domingo, 12 de agosto de 2012
Grilo falante
Bem lá no fundo, no fundo da mente, lá está você. Pequena e doce lembrança, roçando a tampa pesada do sumidouro da memória. Eu fujo o quanto posso, e tenho os melhores motivos: autopreservação, amor próprio, auto estima. Todos os melhores e mais elevados propósitos: a felicidade de todos e o bem geral da nação. E ainda assim, mesmo com tudo contra, lá está você, meu antagonista, minha incógnita. Nem amigo, nem inimigo de estimação.
Você, que foi meu amor e meu amante, meu algoz e meu deus pessoal. Você, com quem tive conversas tão estimulantes, com quem troquei carícias tão intensas, com quem conheci a face escura de mim. Houve a época em que deixava a porta aberta para que você chegasse quanto te aprouvesse, panelas cheias e alimento para a alma. Fui tão sua, ainda ontem, que nem percebi quando abriu a porta definitivamente. Foi embora no meio da madrugada e levou consigo meus sonhos como espólio. O que deixou foi um desassossego, uma incerteza, uma vontade de não sei bem quê.
Agora é essa falta, essa ausência que insiste em se anunciar. Grilo falante, minha consciência amoral, sentada no fundo da cuca, pedindo espaço para se aboletar.
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