está inteiro. Nessas vezes me olha intensamente. E parece engasgado todo o tempo. Parece ter palavras presas na garganta – palavras que querem sair desesperadamente. Mas ele não deixa.

Esse homem existe somente para me torturar. E lá vem ele...

Nem olho duas vezes, nem discuto. Dou-lhe as costas e subo na frente.

Sinto seu olhar percorrendo o meu corpo, sinto o calor do seu desejo precedê-lo enquanto me segue. Sim, serei sua – ele o sabe, eu também sei.

Hoje, no entanto, vou prender algo dele dentro de mim. E ele vai me amar sempre – e para sempre terei algo seu para amar...

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