Ele me
diz que eu preciso dormir mais. Aquiesço, mas é mentira. E ele sabe. Nunca é
fácil dormir. Mesmo exausta não posso conciliar o sono. Há muita coisa rolando
na minha cabeça, o tempo todo. Fica impossível mergulhar num relaxamento
gostoso, e escorregar para o sono, e o esquecimento.
Ele me diz que isso vai me fazer adoecer, eu concordo. Ele não
sabe que eu já estou doente. Há um tumor na minha alma, é maligno, está muito
enraizado. Sou terminal e não há alternativa. Em breve a minha alma terá
morrido, e eu vou descobrir se o corpo morre com ela, ou se serei um zumbi para
sempre.
Enquanto o dia não chega, ficamos aqui eu e ele, confabulando a
respeito das minhas possibilidades, e eu acho tanta graça... E fico angustiada,
e então tenho vontade de chorar. Invejo profundamente as pessoas capazes de
verter lágrimas. Já não posso mais.
Ele diz que eu podia ser o que eu quisesse. Digo sempre o mesmo:
eu também, meu bem. Eu também (existe a
mulher que vive com ele. Mas essa mulher tem uma outra vida, e ela está no
fim...). Gosto de pensar que posso flutuar em segurança no oceano de suas
certezas. Ele próprio é meu porto, e eu poderia viver uma existência atracada
nesse cais. E ainda assim, que graça teria? Se você é barco, veleiro ou navio,
o teu tamanho não importa: você precisa é navegar. Eu enfrentaria os sete
mares, e me lançaria em águas revoltas sem temor algum, só com a garantia de
terminar o caminho e voltar ao porto.
Eu digo que aquilo que fere também ensina, e que
a dor é professora rigorosa e eficiente. Ele torce o nariz para a dor, e nem se
dá ao trabalho de discordar. Ele sabe que eu estou certa, mas não sabe dar o
braço a torcer. Eu sigo ao seu lado, as dores que cultivo de mãos dadas com as
que a vida me prepara, e chegarão. Ele vê a dor e aperta os olhos, como uma
criança que sacode a cabeça, acreditando que o pesadelo se dissolverá se ele os
mantiver bem fechados. Eu sou brava e olho a dor nos olhos, por saber que ela
veio para ficar, e dou-lhe boas vindas. Admiro adversários valorosos, e ela é a
melhor.
Nós sabemos muito bem que as coisas ainda vão
piorar um bocado antes que melhorem de vez. Só que essa verdade não se conta,
nem se comenta, e seguimos mudos pelo mundo afora. Tenho um sem fim de palavras
para derramar aos seus pés, óleo e alabastro e perfume de almíscar. Ele nem
sabe escolher as palavras. Deixamos o amor preencher as lacunas. E o tempo se
encarrega de pingar os is.
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