domingo, 27 de maio de 2012

Creme de sonhos

Eu olho para ele e tenho medo. Acho que nunca vou conseguir contar tudo o que se passa pela minha cabeça quando eu olho para ele. Todos os dias trocamos amabilidades monossilábicas e onomatopéias no guichê da padaria, e eu sinto aquele friozinho na barriga que só pode ser amor.

Os olhos dele fogem dos meus, e eu gosto de imaginar que ele também tem medo quando me vê. Ele gosta de comer sonhos de creme e bombas de chocolate, mas sempre leva um pão francês junto. Só um. Eu consigo vê-lo sentado na mesa da cozinha, tomando café num copo de geléia e comendo aquele pão com manteiga. E saindo com pressa, comendo o sonho com mordidas grandes, o creme escapando pelos cantinhos da sua boca. Na minha cabeça ele trabalha num banco, preenchendo formulários e registrando movimentações financeiras. Ele usa um terno azul marinho. Ele tem um sorriso discreto e sonha com uma viagem a um paraíso exótico qualquer.

Quando ele sai o movimento esquenta, é um entra e sai constante, e o vozerio dos outros clientes enche a loja. Um monte de gente conversa, conta da vida, faz fofoca e comenta novela. E eu participo de tudo, retribuindo e conversando com todos - mas a minha cabeça está longe, divagando. Eu crio diálogos perfeitos para nós, e neles sempre rimos muito, e a gente descobre uma cumplicidade gostosa, que só pode crescer.

Nos meus sonhos, ele leva dois pãezinhos para casa, onde eu estou preparando o café para ele. Ele chega com o pacote da padaria e vai para o chuveiro, e eu arrumo a mesa do café da manhã com xícaras e pratinhos de porcelana, decorados com motivos florais. Ele se senta na minha frente e conversamos, ele nunca tem pressa de ir trabalhar. Nós rimos, dividimos o sonho de creme e nos despedimos com um abraço apertado, eu ajeito sua gravata, limpo as migalhas do seu terno. Ele me beija na boca e sai pela porta, olhando para trás quando chega ao elevador. E sempre estou na porta, olhando para ele. Nos meus sonhos, ele planeja a viagem para algum paraíso exótico - e me leva junto.

Mas no mundo real, o dia acaba, eu fecho o caixa e vou para casa, contar meus sonhos para a solidão.


2 comentários:

Gárgula disse...

Eu sonhei junto até a última frase... E pior... Entendi a última frase...
No Creme de sonhos, é como ler Romeu e Julieta. Sim... Vc sabe como termina mas sempre torce para que algo acontença de melhor.
Gostei muito desse, menina, muito. A última frase foi... sei lá... a punhalada da realidade.
Belo e triste.
Sim. Foi isso.

Patrícia Siciliano disse...

É triste mesmo, Gargulinha, contar os sonhos para a solidão. Mas também, quem nunca? Aiai...

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