Construí uma casinha na curva do teu pescoço, para que eu possa guardar meus sonhos e encantamentos perto do teu coração, da pulsação vibrante do teu sangue nas veias. Quero me deixar ficar quietinha, não pesar e poder contemplar em silêncio a maravilha que é você.
Quando eu julgava que nada mais poderia florescer nas terras salgadas do meu sonho, veio esse botão absurdo, esse Narciso bravo e desafiador, e rasgou com vontade resoluta o véu do chão seco e rachado, o barro vermelho e pisado e desolado que restou da última aventura. O meu mundo tão desvalido estremeceu inteirinho, e a poeira assentada espalhou-se no ar. Desde que o Narciso se elevou do chão, outras coisas brotam, como para acompanhá-lo, para que não fique sozinho.
E ainda que ele se vá, eu sei que vai deixar esse lugar bem mais bonito do que o encontrou. Toda a sua potência, sua beleza e seus gestos impensados, tudo na minha memória, como se fosse Ano Novo todo dia, ainda que meus olhos não possam pousar sobre ele nem roçar de leve a sua fronte, nem respirar o ar à sua volta. Quero é mudar logo para a casinha no teu pescoço. Lá, onde floresceu o meu Narciso, e inúmeras borboletas anunciam a mudança das estações: é lá que vou me abrigar, esperar a chuva passar. E amar.
Abre os olhos, amor meu. Era o fim dos tempos, agora é o dia de Ano.
E tudo é possível outra vez...
segunda-feira, 31 de março de 2014
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