sexta-feira, 26 de junho de 2009

Contagem progressiva

Sentia que toda a sua vida convergia naquele momento. Tudo finalmente fizera sentido. Num instante, foi como se um quebra cabeças se completasse em sua mente, com sua última peça, uma imagem: o projétil frio penetrando sua carne, estilhaçando-se no interior do seu corpo, cada estilhaço dilacerando o tecido vivo em inúmeros pedaços.

Não sentia dor, contudo, e por isso sabia que o fim tinha chegado. Nem dor, nem frio. Repassava sua vida desde o início, como que para descobrir em que ponto tomara o caminho que o levara até ali.

Fora uma vida feliz. Fora amado, desde seu nascimento. Fora recebido por sua mãe e seu pai num lar cheio de calor. Sua mãe deu-lhe a vida e o seio. Os pais deram-lhe apoio incentivo, segurança, educação e formação, todas as ferramentas para um futuro de sucesso, e por que não dizer, glória. E fora um berço de ouro.

Não, pensou. Não está ai o desvio. Então, por que a bala, dilacerando-lhe as entranhas? Agora, sentia-se diminuir, e era como se flutuasse numa banheira de água fria. Era o sangue, ele sabia, que drenava lentamente do ferimento em seu abdome.

Imagens de sua infância surgiam diante de seus olhos, e era como uma avalanche de emoções invadisse o espaço deixado pelo sangue e circulasse junto com o restante.

É o fim, definitivamente o fim. E, embora extasiado em reviver toda aquela felicidade pretérita, tinha urgência de encontrar o ponto crucial para aquele desfecho. Deixou para trás os deleites da infância e mergulhou no poço escuro dos conflitos da adolescência.

Agora sentia dor, e a dor física se confundia com aquela provocada por suas lembranças. Dera-se conta, de súbito, que a confusão devia-se a estas dores terem sua origem na mesma: Ela.

Era ela, obviamente, a razão daquelas dores, as de agora com as de então. Não sabia de visão mais nítida que o contorno do seu corpo, a luz de seus olhos, seu véu de cabelos ocultando sua beleza, imaculada para ele. Mesmo em seu derradeiro momento, mesmo enquanto a vida o deixava, sua obsessão por ela como que a materializava ali, suas formas e seu perfume quente e doce. E, no entanto, ela estava morta.

Sua miserável adolescência começara precocemente, a profusão de acne deformando suas feições, o desafino de sua voz. Da noite para o dia crescera tanto que se sentira perdido em seu próprio corpo, aquelas pernas compridas e braços desengonçados. Desejava esconder-se do mundo diariamente, passar despercebido do amanhecer ao pôr do Sol, dormir uma noite e só acordar quando aquele pesadelo terminasse.

As humilhações que passara, inúmeras, partiam tanto dos outros rapazes – que o ridicularizavam – quanto das moças – que desdenhavam dele, ou o desprezavam.

Até o dia em que todas as suas dores foram anestesiadas por aquela visão: era como se um anjo tivesse feito para si o corpo de uma menina. Aqueles cabelos dourados que até hoje velavam seu rosto, revelando aos poucos os segredos de cada traço cinzelado de seu rosto, brilhando na luz matutina, os olhos castanhos vivazes, seus lábios róseos emoldurando um sorriso radiante. Era como se um mundo novo se descortinasse diante dele.

Quando seus olhos encontraram os dele, sorriu. Para ele, não dele. E imediatamente um calor vulcânico assomou-lhe as faces, e ele ficou dividido entre a vontade de fugir e o desejo de ficar. Era como uma presa, hipnotizada por uma serpente, temerosa, e já consciente de seu fim, mas incapaz de fugir. - to be continued...

(Esse é o primeiro arremedo de conto que eu escrevi. Eu até sei o que deve acontecer dai para diante, mas travou. E o título é dipshit... Aceito sugestões de qualquer natureza.)

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