quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Out of his life

Não saberia dizer com certeza quando foi que percebeu que o havia perdido de vez.

Se fechasse os olhos, poderia lembrar de vários pequenos indícios - mas não queria fazê-lo. Era por demais doloroso sentar ali no chão da sala, abrir a gaveta de polaróides imaginárias e relacionar cada um dos mini sinais de abandono. Mas isso não era o pior.

O pior era colecionar as impressões erradas a respeito de suas intenções, algo que ela temia ainda mais que aquele momento de escrutínio da memória. Fez o esforço supremo de espalhar as imagens pelo chão, no tapete a sua frente, e elas compuseram um mosaico ajeitadinho, colorido na medida do preto e branco, ocasionais cores aleatórias e desconexas - e em cada uma, um retrato do caminho que ele escolheu trilhar. O que em suas lembranças parecia algo esparso e eventual estava ali registrado, cada instantâneo como mais um tijolo naquela yellow brick road: Dorothy is fleeting back to (argh)Kansas.

Desde o início, ele se decidiu sobre os dois. Ele a amara, ela não tinha dúvidas, mas não permitiria que ela se aproximasse demais. Ela, de seu cantinho, queria só proximidade. E então, ele fez o improvável, dadas as circunstâncias: construiu com as próprias mãos a estrada do distanciamento. Entre um passo e outro, ela costurava as evidências daquele amor com pontos pequenos e invisíveis, como uma costureira prendada e talentosa, mantendo a trama daquele amor densa e fechada. Quem olhasse de fora jamais imaginaria. Mas aquele era um amor fadado ao fim. Ao pior fim possível.

Ela sentia dentro do peito uma ferida que nunca fecharia. Ele sentia que faltava pouco para que ela desistisse, e continuou trabalhando incansável em seu projeto, a estrada que o levaria para fora da armadilha daquele amor tão perfeito que o estava sufocando. E foi ela que precisou dar cabo daquela costura. Puxou a última laçada, arrematou a trama com um pequeno nó, quase imperceptível, e, com a tesourinha de bordado, cortou o fio que os mantinha atados. A dor do corte, ela sabia, acompanharia seus passos por toda a vida. Ele, mantendo a postura de fortaleza altiva, pouco sinal deu do próprio coração ferido. Ela nunca saberia, ele jamais enunciaria em voz alta - doera nele também.

Suas lágrimas foram o óbolo e o epitáfio da paixão. Aos dias seguiram-se as noites, as semanas viraram meses. A progressão ritmada do tempo afastava o momento presente do fim com absoluto rigor. Logo pareceu-lhe que nunca houvera dois naquela brincadeira. E, no entanto, ele ainda ali por perto, os dedos que lhe roçavam a pele do rosto tocando agora seu antebraço; as conversas - antes sussurradas e íntimas - agora corriqueiras, tomando os contornos do cotidiano. E, de repente, caiu-lhe a ficha: ela não mais fazia parte da vida dele. Estava alijada dos acontecimentos mais relevantes, já não saberia dizer onde ele estaria ou o que estaria fazendo a qualquer hora do dia ou da noite, nem receberia mais updates precisos (e tão preciosos) por torpedo em seu celular.

Ela estava definitivamente fora de sua vida.



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