sábado, 31 de outubro de 2009

E.E.Cummings



i carry your heart with me

i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go,my dear; and whatever is done
by only me is your doing,my darling)
i fear
no fate (for you are my fate,my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart (i carry it in my heart)



terça-feira, 27 de outubro de 2009

Lusco-fusco

Então era verdade.

Respirou fundo - não tinha mais nada a temer. Seus olhos fundos fitaram a escuridão do quarto como se fosse dia claro. Via nos contornos e volumes camuflados na penumbra as cores dos objetos familiares, e era como se sua imaginação pudesse acender a luz do recinto e revelar-lhe os matizes como que por mágica.

Mas estava escuro, era o cair de mais uma tarde de terça-feira, e sua vida estava passando muito rapidamente. Via um borrão de púrpura encobrindo suas lembranças da última semana, do último mês, o ritmo frenético da corrida contra o relógio, a semana de provas, os resultados, a comemoração - finalmente médico, agora residente, depois, com sorte e perseverança, quem sabe! - e de repente a freada brusca: era verdade.

Aquela comemoração foi o começo do seu fim. Ela apareceu na porta do diretório acadêmico, linda e etérea, como sempre. Era fim de ano - meu Deus, fim de ano! - e ainda assim ela apareceu. Seus olhos tinham a mania de encontrá-la em qualquer lugar, eram arrastados para ela. Mas nunca tinha encontrados os dela a fitá-lo. Pelo menos não daquela maneira. Ela o estava encarando. Devorando. Com os olhos. Ah, aqueles olhos! Quanto estrago pode uma só mulher operar no mundo com um mísero par de olhos? Depende de que olhos são esses, e de como essa mulher - a dona dos tais olhos - sabe usá-los... E essa cretina sabia. Olhava como se sempre o tivesse feito daquela maneira, como se nunca o tivesse desdenhado na vida. Olhava ainda como se ele fosse a oitava maravilha do mundo, e como se nunca antes os tivesse ela pousado sobre ele.

Agora, o mal estava feito. Ele pausou em sua mente o momento em que ela se voltou para ele, e reviveu em slow motion sua ascensão ao paraíso: ela caminhando em sua direção, sua boca ávida cobrindo a dele, seus lábios deixando marcas vermelhas de batom sobre a pele dele, suas unhas lanhando a pele dele. Respirou fundo mais uma vez, mas não acelerou a lembrança. Já que cairia por ter cometido aquele erro, queria rememorá-lo à exaustão, e revivê-lo perfeitamente.

Ela estava ali, em seus braços. Encostava-se a ele como se sua vida dependesse disso, como se só os seus batimentos cardíacos pudessem fazê-la viver. Pediu que ele a tocasse. Não, ela exigia, fervorosamente: "Eu quero você, Eugênio. Quero que você me toque. Quero que você me tenha. Quero ser sua." Todo o seu corpo parecia reforçar suas súplicas, trêmulo e ofegante. E ele não poderia negar-lhe nada - nem a própria destruição.

Todos os seus sentidos, alertas, indicavam que aquilo era uma cilada. Mas o sentido do tato gritava, e suas mãos percorreram aquele corpo que as exigia como se não houvesse outra alternativa. E não havia. Seu corpo mesmo já gritava por ela há anos, e não era agora, em seu momento de júbilo, que ele se negaria aquele prazer. Em meio ao torpor alcoólico, um por um seus colegas e amigos deixaram a cena, enquanto ele mandava todos embora e jogava no chão as revistas, copos e garrafas que estavam sobre a mesa do D.A. - seria ali mesmo. Aquele parecia o cenário perfeito. Afinal, quantas vezes ela já o desprezara ali? Quantas vezes recusara seus convites diante daquelas mesmas pessoas que ele dispensava naquele momento? "É aqui mesmo, sua bandida" - ele pensou. E a deitou sobre a mesa molhada de cerveja, entre restos de salgadinhos e aperitivos diversos. Rasgou-lhe a meia calça, na tentativa vã de tirá-la. Ela riu - e aquele riso foi para ele mais um desprezo, e ele resolveu que não ia mais ser bonzinho. Junto com o resto de dignidade, ele engoliu as palavras de amor que pensara sussurrar-lhe ao pé do ouvido. E, ao invés de fazer amor com ela, ele simplesmente a comeu.

Pode parecer irrelevante, mas aquilo destruiu Eugênio por dentro. Comê-la era a última coisa que ele imaginava fazer na vida. Mas foi assim que aconteceu - "A primeira vez que eu e sua mãe transamos, meu filho, eu comi ela! Não, não foi amor não! Foi uma foda!"

Esse pensamento cortou o flashback - um corte seco e definitivo. Corte de katana.

Era verdade. Aquela foda atrapalhada e violenta, aquela foda ressentida e maldada - aquela foda gerara em seu ventre uma vida. E ele, que sonhara por seis longos anos em conquistar o amor daquela linda e inatingível criatura, via-se agora unido a ela pela obrigação de encarar uma responsabilidade. "Ela está grávida, Geninho. Todo mundo sabe que você comeu a Regina naquela noite. O filho é teu, cara." Ele ainda podia ouvir o Altamiro soprando aquela sentença na sua cara. "É teu e pronto! Mesmo que não seja..." E as risadas daquele amigo da onça filho de uma rameira ecoando em seus ouvidos pintavam de vermelho sangue e noite escura a aurora de sua nova vida de residente do hospital geral de Patos...

sábado, 24 de outubro de 2009

Stairway to heaven

"As I climb the staircase - bare feet on the cold steps - I feel his gaze. Intense, and menacing... I’m his object of pray - and I love it."

Ele me olha. E parece estar me devorando. E não só a minha carne. Sinto pedaços da alma descendo por seu esôfago enquanto seus olhos – semicerrados – traçam veredas pelo meu corpo.

Ele é um desbravador. Um aventureiro. Seus caminhos já o levaram para longe tantas vezes... Mas ele volta. Aqui é o seu lugar de poder. E percebi dessa vez que seu poder ele drena de mim, da luz que escoa de meus olhos enquanto ele fala, lenta e languidamente, as histórias de suas andanças.

Talvez por isso ele volte.

Hoje não é diferente. A porta se abre para revelar um par de botinas enlameadas. As vejo antes de o todo – ele sempre chega quando estou terminando de limpar o chão... Já nem reclamo ou luto - ou fico indignada. Qualquer reação recebe a mesma resposta. O mesmo beijo bem beijado de quem sabe que jamais será rechaçado. E a culpa é minha.

Ele conta que caçou um javali, que escapou por um triz do bote de uma serpente, que quase morreu na mão de uma quadrilha de ladrões de carga em Modiana... Ele conta histórias. É através de suas histórias que eu viajo. Eu. Sempre aqui, nessa pensão, na beira dessa estrada, no limite entre esse e o outro mundo.

Ele senta à mesa do canto, perto do balcão, e passa o resto do dia – e da noite – observando o entra e sai de clientes, enquanto eu anoto e entrego pedidos, cobro despesas e dou troco, recebo mercadoria e pago aos fornecedores. Ele, a garrafa de Paraty, o cigarro de palha. E o cheiro doce do fumo de rolo enche a atmosfera já enfumaçada do salão, e de repente nem meus pensamentos nem minhas pernas conseguem manter seu rumo. É como um feitiço. Ele fica cantando sem emitir som alguma mandinga – e eu fico incapaz de mandá-lo embora.

Não tem por mim apreço nenhum em particular. Some por meses e não manda notícias. Quando morrer, não ficarei sabendo. Mas vou sentir sua falta o resto da minha vida. E ele nem dará por minha falta, se por acaso voltar um dia e não me encontrar aqui. Vai arrebatar quem quer que esteja limpando o chão.

Ele sempre fica no mesmo quarto. Se estiver ocupado, ele pede que a pessoa troque – e é sempre tão persuasivo que nunca houve quem lhe recusasse. É o quarto que fica no sótão dessa velha estalagem. Tem uma pequena janela de frente para o riacho que corre nos fundos – e para a destilaria de meu bisavô.

A primeira vez que ele me viu eu estava lá, no riacho, sentada nas pedras e lavando os pés na água gelada. Era lua cheia, e o terreiro estava prateado. O luar no céu e na água do riacho. Eu era pouco mais que uma menina. Ele ficou me olhando de lá, daquela janelinha, e desde aquela vez eu senti que ele estava me devorando inteira. Eu tive medo então, e tenho medo ainda. Sei que sou sua presa. E adoro sabê-lo.

Às vezes eu imagino que ele vai me levar consigo... Às vezes penso até em pedir. Mas temo demais o resultado dessa ousadia. Se ele por acaso gargalhar, e o seu riso perfurar meu coração? Eu caio dura, lívida, morta aos seus pés. Ele põe de volta o chapéu, passa por cima de meu corpo inerte e vai embora – ainda se rindo. Ele não tem sentimentos – ou talvez tenha. Mas não são por mim.

Volta porque a minha carne treme de desejo quando ele me toca, e cada vez que ele chega o meu corpo se abre como uma flor de maio. É uma dor aguda e ao mesmo tempo um prazer tão terno... E subo as escadas porque quero. Algumas vezes, antes do fim da noite, ele me segura pelo braço esquerdo, fecha assim com violência a mão direita sobre ele, e me puxa atrás de si, como se eu fora uma bagagem... E eu ainda finjo indignação, só prá ele dizer ao pé do meu ouvido que vai me comer de qualquer jeito, quer eu colabore ou não.

Às vezes parece transfigurado, fora de si. Olha para mim como se não me visse, beija meu sexo assim automaticamente, jorra seu gozo sobre o meu ventre e sai pela porta, transtornado como entrou por ela. Ele é febril nessas vezes, e diz coisas desconexas. Mas sempre me chama pelo meu nome. Elisa. Nunca me chamou de meu bem, nem de amor. Minha Elisa. E é isso que eu sou. Sou dele.

Outras vezes ele está inteiro. Nessas vezes me olha intensamente. E parece engasgado todo o tempo. Parece ter palavras presas na garganta – palavras que querem sair desesperadamente. Mas ele não deixa.

Esse homem existe somente para me torturar. E lá vem ele...

Nem olho duas vezes, nem discuto. Dou-lhe as costas e subo na frente.

Sinto seu olhar percorrendo o meu corpo, sinto o calor do seu desejo precedê-lo enquanto me segue. Sim, serei sua – ele o sabe, eu também sei.

Hoje, no entanto, vou prender algo dele dentro de mim. E ele vai me amar sempre – e para sempre terei algo seu para amar...

sábado, 10 de outubro de 2009

Funny

Esse era seu nome de batismo. Sua mãe adorava um filme antigo, com o Frank Sinatra, em que ele cantava uma música com esse nome. Ela obviamente não entendia patavina de inglês.

Ela era esquisita, do jeitinho que a música descrevia a criatura!

Se a pobre da mãe soubesse, será que teria cometido o deslize? Talvez - como ela poderia dizer? O fato é que, para todos os efeitos, os adjetivos elogiosos que recebia nunca referiam-se a seus predicados femininos. Era sempre a inteligente, esperta, dinâmica, capaz, engraçada, espirituosa. Tinha personalidade.

E um nariz aquilino. Era baixinha, tinha escoliose - e usava um aparelho ortopédico. Desajeitada. Seus olhos grandes eram expressivos, verdade - mas um pouco estrábicos. Lábios muitos finos - e dentes muito grandes, que pareciam não caber-lhe na boca. Era realmente Funny. Em tudo.

Aprendera desde muito nova que precisaria destacar-se de alguma maneira, ou seria motivo de chacota toda sua vida. Mas não recolhera-se, e jamais se escondia. Estava viva, e deixaria sua marca na história. Sempre desejara notoriedade. Passar em brancas nuvens? Não ela. Tinha uma faísca em si. E atearia fogo ao mundo.

Sempre tivera inteligência acima da média. E preferia um décimo de sua inteligência a toda a beleza do mundo. Pelo menos era o que dizia a si mesma, no escuro de seu quarto, enquanto crescia desprezada por todos os meninos por quem se apaixonou. Sua adolescência parecia arrastar-se, mas ela não se abalava: deixaria sua marca no mundo.

Dedicava seu tempo aos livros, sua educação era importantíssima para ela. Tinha facilidade para aprender, e gostava de estudar. Muito cedo demonstrou aptidão para a vida acadêmica. Traçou planos e soube segui-los à risca. Com 17 anos já era uma universitária. E continuava virgem...

Mas por pouco tempo. Ali, no Campus, descobriu a verdade sobre os homens. Eles são cruéis. E decidiu que seria mais cruel que eles. Funcionou. E, mesmo sendo a mesma Funny de sempre, conseguiu de cada um deles o que queria. Sexo, paixão ou luxúria? Ela não saberia dizer. Mas nunca perdera tempo - precioso tempo - de sua vida cismando a esse respeito. Estava ali para deixar sua marca no mundo. E não se importava com relacionamentos.

Em seu segundo ano já havia publicado artigos nas melhores revistas de sua área. Freqüentava congressos e apresentava seus trabalhos oralmente. Era muito bem recebida por seus pares, e o orientador não poderia estar mais satisfeito. Êxito. Ela era um êxito. Não permitiria que nada atrapalhasse sua trajetória, tão planejada e bem executada. So far, so good.

As regras do rolê

As regras do rolê são bastantes simples: Fode, mas não se apaixona. Se apaixonar, não fode mais, pra não se foder depois. Tudo o que te ...