quinta-feira, 5 de abril de 2012

Intransitivo

Acordei sentindo cheiro de chuva, ouvindo o tamborilar nas vidraças das janelas. Deixei-me ficar preguiçosa, os olhos fechados, imaginando a temperatura agradável, a terra molhada, o trânsito caótico obrigando as pessoas a reduzirem a velocidade e darem-se conta do milagre que é a chuva. Sorri, e foi um sorriso frio e melancólico, como aqueles sorrisos de velório, que nada mais são que a sombra das lágrimas que passaram e o prenúncio das que virão.

Lenta, ainda entorpecida pelo sono, espreguicei: ritmo de domingo em plena terça-feira. O corpo foi ganhando vontade, pedindo movimento, e eu fui cedendo o meu desejo de ficar ali ao seu apelo imperativo.

O perfume quente da terra molhada, será que eu imaginei? A percussão das gotas miraculosas no parapeito, foi o som da minha memória que eu ouvi? Abri os olhos para um dia azul, céu de brigadeiro, nem nuvens. Procurei no horizonte vestígios, mas nada havia lá.

A tempestade estava aqui, dentro de mim.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Canvas

Você é essa linda tela, onde eu pintei minhas ilusões de amor.

(É fato, eu não deveria tê-lo feito, mas é assim que eu sou. Eu pinto.)

Há muito mérito em se continuar as pinceladas de outros artistas, mesmo que a opinião pública diga o contrário. É tão difícil imaginar o que o autor queria dizer ou mostrar ao mundo com o seu trabalho... Contudo, sou muito dedicado, e não desisto jamais! Sei que posso ir mais longe, e que de alguma forma a minha criação será ainda mais surpreendente do que pretendia o seu antigo mentor.

Digo isso porque sei que obras de arte são projeções de uma realidade subjacente, oculta de nossos olhos carnais. É preciso enxergar através da tela, para além do espaço restrito em canvas, e usar nossos olhos de ver. Mesmo quando pensamos estar observando uma pintura que retrata uma cena real, um momento recortado do presente, há sempre algo a mais, como a luz que emana dos olhos dos personagens, ou mesmo o modo como o vento sopra suavemente as folhas de uma árvore ao fundo... É muito difícil explicar esse tipo de coisa a alguém. É muito pessoal.

Então eu desenvolvi essa habilidade: eu encontro pinturas incompletas, passo dias a observá-las, e de repente chega o momento em que decido continuá-la. De onde o outro parou, sem nenhum artifício além de meus pincéis e tintas. As pinturas falam comigo, e eu lhes dou voz.

Com você não foi diferente, e eu fiquei encantado quando te encontrei. Você parecia tão frágil, tão simples, e ainda assim tão cheia de nuances! Não pude dormir ou comer até que me dissesse que viria comigo. Abri as portas de minha casa e de meu coração para que fizesse deles sua morada, e dali em diante, passei a reinterpretá-la, como a uma de minhas obras. Levei muito tempo pensando em como destacar a profundidade dos teus olhos, as pequenas linhas de expressão em torno deles como molduras delicadas, a linha perfeitamente arqueada das suas pálpebras curiosas, o brilho intenso dos teus olhares misteriosos, tão inocentes quanto sábios, as ondas revoltas de seus cabelos longos, negros como a noite. Trabalhei determinado, sem descanso, e construí todas as minhas decisões artísticas sobre o que julgava ser um esboço em construção.

Precisei de 10 anos irrecuperáveis de minha vida para reunir a coragem de te dizer aquilo que eu já desconfiava, mas nunca ousara enunciar: você era um trabalho desbotado, mais que completo, já tão castigado pelos anos e maus cuidados que seria impossível fazer qualquer reinterpretação.

Você nunca precisou de reintérprete, querida. Você precisa desesperadamente de restaurador. Essa não é a minha área de atuação. E você devia ter a decência de avisar aos poucos incautos que ainda tiverem coragem para investir em você - para poupar-lhes o tempo.







As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...