segunda-feira, 10 de março de 2014

Baile de máscaras


Ele levantou devagar. Tateou em volta, buscando a máscara que estava usando antes de pegar no sono, aqui do meu lado, na minha cama.

Pôs uma bem bonita - a máscara do amante apaixonado e embriagado - esta tarde. Acho que porque nós brigamos ontem à noite, e ele imaginou que fosse necessário fazer esse tipo para me reconquistar. Ele coloca muita energia nisso. Mas já devia saber que para mim, nem precisa. Eu já assisti ao espetáculo da troca de máscaras tantas vezes, e tão de perto, que sei de cor o truque, a ilusão que provoca a sua volta. Mas não me pode causar impressão.

Levantei também, e deixei que se exasperasse um pouco enquanto procurava seu adereço, e tomei um banho. Ele entrou no banheiro de máscara trocada - agora era o cafajeste tarado que vinha atrás de mim no chuveiro. Gosto do modo como esse faz sexo, mas não estava disposta. Tínhamos acabado de fazer amor - e sexo depois de fazer amor me parece tão misplaced... Ele saiu irritado, foi para a varanda fumar um cigarro e esperar que eu saísse dali.

Vesti o roupão macio e resolvi preparar um jantar. Ele ia namorar naquela noite, e só quando estivesse no elevador colocaria o disfarce usual nessas ocasiões: bom rapaz. Eu sabia que voltaria depois para provar a comida pelo jeito como farejou o ar quando saiu do banheiro, perfumado e penteado, vestindo uma bela camisa de seda. Pegou a calça e os sapatos que eu tinha engraxado, terminou de vestir-se e veio me beijar o pescoço e apalpar meus peitos e bunda, o cafajeste ainda sorrindo com o canto da boca, um sorriso safado e o ar mais descarado possível. Ele é a perfeita ilusão.

Para cada ocasião, uma máscara. É o perfeito cavalheiro para as velhinhas desamparadas nos mercados e padarias da vida, cafajeste comigo e outras tantas por aí - vai saber - o canalha mor para seus amigos do peito. O bom esposo e pai para a família - o olhar da mulher brilhando enquanto enumera suas qualidades - o charmoso sedutor para cada desprevenida da cidade. O profissional responsável e respeitado, o bom filho, o bom rapaz, o pobre coitado- que faz cara de pidão e consegue tudo que quer, o macho-alfa, o capitão, o filhão, o homem íntegro, irreprovável, o rebelde... Pensa tê-las colecionado, ao longo da vida. Pensa que são fruto de sua experiência. Hoje eu sei que, de fato, ele é possuído por suas máscaras, é seu prisioneiro, o item de sua coleção. De tanto usar máscaras, já nem se lembra qual a sua verdadeira cara. Perdeu-se no labirinto estreito e meandroso de suas performances diárias para a multidão de incautos que o cercam. Penetrou tão profundamente no labirinto... Cada passo adiante mais confuso, menos confiante. Mais veloz a cada passo - ele quase corre! Para quê? Isso ele não sabe, não sabe mais.

A única verdade que ele conhece é o gosto da minha boca, o perfume dos meus cabelos. Minha beleza, sua única certeza - e seu vício, só por hoje. Ele não tem um coração para me dar, não mais. Ficou perdido no labirinto, junto aos seus sonhos e esperanças. Tudo que lhe resta é a busca por sua própria face. Ele volta para mim porque sabe que eu sei quem ele é, de fato. Ele quer ver-se refletido nos meus olhos, drenar de mim a energia vital que impede seu desaparecimento, sugar a própria essência de dentro de mim. Eu o guardei em mim, não para mim. Porque o amei primeiro - incondicionalmente, perdidamente. Porque vi sua verdade e ela era linda... Talvez ainda seja, sob o desfile de mentiras que se acumulam sobre ele. Sua mentira é de fácil aquisição. O tesouro da verdade que ele esconde é de valor inestimável. Prefiro ser a guardiã desse segredo a revelá-lo, out in the open. Prefiro guardá-lo até que ele encontre o caminho para fora do labirinto - e eu possa devolvê-lo ao mundo. Mas até a remota possibilidade de fugir dali parece distante - um borrão ainda mais fora de foco, quando a observo da minha perspectiva.

E pensar que ele se protege tanto assim de mim. Que ele mesmo construiu o labirinto para colocar-se a uma distância segura de mim.

E eu o tenho nas mãos.

(Fim de papo. O delírio acabou. Posso ouví-lo fuçando as gavetas, procurando a próxima máscara...)

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